Almada | Águas do Pastaza
Um filme de Inês T. Alves, que pode ser visto dia 19 de Março às 21h, no Auditório Fernando Lopes-Graça
O filme é uma viagem ao interior da Amazónia, na fronteira entre o Equador e o Peru, à beira do rio Pastaza, guiada pelas crianças da comunidade indígena Achuar, em Suwa.
“As qualidades infantis deveriam conservar-se até à morte, como qualidades dinstintivamente humanas – as da imaginação, em vez do saber, do jogo, em vez do trabalho, da totalidade, em vez da separação”. Agostinho da Silva. É com esta citação que começa o filme “Águas do Pastaza”.
Isolada na floresta tropical amazónica, vive uma comunidade de crianças em profunda intimidade com a natureza à sua volta. Entre as águas do rio Pastaza e o topo das árvores, estas crianças vivem o quotidiano de forma quase autónoma e com um forte sentido de colaboração.
O filme Introduz momentos de reflexão acerca de como estamos a educar as nossas crianças e como interferimos com a formação da sua autonomia. A realizadora conheceu esta comunidade na Amazónia, sem intenção, necessariamente, de fazer um filme, mas ficou fascinada com as suas brincadeiras, a sua fluência na práctica da pesca, cozinha e artesanato.
Contra o pano de fundo sonoro incessante da floresta tropical, em t-shirts coloridas e botas de borracha, as crianças colhem bananas e outras frutas. Passam os dias a caçar e a pescar ao longo do rio, cozinham, balançam nas videiras, brincam com piões caseiros nos painéis solares de sua aldeia ou, reunem-se em torno de um telemóvel a ver vídeos. Inês T. Alves acompanha o grupo que vive uma vida em harmonia com o meio ambiente.
Trata-se de um olhar sem preconceitos sobre o universo infantil, visto de dentro, do seu lado intocado e primordial. Anterior, portanto, aos códigos de uma educação formativa. Razão pela qual os adultos estejam quase afastados das imagens. Percebemos que estão lá, mas não necessitamos deles. O filme une de forma orgânica a essência do ser humano com o meio ambiente, onde o progresso ainda é apenas acessório. É um encontro primordial com o quotidiano idílico de crianças autónomas, que têm o seu modo de vida assente na liberdade e experiência com a natureza, mesmo que não sejam totalmente alheias à entrada do progresso sob a forma digital.
Inês T. Alves filma uma forma de viver a infância em comunidade, que hoje já quase não existe na sociedade ocidental. O que começa por nos parecer, aos nossos olhos ocidentais, uma absoluta irresponsabilidade paternal de deixar miúdos sozinhos à solta, revela-se um olhar profundo sobre o que pode significar ser criança
Feito com poucos meios, o filme resulta de dois meses de vivência de Inês T. Alves, em 2018, junto daquela comunidade, com cerca de 80 habitantes.
Inês T. Alves declarou numa entrevista que este “não é só um filme sobre as crianças indígenas Achuar de Suwa. É sobre o que é ser criança e o que é ser humano, é sobre nós. Mas é algo que na nossa sociedade vamos perdendo, que penso que é importante conseguirmos resgatar. Não é o voltar a ser criança, mas o não perder essas características com que nascemos.”
“Fiquei tão impressionada com aquelas crianças, as suas capacidades, a sua autonomia, a sua relação com a floresta e com a vida, que foi impossível não ter vontade de fazer um filme. Eu estive dois meses dentro da comunidade, sendo que o primeiro mês foi de descoberta. Como instrumento de trabalho, tinha uma câmara muito básica, uma Canon 70D, que nem é profissional e, um disco externo que se estragou logo no início. Felizmente consegui recuperar os ficheiros do disco. Durante esses dois meses passava quase 24h com as crianças. Senti que eram as crianças que estavam mais disponíveis para mim e que demonstravam mais curiosidade. “, explica a realizadora.
“Eles nunca tiveram televisão, nunca tiveram rádio. Mas hoje já têm internet. É um processo inevitável e penso que é normal que tenham curiosidade em conhecer o mundo exterior. Acho que não temos o direito de lhes impor ou privar do que quer que seja, ou fazer juízos morais, mas também não temos o direito de lhes destruir os seus modos de vida. “, acrescentou.
“Numa altura em que as comunidades indígenas na Amazónia estão sob um forte ataque permanente, com desflorestação intensa impulsionada por interesses económicos externos, pareceu-me urgente dar-lhes alguma visibilidade. Partindo do universo muito específico das crianças, este filme chama a atenção para a importância de se estabelecer uma relação mais sustentável com o nosso ambiente”, concluiu.
“Águas do Pastaza” estreou-se em 2022 no Festival de Cinema de Berlim, na secção Generation e, passou também por mais de trinta festivais, entre os quais o Festival Internacional de Cinema de Mulheres de Seul, onde recebeu o prémio de melhor realização; o IndieLisboa, onde obteve duas menções especiais, Árvore da Vida e Júri Universitário; o CinEco, em Seia, que lhe atribuiu o prémio de melhor longa-metragem. O filme foi a primeira longa-metragem da realizadora Inês T. Alves, natural das Caldas da Rainha.
Inês T. Alves estudou Narrativas Culturais nas universidades Nova de Lisboa, Santiago de Compostela e de Bergamo. Frequentou ainda o curso de Cinema Documentário na University of the Arts London, com uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian. Inês dinamiza workshops sobre a sétima arte e é fundadora do projecto de cinema colaborativo “Movimento”.

Ficha Técnica:
Título original: Juunt Pastaza Entsari
Realização: Inês T. Alves
Argumento: Inês T. Alves
Produção: Inês T. Alves, Ico Costa
Elenco: Amasan Vargas, Bartolome Wajai, Chias Etsaa, Chumpik Etsaa, Elias Vargas, Entsa Kiakua, Erika Vargas, Fabricio Vargas, Inchi Etssa, Jesus Washikiat, Nayaim Washikiat, Nayash Vargas
Som: Inês T. Alves, Virgílio Oliveira, Giorgio Gristina, Tiago Matos
Edição: Inês T. Alves
Género: Documentário
Origem: Portugal
Ano: 2022
Duração: 61 min.
Classificação: M/12
Entrada livre mediante levantamento de bilhete obrigatório
Contacto da Bilheteira do AFLG
Tel.: 212 724 922 | auditorio@cm-almada.pt
Horário: Quarta a Sábado 10h – 13h | 14h30 – 18h
uma hora antes do espectáculo