Pela decência
Os insultos começavam cedo. “Bin Laden”, “Osama”, “homem-bomba”, “terrorista”; eram algumas das adjetivações que me eram dirigidas, dia após dia, pelos meus colegas de escola.
Todos nos lembramos de onde estávamos no 11 de setembro de 2001. No meu caso, tinha apenas onze anos e aproveitava os últimos dias das férias escolares em Portimão, onde passei boa parte da infância e adolescência.
Naquela manhã, fui-me apercebendo que vários canais televisivos transmitiam as mesmas imagens: Nova Iorque, dois arranha-céus, um deles envolto em labaredas e fumo negro. O desconcerto ao ver aquele cenário hollywoodesco tornou-se profundamente real quando vimos um segundo avião embater na Torre Sul. À medida que iam surgindo as primeiras notícias sobre os responsáveis do ataque, fui-me apercebendo do pavor que ia emanando da cara dos meus familiares – nascidos em África, com origens indianas, e muçulmanos.
Os insultos começavam cedo. “Bin Laden”, “Osama”, “homem-bomba”, “terrorista”; eram algumas das adjetivações que me eram dirigidas, dia após dia, pelos meus colegas de escola. O recreio, para muitos o momento mais prazeroso da experiência educativa – e eu não era exceção –, passou a ser um verdadeiro tormento. A solução era refugiar-me onde podia: nos brinquedos, nos jogos de computador, nos livros, na música. Não foram tempos fáceis.
Mas se às crianças tudo ou quase tudo se perdoa (porque afinal, são crianças), com mais dificuldade se desculpa a quem, sendo hoje adulto e no pleno exercício dos seus direitos e deveres, continua a comportar-se como os primeiros.
Portugal sempre foi uma terra de gentes diversas. No século XII, aquando do período da sua fundação, já por aqui haviam passado povos tão culturalmente distintos como os romanos, visigodos, mouros, fenícios, cartagineses e normandos. Todos estes, de forma direta ou indireta, contribuíram para a fundação do Reino de Portugal, mas também para moldar a identidade das suas gentes. Séculos mais tarde, a política expansionista levada a cabo por D. João II e D. Manuel I levou a que a miscigenação com povos africanos, indígenas e asiáticos passasse a ser mais uma característica identitária da portugalidade. Por isso mesmo, Portugal sempre foi também um lugar de emigrantes e imigrantes.
Negar ou contrapor esta realidade é fechar os olhos às realidades históricas e sociais do nosso país. É desumanizar quem foge da guerra e da miséria, e tenta começar de novo num lugar que desconhece. É desconsiderar os milhões de portugueses que se viram forçados a tentar a sua sorte noutro país, para depois serem eles próprios alvos da fúria de quem lá fora convive mal com a diferença.
No ano em que celebramos a Revolução dos Cravos, urge dar voz a quem se levanta contra a crueldade e a mentira. Urge dar voz a quem defende um mundo que não deixa ninguém para trás. Urge dar voz a quem luta por um país mais justo, mais fraterno e mais humanista.
No dia 10 de março, votemos pela decência.
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