Almada: uma cidade, duas realidades

Existe, por um lado, uma Almada que é conspicuamente vendida a turistas e investidores estrangeiros (...) Por outro lado, existe uma Almada que – para salvação dos propagandistas da Almada cool – não aparece em revistas ou cartões-postais:

Discutir o estado do nosso município não pode ser um exercício meramente retórico acerca do presente; deve ser, sim, uma oportunidade para refletir sobre a Almada que queremos, para nós e para as gerações vindouras.

Há algumas semanas, tive a oportunidade de partilhar no seio da Assembleia Municipal, precisamente aquando do Debate sobre o Estado do Município, a minha tristeza ao constatar a existência de não uma, mas duas Almadas.

Existe, por um lado, uma Almada que é conspicuamente vendida a turistas e investidores estrangeiros: a cidade da moda, repleta de oportunidades, incentivadora da inovação e do empreendedorismo, estrategicamente situada ao lado de Lisboa (!) estando separada por uma brevíssima travessia pela magnífica ponte sobre o Tejo, e contando com o que de melhor Portugal tem para oferecer, desde a sua costa atlântica de praias azul-turquesa até aos inacreditáveis Vistos Gold.

Por outro lado, existe uma Almada que – para salvação dos propagandistas da Almada cool – não aparece em revistas ou cartões-postais: a cidade-dormitório, do trânsito caótico, do metro que nunca mais chega, dos barcos sem bateria, das escolas-galinheiro, dos centros de saúde sobrelotados, da moradia incomportável, do associativismo em paliativos, da higiene urbana que pouco continua a existir. 

Poder-se-á dizer, naturalmente, que a descrição desta segunda Almada é demasiado taciturna. Afinal, Almada não tem só coisas más. Estamos de acordo. Mas para quem percorre as ruas do nosso município e, não estando confinado aos gabinetes da Câmara Municipal, dialoga com os habitantes de Almada, percebe facilmente qual das duas Almadas é, apesar de tudo, real.

E é este o busílis da questão. A fabricação ilusória da realidade almadense tem-se dado desde que o Partido Socialista decidiu promover a elitização de Almada (e, já agora, do país). A apresentação de megaprojetos imobiliários como o Lisbon South Bay e o Innovation District (em português soariam mal, claro está) são prova disso mesmo, assim como o desvario da política do asfalto e do betão. Tudo isto é obra de um executivo camarário que idealiza transformar a nossa cidade num lugar para inglês ver (literalmente), em prejuízo do bem-estar dos almadenses, do tecido associativo, da história, do meio ambiente, e da identidade única da nossa cidade. 

Contrariemos este estado de coisas. Lutemos por uma cidade que seja uma referência de justiça social, de uma educação de excelência, de um desenvolvimento sustentável, de uma saúde pública de qualidade, de um transporte público eficiente, de uma habitação condigna a preços acessíveis, e de um associativismo vibrante e inclusivo. 

Façamos de Almada a cidade que ela merece e pode ser.

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Karim Quintino

Deputado municipal em Almada pelo Bloco de Esquerda