Almada | Situações Shakespearianas

A exposição de desenhos de João Abel Manta, pode ser visitada na Galeria de Exposições do Teatro Joaquim Benite, de 6 de Janeiro a 27 de Março

João Abel Manta é um homem de vasta e rara cultura que nesta exposição se encontra com William Shakespeare, poeta e drmaturgo inglês que continua a ser representado nos palcos de todo o mundo, para interpretar situações dramáticas das suas peças teatrais. Desse encontro, fica o registo de doze desenhos que são uma narrativa dramatúrgica e, traçam um percurso pelo universo shakespereano.

Isolados, propositadamente, da obra gráfica do artista, estes doze desenhos a tinta-da-china marcam encontro com os visitantes da Galeria de Exposições do Teatro Joaquim Benite. Trata-se de uma série na qual João Abel Manta desenhou cenas de oito tragédias de William Shakespeare: Romeu e Julieta, Macbeth, Hamlet, Othelo, Rei Lear, Ricardo II, Henrique V e Júlio César.

São doze cenas-chave que abrem o momento em que a convulsão da tragédia se revela, que demonstram que Shakespeare encontra em João Abel Manta um dos seus leitores e relevam o fascínio que o dramaturgo exerce sobre o artista.

Cada desenho transporta em si o facto de, ao identificarmos um momento de uma obra de Shakespeare, descobrirmos a sua genialidade e a de João Abel Manta, leitor do dramaturgo que fez o registo dessas situações dramáticas.

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“Nesses desenhos de grande mestria técnica, os personagens-figurinos, delicadamente desenhados como jóias em miniatura, inscrevem-se em cenários de arquitectura austera e gritam os dramas que estão a eclodir.”, pode ler-se na apresentação da exposição.

“Embora estes desenhos, particularmente queridos do autor, tenham estado expostos em João Abel Manta Drawings, no Institute of Contemporary Arts (Londres, 1976), e nas grandes mostras da sua obra gráfica — Museu Bordalo Pinheiro, 1992; e Máquina de Imagens, Cascais, 2021 — esta é a primeira vez em que estas “utopias cenográficas”, daquele a quem Mário Dionísio chamou “um outro Goya, português e inconfundível”, se oferecem ao olhar na montra de um bastião dos que amam o teatro”., escreve o comissário da mostra e familiar do artista, José Luís Carneiro de Moura, na folha de sala da exposição acolhida pela Companhia de Teatro de Almada (CTA).

O encenador Ricardo Pais, escreveu: ““Claramente localizadas em acto e número, estas cenas cristalizam um momento físico que é por vezes ilustrativo, realista(?), outras vezes imobilizado em pose simbólica. Não há legenda ou extractos de diálogo. O autor promove fantasiosa relação com o seu “público”. Refaz em cada desenho o conceito de tempo e portanto de acção. Idealizamos uma totalidade a partir do que nos é dado ver em cada uma das cenas. E o que nos é dado ver está organizado de forma oculta, intrigante. Estes desenhos propõem o seu próprio espectáculo. O Desenhador é o Encenador. Cada desenho, todos os desenhos, é de um inigualável rigor em que não há lugar para qualquer intrusão lateral, desviante da espessura grave, profunda, do que é dado ver. E, no entanto, há neles uma contida desmesura que, enquanto remete para o Shakespeare original, demonstra com uma intensidade e uma emoção matemática que nenhuma das suas obras teatrais é ou será algum dia arcaica. As suas releituras ao longo dos tempos, em particular as nossas contemporâneas, sublinham essa modernidade, a sua ubíqua actualidade que se torna óbvia, quando a mão culta e inteligente de João Abel Manta transpõe nesses doze belíssimos desenhos a tinta da china.”

João Abel Manta (Lisboa, 1928) é filho único dos pintores Abel Manta (1888-1982) e Clementina Carneiro de Moura (1898-1992). Licenciou-se em Arquitectura pela Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, em 1951, actividade que foi progressivamente abandonando ao longo da década de 60. Desenvolveu, entretanto, intensa actividade na arquitetura, mas também como pintor, cenografista e artista gráfico (cartaz, filatelia, ilustração e “design” de livros, jornais e revistas). Na área da sua formação académica foi o responsável, com Alberto Pessoa e Hernâni Gandra, pelo projecto dos blocos habitacionais da Avenida Infante Santo, referente de qualidade na arquitectura da cidade, com o qual ganhou o Prémio Municipal de Arquitectura (1957). Recebeu ainda o Prémio Nacional da Sociedade Nacional de Belas Artes (1949), o Prémio da Fundação Calouste Gulbenkian (1961) e a Medalha de Prata na Exposição Internacional de Artes Gráficas, em Leipsig (1965). A sua pintura, numa primeira fase neofigurativa e eivada de ironia surrealista, tomou depois uma feição de carácter abstracto. Foi o autor das tapeçarias do Salão Nobre da sede da Fundação Calouste Gulbenkian. No cartoon, utilizando-o como forma privilegiada de retrato da sociedade, evidenciou-se de forma ímpar, sendo os anos de 1974 e 1975, dos mais fecundos da sua produção, publicando o álbum Caricaturas Portuguesas dos Anos de Salazar (1978), síntese de vincada e sofisticada ironia onde o lápis do artista traça um quadro negro, mas preciso, daquele período da nossa história. É considerado, por muitos críticos, o melhor “cartoonista” português da segunda metade do século XX, na senda de Rafael Bordalo Pinheiro (1846-1905), Stuart Carvalhais (1887-1961) e Leal da Câmara (1876-1948), tendo publicado três livros em Portugal e um na Alemanha. Obteve vários prémios nacionais e estrangeiros, como em 1961, o Prémio de Desenho na II Exposição de Artes Plásticas da Fundação Calouste Gulbenkian; 1965, Medalha de Prata na Exposição de Artes Gráficas de Leipzig; e 1975, Prémio de Ilustração na Exposição de Artes Gráficas de Leipzig, entre outros. No contexto da arte pública interveio nos pavimentos de mosaico para arruamentos na Praça dos Restauradores, em Lisboa, e na Figueira da Foz. No campo da azulejaria concebeu em Lisboa os painéis do restaurante do Hotel da Avenida Infante Santo (1952), da Escola Primária do Alto dos Moinhos (1955) e do revestimento do monumental mural da Avenida Calouste Gulbenkian, aplicado em 1982 (concebido em 1970). Foi ainda autor da série de painéis cerâmicos para o Teatro Gil Vicente, em Coimbra (1955), dos azulejos para os edifícios da Associação Académica de Coimbra (1959), bem como de uma composição geométrica para a Caixa Geral de Depósitos, em Mafra (1972). Para além de ter participado em várias exposições colectivas, de Lisboa a Tóquio, expôs individualmente em 1971 (Pintura, Galeria Interior), 1975 (Pintura e Desenho, Escola Superior de Belas Artes de Lisboa), 1976 (Desenho, Institut of Contemporany Arts, Londres) e 1992 (Obra Gráfica, Museu Rafael Bordalo Pinheiro, Lisboa).

De Quinta a Sábado das 19h às 21h30
Domingos das 13h às 19h
Entrada Livre

Sofia Quintas

Directora e jornalista do Almada Online

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