Caparica | O futuro incerto da Banática

O que se passa na Banática foi debatido na reunião municipal de dia 6 de Março. Os moradores não sabem o que lhes reserva o futuro

Foi no dia 13 de Dezembro de 2022, aquando das intempéries que assolaram o concelho de Almada, que a derrocada de uma pedra de grandes dimensões proveniente da arriba sobranceira, veio alterar o sossego doa pequena vila da Banática. Não houve feridos, apenas uma viatura danificada, mas nesse dia a vida de cerca 100 moradores foi alterada. A Banática foi nessa altura declarada zona em risco pela proteção civil de Almada.

No dia 26 de Fevereiro, foram afixados editais da Câmara Municipal de Almada (CMA) em cerca de 50 portas de habitações na Banática. Anteriormente já os serviços da CMA se tinham deslocado ao local para um mapeamento, tendo sido feitas propostas de realojamento pelo município a alguns agregados que moram mais próximos da arriba. Os moradores não aceitaram ir morar para o Sun Center da Costa da Caparica ou hostéis na margem Norte do Tejo e, alguns deles questionaram a autarquia sobre as intenções futuras para aquela localidade, na reunião de Dezembro da Assembleia Municipal, onde também comunicaram os motivos pessoais pelos quais não aceitavam as alternativas habitacionais colocadas à sua disposição. Não lhes foram dados muito mais esclarecimentos, a não ser que um estudo sobre o estado da arriba iria ser feito.

Também no dia 26, a concelhia de Almada da CDU enviou uma nota de imprensa às redacções, na qual questionava a autarquia sobre os motivos reais, dos referidos editais. Estes, datados de dia 22 de Fevereiro dirigiam-se aos proprietários daquelas habitações intimando-os a “Proceder, junto do Departamento de Administração Urbanística desta Edilidade, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 102º e 102º-A do D.L. nº 555/99, de 16 Dezembro, na sua atual redação, à legalização da operação urbanística – obras de construção, de alteração ou ampliação – se for possível assegurar a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares em vigor. Na impossibilidade da sua legalização, proceder à reposição da legalidade nas condições em que se encontrava, antes do início das obras ou trabalhos.” Os artigos mencionados dizem respeito às Medidas de Tutela da Legalidade Urbanística, à Reposição da Legalidade Urbanística e à Legalização, respectivamente.

Para muitas habitações “as condições em que se encontrava antes das obras ou trabalhos” significa demolição. Muitas destas habitações foram construídas antes da década de 50 do século XX, antes do Decreto-Lei nº 38:382 de 7 de Agosto de 1951, que Aprova o Regulamento Geral das Edificações Urbanas. A maioria dos moradores da Banática nasceu ali, as casas foram passando de geração em geração. Antes do Decreto-Lei de 1951 só havia legislação habitacional datada de 1903, considerada legislação régia e sem nenhum exemplar que se possa consultar online. A falta de política de habitação em Portugal já vem desde esse tempo. Entre 1951 e a data actual os proprietários foram pagando multas quando havia uma fiscalização, sendo que a vila da Banática é provavelmente mais idosa que qualquer sistema de fiscalização camarária, ou até mesmo que qualquer Câmara Municipal. Alguns historiadores (ver página 101 da ligação) apontam habitações no local onde hoje se encontra a Banática já no século XVIII e XIX. Provavelmente existem documentos no arquivo da CMA que a tornam uma pequena vila histórica, onde as demolições são proibidas actualmente.

Na nota de imprensa, a CDU declarava que “desconhece, porque o edital não o refere, as razões concretas que determinaram esta súbita necessidade da Câmara Municipal em desencadear este processo de “legalização” de um conjunto de edificado há largas décadas naquele local, utilizado como morada de família e habitação própria e permanente de várias famílias almadenses.” Esta força política declarava ainda na mesma nota de imprensa que “Face a esta realidade, a CDU exige à Câmara Municipal de Almada que, acima das notificações formais que fez chegar aos residentes e proprietários daquele edificado, assuma a preocupação e responsabilidade de assegurar o respeito integral pelos inalienáveis direitos de todas as famílias abrangidas pela decisão agora tomada, salvaguardando designadamente o direito constitucional a uma habitação digna e adequada às necessidades de cada agregado familiar, e bem como garanta plenamente, em qualquer circunstância que venha a ocorrer, a absoluta segurança das pessoas e bens diretamente afetados.”

Na reunião da Câmara Municipal de Almada de dia 6 de Março, o vereador Tiago Galveia, eleito pela CDU, voltou a questionar a autarquia “Quais as razões para a súbita necessidade de legalização em apenas 30 dias feita a moradores que habitam na Banática há décadas? “

Joana Mortágua, que trazia na agenda o mesmo assunto, também quis saber “se esta é uma questão de regularização de um núcleo habitacional ou está relacionado com o estado da arriba e a avaliação de risco do deslocamento que aconteceu em Dezembro?”

Francisca Parreira, vereadora responsável pelo pelouro dos Assuntos Jurídicos e Fiscalização Municipal, esclareceu que “Foram notificados os proprietários apenas, os moradores não foram notificados.” acrescentando que “os moradores foram notificados aquando das intempéries no âmbito do processo de risco, dando nota do risco que se verificava naquela zona. Há moradores que são proprietários, isso é uma outra questão.” A vereadora explicou ainda que “foram notificados os proprietários para a reposição da legalidade à semelhança de todos os que temos notificado em situações de incumprimento verificado. No local existe há muitos anos, há demasiados anos, edificado ilegal. Manter o ilegal constitui não só uma violação do principio da legalidade, que se pretende ver corrigida, como também um premiar dos que não cumpriram as suas obrigações face aqueles que cumpriram. A isto chama-se Estado de Direito Democrático.”, ou seja, limitava-se a fazer cumprir a lei.

Inês de Medeiros, presidente da CMA, acrescentou que “Respondendo à sra. vereadora Joana Mortágua estes editais, o primeiro e o segundo são as duas coisas, devem-se à situação da arriba, devem-se à necessidade de regularização. “, pormenorizando que “criámos imediatamente, logo a seguir às intempéries, um grupo de trabalho que juntou uma série de serviços importantes a começar pela proteção civil, mas também o ambiente, a fiscalização, as obras, o jurídico, para fazermos um caderno de encargos, para por fim lançarmos o tal estudo  articulado de todas as zonas da arriba que foram identificadas como potencialmente mais perigosas”.

Este estudo havia sido previamente comunicado aos moradores, que se deslocaram à reunião de Assembleia Municipal perguntando pelos seus resultados. Para quem vive na Banática, três meses de incerteza quanto ao futuro é muito tempo. Os segundos editais apenas vieram potenciar a ansiedade.

Relativamente às edificações da Banática existe “uma parte na zona dos prédios, que foram habitações que foram licenciadas nos anos 50, estão licenciadas. Houve um deslizamento de terras em frente, houve pessoas que tiveram de ser retiradas”. que entretanto voltaram aos seus apartamentos, continuou Inês de Medeiros, “as outras habitações, que eu saiba, não têm qualquer licenciamento, o que torna ainda mais complexo este processo (…) pois significa que os proprietários de quem muitos daqueles moradores são inquilinos, não só construíram ilegalmente, como alugaram ilegalmente. Por isso, desde o inicio, as pessoas que foram retiradas estão a ser vistas junto dos serviços da habitação, para ou recorrermos ao Porta de Entrada, que é um processo que já está em curso e, outras já se candidataram ao Habit’Almada.”

“Enquanto nós não tivermos uma ordem expressa e fundamentada para retirada definitiva, estamos a dar alternativas para poderem sair das casas.”, acrescentou “o que está aqui em causa é aquilo que a CDU pelos vistos, quer que a câmara garanta “total segurança de pessoas e bens”. É isso exactamente que está a ser feito. E já agora começar a por um termo a toda esta construção ilegal, sem licenciamento, que não beneficia ninguém, mas que eu sei a quem é que mais prejudica: os mais frágeis, sempre.”, concluiu.

A vereadora Francisca Parreira, perante a insistência de Tiago Galveia da CDU para que a Câmara se compormetesse com os moradores acrescentou que “Ninguém vai despejar ninguém. Ninguém poderá despejar ninguém naquele local. Quanto muito se houver uma situação de catástrofe ou de risco as pessoas terão de ser evacuadas.”

No entanto, não foi avançado qual o destino das propriedades que não forem legalizadas dentro do prazo dado de 30 dias, sobretudo às que a CMA decidir determinar “a posse administrativa do imóvel de forma a permitir a execução coerciva de tais medidas”, como diz o edital.

O processo do 2º Torrão, onde ainda se encontram pessoas a morar sobre a vala porque, ou se recusam a aceitar as soluções avançadas pela CMA, ou não foram sequer consideradas no processo de realojamento vulgo Porta de Entrada, ainda está muito recente na memória de todos, inclusivamente na dos moradores da Banática.

©Mapio / A vista para o rio e Lisboa a partir do bairro da Banática

Várias arribas em risco no concelho de Almada

Inês de Medeiros informou também, que as intempéries de Dezembro do ano passado deixaram em risco várias zonas de arriba no concelho, sendo que 12 estão em maior risco e terão intervenção prioritária. Enumerou-as: “a vertente de Olho de Boi, Olho de Boi poente, Quinta da Arealva, Banática Poente, Porto Brandão Nascente, Porto Brandão Poente, Abas da Raposeira, Encosta do Pica Galo, Arriba Fóssil da Costa da Caparica, Arriba Fóssil Via Panorâmica, Entrada da Foz do Rego e, o Bairro do Foni.”, acrescentando ainda que “Há outras zonas, estas foram onde depois das intempéries se concluiu que o risco era maior.”

As arribas de Olho de Boi, foram apontadas pela autarca, como sendo as que têm maior perigosidade, mais ainda que arriba da Banática. Como em Olho de Boi já existiam estudos prévios, a autarquia vai passar directamente “à contratação de um projecto de execução de sustentação daquela zona da arriba.”, com nível de urgência, acrescentou Inês de Medeiros.

“A situação das arribas torna-se ainda mais complexa pois nem todas são municipais por excelência, existem arribas da responsabilidade da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), outras são titularidade da própria CCDR (Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo), outras do Porto de Lisboa.”, frisou a autarca.

Para as outras zonas de arribas em risco, onde está incluída a Banática, apesar de também ser considerada prioritária, foi lançado um procedimento com nível de urgência: um concurso público para aquisição de serviços de elaboração de um estudo geomecânico de estabilidade de vertentes e arribas do concelho de Almada. A esse concurso público responderam com data de 29 de Fevereiro cinco empresas, que se encontram neste momento em fase de avaliação das candidaturas.

©DR / Fotografia da derrocada de 13 de Dezembro de 2022

Consoante os resultados do estudo que ainda não foi adjudicado e, em coordenação com as entidades privadas e públicas que detenham a responsabilidade para cada caso, se saberá quais as intervenções a fazer e onde. Para já prevê-se um compasso de espera, ditado pelo tempo dos concursos públicos, que deixa de novo os moradores da Banática na incerteza.

Segundo o jornal Expresso, na Banática “para se tentarem defender, os moradores arranjaram uma advogada.”

Até decorrerem os trabalhos necessários para a consolidação da arriba da Banática, efectivamente e no terreno, há que confiar no muro construído há anos pelos moradores (que sempre se queixaram sem nunca terem conseguido que a autarquia colocasse uma rede de protecção na arriba) e, na mãe Natureza.   

Sofia Quintas

Directora e jornalista do Almada Online

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