Terras da Costa: O mamarracho da Senhora Dona Inês
É-me impossível conceber que visão futurista para Almada é esta – uma visão em que o caminho para o progresso passa por, numa magnanimidade senhorial, expropriar terras de trabalho e suor e, no seu lugar, erguer um barracão, uma estrada e um parque de estacionamento. Quem, no seu perfeito juízo, passa por cima de campos férteis e verdes e de plantações que são o orgulho da região?
A Senhora Dona Inês de Medeiros, em estreita colaboração com os seus inefáveis Ajudantes, fez aprovar a construção de um mamarracho nas Terras da Costa. Fê-lo com a arrogância habitual, recusando liminarmente o diálogo e perante os protestos das famílias de Agricultores que ali vivem e trabalham há centenas de anos – pelo menos 200 – e de toda a Oposição. Fê-lo porque tem no bolso a maioria dos votos nos órgãos do Município e porque o diálogo democrático é algo que há muito meteu na gaveta.
É-me impossível conceber que visão futurista para Almada é esta – uma visão em que o caminho para o progresso passa por, numa magnanimidade senhorial, expropriar terras de trabalho e suor e, no seu lugar, erguer um barracão, uma estrada e um parque de estacionamento. Quem, no seu perfeito juízo, passa por cima de campos férteis e verdes e de plantações que são o orgulho da região?
A Senhora Dona Inês de Medeiros, com os seus inefáveis Ajudantes, expressa assim a sua peculiar visão do progresso – urbano sobre qualquer outro –, substituindo o verde pelo cinzento e o diálogo pela imposição. Onde antes se guardavam alfaias e cultivos que nutriam as comunidades, haverá agora mais um mamarracho do município. Onde antes as famílias trabalhavam a terra com dedicação, poderão agora visitar-se instalações camarárias e estacionar-se carros. É natural que os nossos agricultores não queiram assistir impotentes à destruição do seu modo de vida.
O mamarracho, porém, não aparece sozinho. É que a Senhora Dona Inês de Medeiros, numa ideia muito pouco brilhante, decidiu criar nas Terras da Costa um parque turístico onde os agricultores que ali vivem serão exibidos como peças de museu (ou, nas palavras de alguns, como num jardim zoológico), trabalhando a terra enquanto os visitantes observam com admiração a sua árdua labuta.
Neste cenário surreal, o barracão tornar-se-á o epicentro da experiência vanguardista, abrigando um centro “interpretativo” onde os visitantes poderão aprender sobre as práticas agrícolas (e, sim, a Câmara quer pôr agricultores com décadas de experiência a fazer “formações” de agricultura, como se precisassem de aprender a cavar batatas). Enquanto aguardarem na fila da bilheteira para entrarem no “espectáculo” e testemunharem “em primeira mão” a vida dos agricultores, como se estes fossem uma espécie em extinção, os turistas poderão, certamente, desfrutar das modernas comodidades do barracão (eu até aposto que terá climatização!).
Mas que importância têm aqueles agricultores para os autarcas que não os querem ouvir? Os agricultores das Terras da Costa protestam, mas as suas vozes perdem-se nos ecos das máquinas – algumas das quais já derrubaram os abrigos onde guardavam os instrumentos do seu trabalho. Quem ouviu a Senhora Dona Inês de Medeiros naquela Assembleia poderia bem sair dali a pensar que aquele mamarracho será a grande obra do seu mandato – a grande obra-prima da sua carreira artística e municipal. Mas nesta altura em que os campos se transformam em estacionamento, os caminhos se transformam em estradas e os abrigos de horta se transformam em mamarrachos, a Senhora Presidente ergue-se como a grande arquitecta da destruição das nossas comunidades mais antigas.
E enquanto os nossos agricultores se transformam em atrações turísticas, as terras que sempre trabalharam são reduzidas a estúdios de entretenimento e a Senhora Dona Inês de Medeiros sorri satisfeita, convencida de que encontrou a solução perfeita para conciliar o progresso com a tradição. Mas esta é apenas mais uma faceta da desumanização de uma das nossas mais nobres profissões, em que um conjunto de políticos sem cultura pretende reduzir os agricultores das Terras da Costa a meros objectos de entretenimento num espetáculo grotesco de modernidade incompreendida.
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