A fraude política da descida do IMI em Almada
Ainda que um desagravamento fiscal seja sempre encarado com bons olhos por quem todos os dias é forçado a pagar impostos, é importante desmistificar as consequências reais e práticas de uma decisão que, face à propaganda propalada, configura uma autêntica fraude política.
A Presidente da Câmara Municipal de Almada e os seus ajudantes fizeram aprovar, com pompa e circunstância, a redução do IMI para 2023 em 0.01 pontos percentuais (sim, leu bem, 0.01). Este desagravamento fiscal foi apresentado como uma vitória decisiva do executivo municipal que permitirá “devolver” aos Almadenses “mais de 870 mil euros” (na realidade, não terá lugar nenhuma devolução, mas sim uma cobrança menor por comparação com 2022). Esta aprovação, que chegou perto das festividades de Dezembro, foi o presente de Natal envenenado que os dirigentes de Almada decidiram oferecer aos seus eleitores. Curiosamente, o valor gasto na adjudicação das celebrações do final de 2022 parece ter sido superior a 1 milhão de euros – há, por isso, mais dinheiro destinado à “mercearia” das festas do que à “grande benesse” dada no IMI (já nem falo da forma esquisita como algumas forças políticas se desvincularam da promessa eleitoral de implementar o IMI Familiar).
Ainda que um desagravamento fiscal seja sempre encarado com bons olhos por quem todos os dias é forçado a pagar impostos, é importante desmistificar as consequências reais e práticas de uma decisão que, face à propaganda propalada, configura uma autêntica fraude política. Na verdade, a redução do IMI em 0.01 pontos (que no passado foi negada à oposição pela mesma maioria que agora a propôs) foi amplamente usada pelo Partido Socialista e pelos seus ajudantes para ocultar a mais importante e significativa escolha feita para 2023 – um aumento histórico e colossal nas tarifas dos SMAS e nos preços da água. Importa, por isso, confrontar ambas as decisões (a propagandeada redução irrisória do IMI e o encoberto aumento astronómico na fatura da água).
Como as leitoras e os leitores sabem, o IMI é um imposto municipal cobrado pelas autarquias a quem é proprietário de imóveis. Por definição, excluem-se deste imposto todos os cidadãos que não são proprietários de imóveis. A taxa de IMI que mais importa às famílias é a que recai sobre os prédios urbanos e o Estado dá liberdade às autarquias para a estabelecerem entre 0.3% e 0.45% do valor patrimonial dos imóveis.
Vejamos, então, os factos. Por viverem em situação de arrendatários, mais de 30% dos nossos agregados familiares não usufruirão da propagandeada descida do IMI (estes 30% são uma estimativa conservadora e o valor real deverá andar mais perto dos 40% do que dos 30%). Por outro lado, o valor patrimonial tributário médio (sobre o qual recai a taxa do imposto), em Almada, segundo o Ministério das Finanças, é de 78,908 euros.
Resumindo, o que o PS e os seus ajudantes propuseram foi uma redução anual média do IMI em 7.91 euros para menos de 70% das nossas famílias. Sim, mais uma vez, leu bem – o ganho médio para as famílias de Almada será de menos de 8 euros por ano e só será sentido (se o for…) por 70% das famílias.
Além disso, a isenção, prevista na Lei, para os agregados com rendimentos anuais brutos até 15,295 euros e detentores de imóveis até um valor patrimonial de 66,500 euros reduzirá ainda mais o universo de potenciais beneficiários desta decisão. Tal como acontece noutros casos, as maiores beneficiárias desta medida serão as famílias mais ricas, detentoras de maiores valores patrimoniais (por exemplo, as que tenham piscinas, campos de ténis, ou ar condicionado).
No que toca aos preços da água a história será diferente. A água é um elemento essencial à vida e todos temos de consumir água. Foi com surpresa que, perante as gravíssimas dificuldades financeiras que nos esperam em 2023, recebi os novos tarifários dos SMAS elaborados pelo PS e pelos seus ajudantes. É verdade que é um requisito que a comercialização da água seja financeiramente equilibrada e que permita cobrir os custos de funcionamento, de manutenção, e de desenvolvimento das redes. No entanto, e perante as actuais condições económicas, a escolha tem de ser política – os órgãos do Estado, sejam os nacionais ou os locais, não podem ser geridos de forma meramente contabilística. Nestes tempos de escalada da inflação, a actual Presidente da Câmara escuda-se no rolo compressor de uma maioria que percebe muito de economicismo, mas que não entende nada de economia e, sobretudo, de sensibilidade social. A única escolha política aceitável seria rejeitar estes aumentos brutais e investir na melhoria da gestão e na redução dos custos de funcionamento, colocando a pessoa no centro da decisão política. Noto que alguns municípios procuram, ainda, por via das contas municipais, isentar os seus cidadãos dos aumentos que a inflação ditaria – a Câmara Municipal de Almada, com os seus muitos milhões religiosamente guardados na banca, podia decidir de maneira semelhante, mas escolheu o caminho fácil de colocar os cidadãos a pagar a crise.
Os brutais aumentos na conta da água rondarão, em várias rubricas, mais de 40% face aos valores de 2022. Tive oportunidade de, analisando algumas faturas dos últimos meses, simular as perspectivas de várias pessoas e famílias, reais e concretas, para 2023. No caso de muitas delas, o aumento será de tal forma exagerado que nem o valor anual da famosa redução do IMI será capaz de o compensar. Aliás, em muitos casos, a redução do IMI, para o ano inteiro, nem chegará para cobrir um mês de aumento nos custos com a água (sim, o que lhe darão num ano inteiro poderá nem chegar para compensar um mês de aumento!). A conclusão é simples – o PS e os seus ajudantes prometem oferecer-lhe uma “pequena benesse” pela via do IMI, mas irão subtrair muito mais aos seus rendimentos pela via das tarifas da água e das taxas de resíduos. Vejamos um sumário dos aumentos:
1º Escalão da Tarifa Fixa: Paga + 48.98%
2º Escalão da Tarifa Fixa: Paga + 52.57%
1º Escalão da Tarifa Variável: Paga + 35.17%
3º Escalão da Tarifa Variável: Paga + 68.52%
4º Escalão da Tarifa Variável: Paga + 38.76%
Como se explicam estes aumentos? Não se explicam – muito menos com base em pareceres que, na maioria das vezes, acabam por apenas justificar uma decisão tomada à partida.
A incompreensível decisão política de impor estes aumentos aos Almadenses é indesculpável e compromete a relação de confiança que se estabelece entre quem pede um voto e quem tem a generosidade de o conceder.
De nada adianta justificar este tipo de comportamentos com diretórios partidários frouxos, acanhados, ou submissos aos interesses instalados. A incoerência entre a prática e o discurso só nos mostra que o PS e os seus ajudantes vivem numa bolha paralela e estão cada vez mais alheados da realidade. Como já disse várias vezes, a maioria socialista faz mal ao País e faz mal a Almada.
É em momentos como este que a natureza do decisor político mais importa. Aquilo a que temos assistido em Almada, onde as portas giratórias entre o poder local e o domínio partidário nos trazem cada vez mais boys e girls, funcionários da política, envergonha-nos a todos. As mais recentes decisões municipais devem servir de alerta para a qualidade dos nossos agentes políticos. A confirmação de que a má moeda da política tende a expulsar a boa, e até a neutra, é reflectida pelo cada vez maior distanciamento entre as bases partidárias e os decisores. Foram já vários os militantes destacados dos nossos partidos que, face ao desencanto e à descredibilização das instituições que apoiaram toda a vida, se desfiliaram, se afastaram, ou foram afastados. Cada vez mais, apenas os mesmos de sempre se mantêm na política.
É tempo dos responsáveis honrarem as promessas de mudança que fizeram aos eleitores. Quem, como eu, pediu às pessoas o seu voto não pode rasgar esse contrato de confiança com os eleitores.
Eleito do PSD na Assembleia da União de Freguesias de Caparica e Trafaria
PS: Curiosamente, correm pelos serviços municipais alguns relatos de uma estranha presença contínua, nas instalações, de empresas comercializadoras de água e saneamento. Esperemos que os rumores, que correm pelos mesmos serviços, sobre uma possível concessão do fornecimento de água em alta ou do saneamento não se venham a confirmar. Como não sou de acreditar em bruxas, os aumentos tarifários deste ano têm a particularidade de me deixar alerta – o que se diria se, depois de o PS e os seus ajudantes aumentarem brutalmente, em 2023, as tarifas, decidissem, no futuro, entregar a concessão da água a uma empresa privada ou, até, à EPAL?
Almada, Almada Online, Crónica, David Cristóvão, Opinião, PSD