Almada | Cesária Évora de Ana Sofia Fonseca

Documentário sobre a "rainha da morna" está em exibição no Almada Fórum. O Almada Online entrevistou a sua realizadora Ana Sofia Fonseca.

O documentário “Cesária Évora” da realizadora Ana Sofia Fonseca chegou às salas de cinema nacionais na Quinta-Feira, dia 27. Em Almada está em exibição no Almada Fórum.

Este é um retrato fiel e poderoso da voz mais famosa de Cabo Verde, que ficou conhecida como “rainha da morna” e “diva dos pés descalços”. Se a morna é hoje património imaterial da Humanidade, muito deve a Cesária Évora.

No documentário, pode ver-se a vivência de Cesária Évora em São Vicente, a sua simplicidade, a forma como ajudava todos os que batiam à sua porta, como se preocupava em dar uma vida melhor à sua família, mas também a sua relação com a bebida e o seu problema de depressão e bipolaridade.

Cesária Évora colocou Cabo Verde definitivamente no mapa musical do mundo. Com sua voz grave e suave, Cesária saiu da pobreza para os palcos das mais renomeadas salas do mundo. Um estrelato internacional como num conto de fadas. A directora Ana Sofia Fonseca utiliza imagens de arquivo raras e inéditas, gravações originais e testemunhos únicos de pessoas, como a neta Janete Évora e o antigo manager José da Silva, que conheceram a mulher por trás da lenda.

Atravessando diversos contextos sociais e políticos da vida de Cesária, e abordando temas universais
como a liberdade, a igualdade racial e de género, o documentário intimista dá a descobrir as suas lutas e sucesso, da privacidade da sua casa para o mundo.

A jornalista e realizadora Ana Sofia Fonseca, conta assim uma história de luta e sucessos que buscava um único sonho: ser livre. Um retrato poderoso desta cantora e mulher eterna.

O documentário “Cesária Évora” venceu o Prémio Público no Festival Indie Lisboa em Maio, também foi selecção oficial no Festival SXSW, em Austin nos Estados Unidos, e menção especial no Festival da Cracóvia. Esteve presente em cerca de 20 festivais internacionais.

©DR / Ana Sofia Fonseca, realizadora do documentário Cesária Évora

O Almada Online entrevistou Ana Sofia Fonseca, realizadora do documentário Cesária Évora.

– Como surgiu a ideia de fazeres o documentário sobre a Cesária Évora?

Não sei precisar no tempo, mas lembro-me da primeira vez em que pensei que alguém tinha de fazer um documentário sobre ela. Foi uns dias a seguir à sua morte, em 2011, estava em São Vicente e demorei-me a ver a tristeza e a orfandade no olhar das pessoas na rua. Lembro-me de pensar no vazio enorme que ela deixava e no quão “de filme” era a sua história.

– Porquê a Cesária Évora? Devido à tua ligação com Cabo Verde?

Em parte sim, este filme não deixa de ser uma viagem àquelas ilhas, terra que tanto me conquistou e de onde também são os meus filhos. Mas foi, sobretudo, a curiosidade em relação à história de uma mulher extraordinária. Uma mulher que trazia colados à pele uma série de preconceitos – era mulher, negra, pobre, tinha mais de 50 anos e não tinha a beleza própria das revistas – e que derrubando preconceitos e improbabilidade, conquistou o mundo inteiro sem nunca se deixar conquistar pela fama.

– Para ti qual a importância de Cesária como cantora e mulher?

É uma história inspiradora, que nos mostra quanto a vida de qualquer um pode mudar a qualquer instante, independentemente do lugar de onde se vem. É uma voz tão única e extraordinária quanto a mulher. A Cesária não conhecia expressões como empoderamento feminino ou igualdade, mas a sua forma de viver era uma forma de luta contra preconceitos.

– Como foi ir descobrindo material inédito e organizar tudo num fio condutor?

Foi um processo longo e difícil, mas que já me deixa saudades. Foi tão difícil que qualquer pequena descoberta era uma grande conquista. A montagem do filme demorou bastante tempo e foi um processo de intensa discussão e descoberta, feito por mim e pela Cláudia Rita Oliveira.

– Qual foi a maior descoberta que fizeste sobre a Cesária neste processo?

Uma mulher ainda mais especial do que imaginava. Uma mulher que colocou o seu país no mapa, a morna nos ouvidos do mundo e que, sem fazer por isso, deixou um exemplo de luta contra preconceitos. Num tempo conturbado, em que há cada vez mais intolerância e crescimento da extrema direita, é importante ouvir histórias que nos despertem para o outro. Para a igualdade que nos une.

– Quanto tempo demoraste a fazer o documentário?

Cinco anos

– Qual foi a maior dificuldade que sentiste ao longo do processo?

Foram várias, não é fácil fazer cinema em Portugal. Mais ainda, um filme com música e arquivo.

– O que dirias a quem só descobrir a Cesária agora com o teu documentário?

Não se preocupem, ainda vão a tempo. Há histórias e vozes que nunca deixam de ser actuais, de emocionar e de inspirar. Vêm do passado, com lugar certo no futuro.

– Reportagens na imprensa escrita, na tv, livros, documentários…O que vais fazer a seguir? Que história vais contar?
Vou continuar a fazer o que mais gosto: contar histórias. Olhar para o mundo que me rodeia, na tentativa de o perceber melhor. 

©DR / Cesária é voz mais famosa de Cabo Verde e, ficou conhecida como “rainha da morna” e “diva dos pés descalços”.

Cesária Évora:

Nascida em 1941, no seio de uma família de músicos da cidade de Mindelo (ilha de S. Vicente), começa a cantar, ainda jovem, em bares e hotéis, encantando o público que a ouve. Com a independência de Cabo Verde (em 1975), depois de um período difícil que a leva à depressão e ao alcoolismo, deixa de cantar durante vários anos. Em 1985, a convite do cantor Bana, proprietário de um restaurante e de uma discoteca em Portugal, acaba por gravar o disco “Cesária” (1987), que passa despercebido. Mais tarde, segue até Paris, motivada pelo empresário francês José da Silva, e é lá que vê reconhecido o seu trabalho. Em 1988, grava “La diva aux pied nus” (que lhe deu o cognome de “diva dos pés descalços”) e, em 1992, o álbum “Miss Perfumado” – onde está incluída a famosa “Sodade”, composta por Amândio Cabral –, que a transforma num ícone da “world music”. Com “Voz d’Amor”, editado em 2003, Cesária arrecada o Grammy de Melhor Álbum de World Music Contemporânea. A 23 de Setembro de 2011, comunica a necessidade de abandonar a carreira por conselho médico. Nesse mesmo dia, é internada no hospital de Pitie-Salpetriere (Paris), por ter sofrido mais um AVC. Morre no dia 17 de Dezembro do mesmo ano na sua terra natal, devido a uma insuficiência cardiorespiratória, aos 70 anos.

Ana Sofia Fonseca:

Ana Sofia Fonseca é uma contadora de histórias. Cesária Évora é o seu segundo documentário. Nascida em Portugal, vive com um pé no seu país de origem e outro em Cabo Verde – mais propriamente, em São Vicente, a ilha de Cesária. Dedicou-se à paixão pelo cinema, após uma premiada carreira de 20 anos no jornalismo, na qual escreveu para os principais órgãos de comunicação social e assinou reportagens e documentários na estação de televisão SIC. O seu trabalho foi distinguido com vários prémios de jornalismo, incluindo o Prémio Gazeta, o Prémio AMI Jornalismo Contra a Indiferença, o prémio Direitos Humanos e Integração atribuído pela UNESCO, e o prémio Corações Com Coroa. Publicou cinco livros de reportagem e investigação – Barca Velha Histórias de um Vinho, Angola Terra Prometida, Capitãs de Abril, Cada Garrafa Conta Uma História, Raízes – e ainda o romance Como Carne Em Pedra Quente. A sua primeira longa-metragem documental, Setembro A Vida Inteira, esteve cinco semanas nos cinemas portugueses. Realizou ainda o documentário Os Dias Contados. 

Ficha Técnica:

Realização: Ana Sofia Fonseca

Edição: Cláudia Rita Oliveira
Direcção de Fotografia: Vasco Viana
Som: David Medina
Música Original: José M. Afonso
Design de Som: Billyboom
Design: Ideas Com Peso
Cor: Rita Lamas
Fotografia do cartaz: Simon Scheller
Produção Executiva: Ana Sofia Fonseca
Produtores: Ana Sofia Fonseca e Irina Calado
Produtores Associados: Agostinho Ribeiro e Ricardo Freitas

Produção: Carrossel Produções
Com: Até ao Fim do Mundo
Distribuição: Alambique

Sofia Quintas

Directora e jornalista do Almada Online

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