Almada | Moradores do 2º Torrão marcam protesto por habitação

Dia 5 de Dezembro às 14h na estação de metro de Almada

Os moradores do 2º Torrão marcaram um protesto para dia 5 de Dezembro, às 14h no na estação de metro de Almada, na Avenida D. Nuno Alvares Pereira.

A escolha desta localização prende-se com o facto da Câmara Municipal de Almada (CMA) ir reunir nesse mesmo dia, às 10h e às 15h no Auditório dos Serviços do Urbanismo, localizado na mesma Avenida. Em causa está o facto de, ao contrário do que afirmou a CMA ao declarar à agência Lusa que o realojamento do 2º Torrão tinha terminado dia 7 de Outubro, o mesmo não estar ainda terminado dois meses depois do seu início.

Actualmente ainda se encontram no bairro, em cima da vala de escoamento de águas pluviais, dez agregados familiares que interpuseram providências cautelares contra a CMA, que se encontram ainda a decorrer na justiça, para que a demolição das suas casas não acontecesse.

Na altura das demolições, estas famílias não se encontravam abrangidas pelo processo de realojamento por decisão camarária, sendo que as providências cautelares proibiram a demolição das suas casas, evitando que ficassem em situação de sem abrigo, sem um tecto. A CMA na altura apresentava-lhes como solução passarem para a tutela da Segurança Social, que lhes garantia apenas 3 ou 4 noites num estabelecimento hoteleiro, sendo que depois ou não tinham para onde ir ou passavam à situação de sem-abrigo.

Entretanto, a maioria destes agregados foi abrangida pelo processo Porta de Entrada, tendo o Estado tentado corrigir a mão da CMA, mas apenas lhes oferecendo apartamentos de tipologia T1, independentemente do número de pessoas existentes nos seus agregados. Os moradores contestam também esta decisão que consideram injusta e inadequada para muitos.

Para além disso a CMA continua a excluir alguns agregados do processo de realojamento, sendo que em dois deles existem pessoas com doenças graves. Os moradores contestam esta decisão, tendo decidido em reunião de moradores da vala, que todos os agregados têm de ser integrados no realojamento, só saindo do bairro com chave na mão para uma habitação digna, não deixando ninguém para trás.

“Na Canto do Curió trabalhamos em proximidade com a assembleia de moradores da zona de demolição. Inclui 10 famílias que vivem na zona de demolição, na sua maioria foram quem avançou com providências cautelares em tribunal. É ali que se tomam decisões importantes. Somos dois, eu e a Renata Camargo, que trabalhamos para essa assembleia e usamos o privilégio da nossa posição como mediadores para apoiar na afirmação de direitos e garantias e na resolução de problemas.”, explica ao Almada Online João Cão, da Associação Cultural O Canto do Curió.

Ao mesmo tempo, continuam realojadas temporariamente, desde a primeira semana de Outubro, famílias em condições indignas num sobrelotado hostel em Lisboa, que se encontra apenas a funcionar para a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Estas pessoas, como já noticiámos anteriormente, aceitaram de boa fé a solução dita temporária, por não haver casas camarárias de renda comparticipada livres, segundo a CMA. Os seus pertences foram armazenados pela CMA e, neste momento há famílias de 4 e 5 pessoas a dormirem em quartos de 2 por 3 metros quadrados, cerca de 50 por piso, sem puderem cozinhar ou lavar as suas roupas, com uma casa de banho por piso, onde apenas podem permanecer 20 minutos. O edifício onde se encontram está bastante degradado e tem seguranças à porta, que impedem os ex moradores do 2º Torrão de receber visitas, para que não se comprove esta falta de dignidade e condições.

“Os moradores deslocados de Campo de Ourique no Royalty Hostel têm vários problemas identificados há quase dois meses. Conseguimos em apoio directo mitigar algumas necessidades, como alimentos e abrigos. Mas estamos há 41 dias a tentar mediar uma solução para haver uma máquina de lavar roupa funcional, internet e espaço para as crianças brincarem.”, diz João Cão.

Marta Ferreira e os seus 3 filhos continuam a dormir os quatro num quarto sem condições, como noticiámos anteriormente. Caramó Cassamá continua sem uma solução viável para o tamanho da sua família. Sebastião Tomás, de quem contámos a história inacreditável, encontra-se a dormir ao relento em pleno Inverno, tendo já saído da casa de Cândida. A Segurança Social continua a oferecer-lhe como única solução o Centro de Acolhimento Nocturno do Laranjeiro. À data da demolição tinha um quarto alugado no bairro do 2º Torrão. Antes disso morava com a sua filha, sendo morador do bairro há anos. A CMA e a Segurança Social insistem que ele é um sem abrigo. A verdade é que a CMA e a Segurança Social tornaram-no num sem abrigo. Sebastião já ameaçou suicidar-se, foi chamado o 112 e foi levado para o Hospital Garcia de Orta, voltando ao 2º Torrão dias depois. Nem o SNS se encarregou dele, quando é visível que necessita de apoio psicológico e motor.

João Cão disse-nos que também os preocupam “os casos de emergência social, as pessoas mais vulneráveis neste processo. O Sebastião Tomás e uma outra família ficaram depois da intervenção da Câmara de Almada como sem abrigo e sem acompanhamento de assistência social e de saúde mental. Tentamos apoiar na estruturação de rede de apoio para estes casos.”

Outras famílias foram realojadas temporariamente nos bungalows no Parque de Campismo de Monsanto, mas recentemente foram transferidas para o Seminário de S. Paulo em Almada, onde também não podem cozinhar. Para estes agregados foi a terceira mudança que fizeram desde que demoliram as suas habitações na primeira semana de Outubro.

Para todas as pessoas que se encontram em Lisboa e trabalhem no concelho de Almada a CMA colocou à disposição uma carrinha, que as vai buscar a Lisboa e traz aos seus trabalhos na Margem Sul, fazendo a viagem em sentido inverso ao final do dia. As crianças também são trazidas para a escola, tendo que acordar de madrugada, regressando ao final do dia exaustas. No hostel não têm espaço para brincar, nem Internet, através da qual muitos recebem os trabalhos de casa. Estavam habituadas a terem os seus pais a levá-las e a buscá-las à escola. Tiveram também de se separar dos seus animais de estimação, que não são permitidos no hostel e, estão à guarda do canil camarário, apenas aberto durante a semana, não permitindo às crianças visitarem os seus amigos patudos por se encontrarem na escola.

Os moradores do bairro do 2º Torrão foram também relatar os seus problemas habitacionais à reunião da União de Freguesias da Caparica e Trafaria no passado dia 29 de Novembro, sem que os eleitos locais tivessem apresentado qualquer solução ou iniciativa, na resolução dos seus problemas. A presidente desta União de Freguesias, Sandra Chaíça, depois de ouvir os relatos dos moradores afirmou que “cada um tem de ir à CMA tratar dos seus problemas, porque só os tratam com o próprio. Se querem um conselho não vão sozinhos”. Ficámos assim a saber, que a presidente desta União de Freguesias não tem qualquer poder de decisão sobre o que se passa no seu território e seus habitantes, nem vontade ou iniciativa para resolver os problemas dos fregueses que a elegeram. Ficámos sem perceber o que queria dizer exactamente com o seu conselho.

Até ao momento, o Almada Online conseguiu contabilizar as seguintes despesas por parte da CMA referentes ao realojamento do 2ª Torrão: 04-11-2022 serviço de alojamento em Bungalows para os Munícipes da Trafaria: 31.584,91 € + iva, por ajuste directo; 11-10-2022 serviço de alojamento em Bungalows para os Munícipes da Trafaria: 20.000 € + iva, por ajuste directo; 29-09-2022 demolições 306.690,75 € + iva, através de concurso público. Estes são valores que constam do portal base.gov. Houve outras despesas adicionais que não conseguimos identificar neste portal, como por exemplo o valor do serviço de alojamento numa pensão na Costa da Caparica, onde os moradores foram alojados inicialmente antes de serem deslocados para o hostel e parque de campismo em Lisboa; dinheiro e cartões de refeições por estarem impedidos de cozinhar onde se encontram; custos relacionados com a lavagem de roupa, que estão impedidos de fazer nos locais onde permanecem; valor da empresa de mudanças utilizada durante a demolição; custos de armazenamento dos bens pessoais dos moradores; dos seus animais de estimação no canil municipal; valor do transporte diário de e para Lisboa de trabalhadores e crianças alojados nesse concelho; custo de tempos livres escolares para as crianças que frequentam a escola na margem sul; valores da activação do plano municipal de emergência da proteção civil de Almada, em vigor no concelho até 31 de Dezembro; valor da declaração de situação de alerta no bairro do 2º Torrão; custos adicionais com pessoal da CMA em horas extraordinárias e futuros custos com a reparação da vala.

O realojamento não terminou, apenas retirou as pessoas da vala, colocando muitos dos agregados familiares em condições habitacionais ainda mais precárias do que as que tinham anteriormente no 2º Torrão.

Aparentemente os políticos locais não perdem o sono com as condições indignas em que colocaram habitantes do seu próprio concelho, nem com a forma sub-humana com que os trataram ao longo de todo este processo. Nem o espírito natalício os faz rectificar as situações causadas pelas suas decisões. Pelo que tudo indica os moradores do 2º Torrão vão passar o Natal nas situações lamentáveis que descrevemos acima.

A quem podem recorrer estas famílias quando a Junta de Freguesia, a Câmara Municipal, a Segurança Social e o Estado os deixam sem respostas ou soluções habitacionais?

©DR / Flyer do protesto marcado para dia 5 de Dezembro pelos moradores do bairro do 2º Torrão
Sofia Quintas

Directora e jornalista do Almada Online

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