A literacia financeira e as perspetivas de crescimento da economia e das famílias
Se a literacia financeira tem um impacto significativo na economia e no bem-estar a longo prazo das famílias, Portugal tem de melhorar a sua posição entre os pares europeus, o que se torna urgente no meio das várias incertezas que se vivem hoje em dia. Que iniciativas têm sido tomadas por parte do Estado, das instituições e do setor privado para melhorar os conhecimentos e atitudes das pessoas sobre finanças?
A literacia financeira consiste, segundo a OCDE, no nível de conhecimento e compreensão sobre vários conceitos relacionados direta ou indiretamente com finanças e com a forma como cada pessoa gere o seu orçamento. Alguns exemplos de conceitos-chave abrangidos incluem o valor temporal do dinheiro e as taxas de juro, as características do endividamento e como lidar (ou não) com ele, o sistema fiscal, a inflação, a dicotomia entre poupança e consumo, assim como as decisões de investimento e avaliação do risco.
Esta é uma competência que faz uma grande diferença, tanto no dia-a-dia de cada um como nas nossas perspetivas de bem-estar no futuro, visto que contribui para uma melhor tomada de decisão, para a consciencialização dos impulsos irracionais na maioria das vezes associados a gastos desnecessários, e para o planeamento dos rendimentos e despesas ao longo da vida, aumentando as chances de atingir metas pessoais e afastando cenários de stress financeiro que muitas vezes impossibilitam uma parcela significativa da população de preencher as suas necessidades, nomeadamente durante crises prolongadas.
Vários estudos já encontraram uma relação positiva e significativa entre a literacia financeira e vários indicadores económicos, refletindo o importante impacto que tem a médio-longo prazo na economia e na estabilidade financeira de um país. Por exemplo, um grau de literacia financeira elevado está associado a “taxas de incumprimento mais baixas, maior acessibilidade dos créditos e crescimento mais forte do PIB”1, de acordo com o relatório do Global Financial Inclusion Index2.
Este tema é estrategicamente relevante para Portugal, visto que é uma das principais razões que justificam o difícil acompanhamento do crescimento económico por parte das famílias e que as expõe à incerteza na política nacional e internacional que se vive atualmente.
Por outras palavras, embora o PIB português esteja a registar um aumento anual acima da média da União Europeia (UE) desde 2016 (exceto em 2020 e 2021, devido aos efeitos adversos da pandemia que impactaram mais em Portugal do que no agregado europeu), a generalidade das pessoas não perceciona isso nas suas carteiras, o que se prende a uma série de fatores estruturais, como a carga fiscal excessiva, a subida lenta dos rendimentos do trabalho, a crise da habitação3, os limites à competitividade das empresas4 e a própria tomada de decisões informadas no que toca ao dinheiro! De facto, o nosso país possui ainda um longo caminho pela frente neste assunto.
Segundo o Eurobarómetro5, Portugal encontrava-se no penúltimo lugar em termos de conhecimento financeiro entre os 27 Estados-Membros da UE em 2023, enquanto a Estónia, uma economia que há poucas décadas encontrava-se sob a alçada do marxismo-leninismo e sofria com a escassez de produtos pelo controlo artificial de preços por parte do Estado, ocupava a quarta posição.
O respetivo inquérito da Comissão Europeia incluía dois domínios – conhecimento e comportamento – sendo que por um lado apenas 16% dos inqueridos obtiveram uma nota alta no primeiro (contra 26% na média da UE), mas por outro essa proporção já foi de 69% no caso do segundo (contra 65% na UE). O score final de literacia financeira considerando as notas altas resulta no valor mais baixo da UE, a par com a Letónia (11% contra 18% na UE), como se pode verificar no gráfico abaixo:

Os scores para as notas altas são obtidos através da proporção de inquiridos (i) que respondeu corretamente pelo menos a 4 das 5 questões do inquérito no domínio do conhecimento (sobre conceitos financeiros fundamentais como inflação, juros e risco) e (ii) que concordou com as 3 afirmações colocadas sobre capacidade de fazer orçamentos pessoais, monitorizar as despesas e planear a longo prazo no domínio do comportamento. O score global de literacia financeira é uma média ponderada dos dois anteriores. A percentagem remanescente em cada score foi atribuída às notas médias e baixas.
Este resultado mostra que o país possui um dos níveis de literacia financeira mais baixos da Europa, que se associa sobretudo à falta de conhecimento conceptual, pois os portugueses até demonstram algum critério quando se fala de boas práticas em relação a fazer orçamentos e a monitorizar as fontes e usos do que ganham.
Isto também reflete o nosso próprio histórico cultural, em que até recentemente o Ministério da Educação nunca priorizou a formação dos jovens neste tipo de competências (o sistema educativo necessita particularmente de uma reforma estrutural), e no âmbito familiar os pais por norma não passam um grande entendimento de finanças aos seus filhos, apesar de muitos já lhes incutirem a importância da poupança e de não gastar o dinheiro desenfreadamente.
As perspetivas para o futuro poderão ser diferentes, por via do desenvolvimento do capital humano: por exemplo, a taxa de escolarização no ensino superior aumentou drasticamente desde o início do século, de 27,5% em 2003/2004 para 43,1% em 2023/2024, segundo o INE. Além disso, Portugal possui uma dotação relevante de mão-de-obra formada em ciências, tecnologia, engenharia e matemática (STEM).
Nos últimos anos têm sido implementados diversos programas em termos governamentais e institucionais para melhorar os níveis de literacia financeira. Sublinham-se a integração recente de matérias relacionadas com o tema no ensino básico, através da disciplina de Cidadania, e o Plano Nacional de Formação Financeira, criado pelos principais supervisores portugueses6 e que visa reduzir a assimetria de informação em termos de produtos/serviços e consciencializar a população sobre o sobre-endividamento, através de iniciativas como a disponibilização online de simuladores orçamentais, guias temáticos relevantes, a semana de formação financeira e o Concurso “Todos Contam”, que recompensa o desenvolvimento de projetos de educação financeira nas escolas.
O setor privado também tem tido um papel importante na promoção da literacia financeira, nomeadamente quando se dirige aos jovens, como a semana do investidor e o dia mundial da poupança da DECO, e ainda a organização de vários eventos, webinars e cursos gratuitos sobre instrumentos financeiros (principalmente ações, obrigações e ETFs) por parte de bancos, corretoras e fintechs, como o BiG, a XTB, a Trade Republic e o Doutor Finanças.
Além das empresas, vários indivíduos têm conseguido levar informações relevantes de forma simplificada e lúdica ao seu público-alvo através do grande crescimento e diversificação dos canais digitais e das redes sociais, o que deu origem ao novo conceito de “finfluencers” (influencers na área financeira), que têm mudado a vida de muitas pessoas.
Entre estes, os podcasts “Contas-Poupança” de Pedro Andersson e “MoneyBar” da Bárbara Barroso merecem especial distinção, pois focam-se em erros comuns, investimentos e finanças pessoais e ajudam a comparar retornos potenciais a prazo, algo essencial para a definição de objetivos e para evitar ceder a enviesamentos emocionais que afetam o desempenho futuro do nosso capital. Isto torna-se importante para os portugueses, pois muitos são avessos ao risco não por terem um perfil pouco tolerante na sua essência, mas sim por simplesmente não possuírem um entendimento suficiente para conseguirem tomar uma decisão informada. Talvez estas empresas e finfluencers ajudem os particulares a direcionarem as suas poupanças excedentárias para investimentos mais produtivos e façam com que Portugal deixe de ser um dos países da UE onde mais de 45% dos ativos financeiros das famílias são moeda e depósitos, cujo valor se degrada constantemente devido à inflação.

Para quem vive na Área Metropolitana de Lisboa (AML), a literacia financeira revela ser um aspeto com ainda mais relevo. O prolongamento da crise imobiliária, com os preços da habitação a renovarem sistematicamente os seus máximos históricos e os “efeitos de contágio” à margem sul, obriga a controlar melhor os orçamentos mensais, visto que o peso dos empréstimos à habitação no total de despesas dos particulares já é demasiado elevado. Juntamente com a já muita abordada subida lenta do salário médio, esta conjuntura torna vital elaborar um planeamento eficaz se queremos garantir que continuamos a viver com qualidade e bem-estar nas próximas décadas. O concelho de Almada é o que inclusive apresenta o maior valor mediano de avaliação bancária por metro quadrado entre os municípios da Península de Setúbal.
Embora os esforços da Câmara Municipal de Almada (CMA) sobre o tema apresentem margem para serem mais abrangentes, a formação em literacia financeira tem sido proativa em mitigar a desinformação desde o pós-pandemia, orientando os jovens a gerir o seu dinheiro. Por último, não deixaria de referenciar a recente campanha da Faculdade de Direito da Nova presente nos transportes públicos de Lisboa e Almada, simples e com impacto, visto que torna produtivo o tempo muitas vezes perdido pelos cidadãos no seu quotidiano ao providenciar conteúdos informativos sobre temas como renegociação de contratos e riscos de fraude. Esta iniciativa possui ainda um caráter social automático, visto que a proporção da população mais desfavorecida e que por tendência possui menos conhecimentos e é mais propícia a atitudes de risco, utiliza os transportes públicos com maior regularidade.
1 Como referido no artigo do jornal Eco “Literacia financeira é o trampolim do crescimento da economia”
2 Criado pelo Principal Financial Group, uma empresa de investimentos e consultora financeira global.
3 Ver crónica no Almada Online “A crise da habitação em Almada: raízes e soluções”
4 Ver crónica no Almada Online “O tamanho das empresas e a sua especialização são essenciais para a competitividade”
5 Ver artigo “Monitoring the level of financial literacy in the EU” da Comissão Europeia
6 Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF), Banco de Portugal (BdP) e Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM).




