Almada | Restos do Vento

Cinema, no Auditório Fernando Lopes-Graça, dia 15 de Fevereiro às 21h

Numa vila do interior de Portugal, um ritual de passagem assente numa tradição semi-pagã deixa mazelas insanáveis num grupo de jovens que, 25 anos depois se volta a reencontrar, após uma tragédia na família de um deles. Os rancores do passado vêm à tona, há um crime por resolver e uma tragédia assola a população local.

O ano é 1995, “Vem o vento do deserto, misturar o errado e o certo, vem o vento, sopra forte, não é ele que traz a morte.” são as palavras proferidas por um grupo de jovens encapuçados, vestidos com trajes típicos de tradição semi-pagã, antes de espancar Laureano (Benjamim Barroso), provado ser até ali, o único rapaz com o mínimo de escrúpulos do grupo. Percebe-se do que se trata a azáfama quando, momentos antes, Arnaldo (Tonan Quito), o taberneiro local, chama os rapazes ao seu estabelecimento para lhes troçar os sexos e lhes dar umas vergastadas. Trata-se de um rito de passagem, uma praxe aos que se vão “tornar homens”. 

Vinte e cinco anos depois, reencontramos Laureano (agora Albano Jerónimo), no papel de “maluquinho da aldeia”, que vive precária e despreocupadamente num casebre junto à ribeira, enquanto todos os outros continuaram a sua vida, arranjaram trabalho, constituíram família e permaneceram impunes ao castigo do espancamento. 

O quotidiano de Laureano, acompanhado pela sua matilha de cães de rua, é percorrer a vila a pé, na esperança de que um local lhe arranje mais “um cigarrinho”. Samuel (Nuno Lopes), é o gerente do matadouro local e pai de Pedro, adolescente inconsequente que, a par com o seu grupo de amigos arruaceiros, parecem tornar-se os novos receptáculos da violência outrora folegada, que vai e vem, conforme o rumo do vento. Paulo (João Pedro Vaz), é agora GNR e a sua esposa Judite (Isabel Abreu), a única aliada de Laureano.

O enredo leva o seu tempo até ao trágico incidente desencadeador e a partir daí instala-se um autêntico ensaio sobre o luto e a violência, mote central da narrativa.

Filmado em Meimão, uma aldeia do interior transmontano no concelho de Penamacor, “Restos do Vento” é um conto de advertência ao rancor, à tradição, à masculinidade tóxica e à retaliação. Uma película dramática que mostra a culpa sem rosto e a inocência sem medos, um ensaio sobre a violência e ilusão de poder. Um filme sobre consequências, sobre “o errado e o certo”, o passado e o presente, a injustiça e a impunidade. 

“Restos do Vento” aborda interrogações que têm vindo a inquietar as grandes mentes da filosofia e da ética: “o que justifica a violência e a agressividade?”, “são a violência e a maldade indissociáveis?”, “que relação mantém a violência com a ilusão de poder?”, “o que leva à banalização do mal?”. Questiona, ainda, as hierarquias, a impulsividade, o falso sentido de poder e domínio, levando à conclusão, à semelhança de Hannah Arendt, que existem inúmeros motivos para justificar a violência, mas nenhum para legitimá-la.  No decorrer do filme são, ainda, explorados diferentes graus e tipos de abuso e agressividade, que tal como brisas ou vendavais, circulam num espírito tempestuoso que se perpétua de geração em geração, camuflado pela banalização da violência e da misoginia e encoberto por um sentimento de impunidade geral, cíclico, como os movimentos das eólicas. 

“Este filme nasce da vontade de reflectir sobre a violência exercida pelos mais fortes sobre os mais fracos, essa ilusão de poder que nos inunda em todos os aspectos da sociedade. Reflectir sobre a perda da inocência, onde ocorre e por que razões.”, declara o realizador no site do filme. 

Tiago Guedes explica que o” pano de fundo deste filme é o confronto entre a nobreza fundamental do ser humano e aquilo que chamamos de maldade humana, muitas vezes nascida do medo, daquilo que se estranha, desconhece ou ignora. Um confronto ancestral que a sociedade camufla, esconde e, que não tem a noção ou o conhecimento ou a cultura para o conseguir erradicar. “

O filme, é uma adaptação de uma história verídica levada à categoria de parábola.

Estreado em Cannes na selecção oficial do festival de 2022, secção sessões especiais, uma seleção oficial fora de competição; foi Prémio Calpurnia para Melhor Filme no Ourense Film Festival; Prémio Marcello Petrozziello (prémio Júri da imprensa) no Lucca Film Festival e; participou na 46ª Mostra de São Paulo.

©DR / Rituais pagãos, que fazem pensar nas praxes actuais, no seu intuíto

Ficha Técnica:

Realizador: Tiago Guedes
Argumento: Tiago Rodrigues e Tiago Guedes
Elenco: Albano Jerónimo, Nuno Lopes, Isabel Abreu, João Pedro Vaz, Gonçalo Waddington, Leonor Vasconcelos, Tonan Quito, Benjamim Barroso
Produzido: Paulo Branco
Director de fotografia: Mark Bliss ACK
Montagem: Marcos Castiel BFE
Directora de arte: Isabel Branco
Figurino:s Isabel Carmona
Director de som: Pierre Tucat
Montagem de som e misturas: Pedro Góis
Produtora Delegada: Mariana Marta Branco
Produtora Executiva: Ana Pinhão Moura
Duração: 127 minutos
Género: Drama
Origem: França, Portugal
Idade: M/14

Preço: 3,00€ | Desconto de 50% para jovens e seniores

Bilheteira Online

Contacto da Bilheteira do AFLG
Tel.: 212 724 922 | auditorio@cm-almada.pt
Quarta a Sexta, das 14h30 às 18h00
Sábado das 15h00 às 18h00
1 hora antes do espetáculo

Sofia Quintas

Directora e jornalista do Almada Online

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