Após reunião, médicos continuam demissionários no HGO

Médicos do Serviço de Urgência Geral querem ver medidas discutidas na reunião de hoje implementadas

Realizou-se hoje, Terça-Feira, uma reunião entre o Conselho de Administração do Hospital Garcia de Orta (HGO) e os chefes de equipa do Serviço de Urgência Geral (SUG), no seguimento destes profissionais terem apresentado a demissão por discordância com a escala de Dezembro.

A administração do HGO assegurou, depois da reunião, que estão a ser tomadas medidas que possam garantir a operacionalidade da respectiva escala e, consequente reforço da equipa da Urgência Geral face à alta afluência.

Os chefes de equipa do Serviço de Urgência Geral do hospital de Almada mantêm a demissão até que as medidas relativas à necessidade de reforço de meios sejam implementadas, segundo o Sindicato Independente dos Médicos (SIM).

Na reunião de trabalho, adianta a administração do HGO, os chefes de equipa do SUG apresentaram “um conjunto de medidas, com vista à melhoria de funcionamento, que foram acolhidas”. Para acompanhamento da implementação das medidas propostas já está agendada uma nova reunião, dentro de uma semana.

PUB

Por outro lado, adianta o HGO em comunicado, foi feita uma articulação com o Agrupamento dos Centros de Saúde (ACES) Almada-Seixal para um alargamento do horário de funcionamento para atendimento da doença aguda aos Sábados, Domingos e feriados, das 10h às 17h, e para disponibilização de 50 consultas por dia para doentes triados com as cores verde e azul (menos graves e não considerados urgentes).

O hospital refere ainda que “está a ser revista a gestão de camas, por forma a permitir que os doentes internados pelo SUG possam ser transferidos mais rapidamente para as enfermarias dos vários Serviços de especialidade” e, está também a ser feita uma articulação com as unidades de saúde da comunidade, para o planeamento de altas hospitalares.

Outra das medidas apontadas pelo hospital prende-se com a construção de um Serviço de Observação (SO) de Psiquiatria para que os doentes com patologia do foro da saúde mental não tenham de permanecer no SUG, garantindo que já foi aberto um concurso para a obra, que prevê estar concluída até final do ano.

Foi ainda reforçado o número de camas contratualizadas a entidades externas para acolher doentes que constituem “casos sociais” e que aguardam vagas em lares.

Em declarações à agência Lusa o presidente do Sindicato Independente dos Médicos (SIM), Jorge Roque da Cunha, referiu que apesar de a reunião “ter decorrido de forma adequada”, os chefes de equipa vão manter a demissão, ponderando rever a posição nas próximas semanas conforme a eficácia das medidas implementadas.

PUB

Segundo o presidente do SIM, os médicos que apresentaram a demissão reafirmaram uma posição tomada há seis meses, alertando para “a incapacidade, impossibilidade e irresponsabilidade de manter uma urgência aberta com uma escala que não é completa”.

Ainda segundo Jorge Roque da Cunha, é fundamental que o problema seja encarado e que o Ministério da Saúde perceba que esta situação urgente e emergente precisa de medidas a nível nacional.

“Enquanto não houver condições de contratar médicos para o Serviço Nacional de Saúde (SNS) esta situação vai continuar a ser agravada”, disse, insistindo que este é um problema nacional e que mais de 60% das escalas de urgência no país são realizadas por prestadores de serviço.

Roque da Cunha explicou que há vários anos que o sindicato tem alertado para a falta de profissionais agravada agora por um número elevado de reformas.

“Sabemos há 20 anos que este ano se vão reformar 1.200 médicos e para o ano cerca de 1.400 por limite de idade. No ano passado pediram a rescisão, e isto é novo, do SNS, cerca de mil médicos e este número será ultrapassado este ano e, também sabemos que nos últimos três anos os concursos abertos para o SNS mais de metade estão por ocupar”, disse.

Face a estes dados, o dirigente sindical considerou que o Governo, no exercício há sete anos, não pode argumentar que o problema se resolve “com varinha mágica ou que não conhece o problema” ou que se resolve transferindo os doentes para os cuidados de saúde primários, quando um milhão e 400 mil portugueses não têm médico de família.

SUG do HGO com mais afluência nas últimas semanas, mas mais de metade não são urgentes

As urgências do Hospital Garcia de Orta, têm registado maior afluência nas últimas semanas, mas mais de metade são situações não urgentes, segundo a unidade hospitalar que serve cerca de 350 mil utentes.

O hospital, assegura que, apesar do acréscimo de procura e sobrelotação o SUG, “tem conseguido dar resposta a todos os utentes da sua área de influência, cumprindo os tempos de espera preconizados na triagem de Manchester para os doentes emergentes e urgentes”.

“Nas últimas semanas, o SUG do HGO tem registado uma maior afluência por parte de utentes, dos quais cerca de 56% representam situações não urgentes (pulseiras verdes e azuis)”, refere o hospital em comunicado.

Na nota, o hospital apela a uma utilização racional dos serviços de urgência, aconselhando a população de Almada e Seixal que, em caso de doença aguda, contacte primeiro a linha SNS 24, aconselhe-se com o médico assistente ou contacte o Centro de Saúde, para uma assistência de maior proximidade.

“Dessa forma, evitam-se tempos de espera maiores”, salienta o hospital, alertando que a afluência à urgência de utentes com doença aguda sem caráter urgente “prejudica o atendimento das situações verdadeiramente urgentes e emergentes, prolonga os tempos de atendimento e expõe desnecessariamente todos os presentes na sala de espera a outros vírus respiratórios, podendo estes contrair outras infecções”.

A utilização racional dos serviços de urgência, defende o HGO, é fundamental para facilitar o acesso de utentes que se encontrem em situação grave, emergente e urgente, para as quais os profissionais diferenciados dos serviços de urgência do HGO estão preparados.

FNAM e SIM reuniram ontem com o Ministério da Saúde

O Ministério da Saúde voltou a reunir-se, esta Segunda-Feira 28 de Novembro, com a Federação Nacional dos Médicos (FNAM) e o Sindicato Independente dos Médicos (SIM). No entanto, os sindicatos não ficaram totalmente satisfeitos com o desfecho deste encontro, que teve lugar no dia em que o ministro da Saúde admitiu que o problema das urgências em Portugal é “crónico”. 

A dirigente da FNAM espera que tudo melhore com a abertura de centros de saúde em horários complementares, numa altura em que a afluência aos hospitais e; o consequente caos, como Santa Maria em Lisboa, e Garcia de Orta em Almada; é cada vez maior devido a vírus respiratórios. “Esta foi a segunda ronda de negociações depois daquela que aconteceu a 9 de Novembro. A FNAM, em conjunto com o SIM, tem vários assuntos em cima da mesa. É uma negociação que existe há muito tempo e existem coisas que gostaríamos de ver resolvidas”, afirmou Joana Bordalo e Sá, vice-presidente da FNAM.

“As grelhas salariais, a organização do trabalho de modo a que os médicos possam ter uma vida mais equilibrada dos pontos de vista profissional-pessoal (há médicos que fazem 700 e 800 horas a mais do que um trabalhador dito “normal” da saúde)”, indica.

No passado mês de Julho, nos primeiros seis meses do ano e, segundo dados publicados no Portal da Transparência do SNS, foram feitas quase 10 milhões de horas extra no SNS. Em 2019, tinham sido quase 7 milhões no período homólogo, constatando-se assim um recurso a horas extra 42% superior àquele que foi verificado no pico da pandemia de Covid-19.

Nessa altura, havia “casos em que o recurso a horas extra praticamente duplicara face ao primeiro semestre de 2019”. Era o caso da Unidade Local de Saúde do Litoral Alentejano (+99% horas extra nos primeiros seis meses de 2022 face ao primeiro semestre de 2019) ou o Centro Hospitalar do Oeste (+84). 

Por outro lado, havia hospitais onde se contabilizava um aumento superior a 50% no recurso a horas extras face ao primeiro semestre de 2019. Por fim, somente dois hospitais terminavam junho com uma ligeira diminuição no recurso a trabalho extraordinário: o Centro Hospitalar Universitário de São João e o Hospital Magalhães Lemos.

“Devíamos ver valorizado o nosso trabalho no serviço de urgência, que é extremamente diferenciado – as pessoas ficam mesmo exaustas -, queremos ver progressão na carreira, devia haver um SNS que fosse majorado e, tudo isto são medidas que melhorariam a condição de trabalho dos médicos de modo a que não fugissem a sete pés para o privado ou para o estrangeiro”, continua a dirigente.

“Não se pode dizer que há falta de médicos em Portugal: há é falta de médicos no SNS porque os sucessivos Governos nunca reuniram condições para os médicos ficarem. A questão das grelhas salariais, de todos os assuntos, é o mais premente e, por aí, ficámos desiludidos porque ainda não conseguimos, concretamente, começar a discutir este assunto”, realça Joana Bordalo e Sá. “Estamos à espera de que o Executivo nos envie a sua proposta”. 

Para além da FNAM, também Jorge Roque da Cunha, líder do SIM, partilhou as suas preocupações nesta reunião. A título de exemplo, a falta de médicos de família e o aumento de rescisões de médicos no SNS, que em 2021 foram aproximadamente 1 000, ou as 150 vagas sobrantes após o processo de escolha de especialidades médicas.

“Os médicos têm de ficar no SNS” 

“Já avançámos qualquer coisa em termos das normas de organização e disciplina no trabalho. Ou seja, o modo de organizar a consulta, os actos médicos, o trabalho presencial, o teletrabalho… Tudo deve estar bem definido na legislação”, indica Joana Bordalo e Sá.

“A perspectiva, apesar de tudo, continua a ser positiva porque estamos numa mesa negocial. Estamos desiludidos, sim, mas ficou já marcada uma reunião para 15 de Dezembro e esperamos que haja mais propostas da parte governamental. Dizem-nos que estão a trabalhar nas propostas, mas nós queremos vê-las: isso vai ao encontro daquilo que temos dito e feito”, desabafa, asseverando que “os médicos têm de ficar no SNS e atender bem os doentes”. 

“Estão exaustos, desmotivados e sem perspectivas de futuro. E se estes problemas não forem resolvidos, o SNS, que deve servir a população e é tendencialmente gratuito, ficará cada vez mais em risco”, diz a também mestre em Medicina e Oncologia Molecular pela FMUP e docente externa do ICBAS-UP. “Para isso, é preciso dinheiro e o OE2023 não é muito animador. Só há aumento de 2,9% para recursos humanos… Tem de haver um investimento sério e real. Todos os profissionais de saúde devem ser valorizados”.

“Temos reuniões mais ou menos de três em três semanas e o próprio ministro está connosco: o que já é um óptimo sinal, porque a equipa ministerial anterior não fazia tal coisa”, frisa Joana Bordalo e Sá, estabelecendo um antagonismo entre as equipas do ministro Manuel Pizarro e da ministra Marta Temido.

Sofia Quintas

Directora e jornalista do Almada Online

, , , , , , , , , , , , , , ,