Trafaria | 2º Torrão começa a ser demolido Sábado
A Câmara Municipal de Almada (CMA) convocou uma reunião com alguns orgãos de comunicação social, para dar resposta a questões sobre o realojamento em curso no bairro do 2º Torrão, que tinham ficado sem resposta até ao momento.
Estiveram presentes jornalistas da agência Lusa, Público, Sem Mais, Almadense, O Setubalense e do Almada Online. Da parte da autarquia estiveram na reunião a presidente Inês de Medeiros; o vereador Filipe Pacheco, responsável pelo pelouro da Habitação; a vereadora Francisca Parreira, responsável pelo pelouro da Proteção Civil; a presidente da união de freguesias Caparica Trafaria, Sandra Chaíço; o coordenador da Protecção Civil de Almada, António Godinho e; o Director Municipal, Mário Ávila.
Aos jornalistas foi entregue um comunicado que para além de informação já noticiada pelo Almada Online anteriormente , fornece novos dados sobre aquele que é o maior realojamento efectuado no bairro do 2º Torrão até ao momento.
Comecemos pelos números oficiais. Neste realojamento de emergência estão englobadas 83 habitações, 60 agregados, 166 pessoas no total, tendo no entanto Mário Ávila salientado que “em acção social e, nestes casos, não existem diagnósticos fechados, é sempre uma avaliação contínua.”
Ficámos assim a saber pelo comunicado que “até ao dia de hoje nove agregados já se encontram realojados em novas casas e, outros 27 agregados têm uma solução habitacional encontrada e aceite pelos próprios. Estes últimos, esperam apenas pela assinatura de contratos, regularização de ligações de água ou operacionalização de mudanças que devem estar concluídas nos próximos dias. Até lá ficarão instalados em unidades hoteleiras em Almada ou Lisboa.”
O mesmo comunicado adianta que “permanecem os esforços para encontrar resposta para 16 famílias, 8 das quais recusaram soluções propostas pela autarquia.” Também estas famílias ficarão instaladas em unidades hoteleiras em Almada ou Lisboa.”
Assim “o processo de realojamento e demolição decorrerá de forma faseada, entre o dia 1 e 6 de Outubro, tendo a área de intervenção sobre a vala sido dividida em cinco áreas, consoante o risco existente para os bens e vidas humanas. As primeiras casas a ser demolidas serão as que estão construídas sobre a área de maior risco, decorrendo toda a operação no sentido Norte Sul”. O coordenador da Protecção Civil António Godinho explicou melhor: “A meteorologia permite-nos fazer as demolições faseadamente e de forma mas prolongada no tempo. Se não fosse o tempo seria de outra forma”

Em causa, estão as vidas de todos os que habitam em cima do túnel da vala, que se encontra em risco de abater a qualquer momento. “Preferimos fazer prevenção e não arriscar. O direito à vida é o primeiro direito da Constituição. Estamos a falar da vida de homens, mulheres, crianças e animais de estimação”, explica a vereadora responsável pela protecção civil Francisca Parreira. Algo também já afirmado antes por Inês de Medeiros.
A CMA assume todos os custos com o alojamento em unidades hoteleiras, assim como as despesas com a alimentação, que sejam necessárias durante este processo de transição e, garante as mudanças e o acondicionamento dos bens de todos os que solicitarem estes serviços. No total este realojamento de emergência temporário está estimado entre 1 a 1,5 milhões de euros.
Inês de Medeiros foi peremptória a garantir durante a reunião que “este realojamento temporário não invalida o realojamento permanente. Ninguém perde direito ou sai da lista existente para alojamento definitivo”, referindo-se aos 95 fogos, que se destinam a fornecer uma solução habitacional definitiva às famílias das habitações que terão de ser demolidas, para que se proceda à recuperação da vala. “Os projectos de arquitectura destes quatro lotes habitacionais já se encontram aprovados, estando em curso a elaboração de projectos de especialidades para lançar o concurso público, que irá iniciar as obras de construção”. Está previsto que estes fogos fiquem prontos a ser habitados em 2025. “Este é um investimento superior a 10 milhões de euros, para o qual se prevê um financiamento no âmbitio do PRR.” É um realojamento temporário que irá durar no mínimo três anos, sendo a hotelaria o alojamento temporário do temporário.

Apesar da CMA estar a desenvolver esforços com várias entidades , incluindo a Segurança Social, para acautelar todas as situações não identificadas inicialmente, o Almada Online tem encontrado no terreno alguns agregados que nos contam que moram na área de risco e, que ainda não foram incluídos no realojamento, não entendendo o porquê desta situação.
É o caso de Caramó Cassamá, originário da Guiné e que vive no Torrão há 25 anos. Com nacionalidade portuguesa e, possuindo toda a documentação necessária que comprova ser habitante do bairro diz-nos que “no momento do levantamento feito pela CMA estava temporariamente a trabalhar na Bélgica, trabalhei lá dois meses. Não é a primeira vez que me ausento para outros países com trabalhos temporários, ninguém nunca pôs em causa que não vivesse no Torrão por isso”. Não estando a sua mulher ou o filho em casa, no momento que o técnico da CMA esteve no local, foi assinalado como emigrante porque alguém do bairro disse que “ele está no estrangeiro a trabalhar.” Caramó fala do seu caso a todos os que por esta altura visitam o Torrão e o queiram ouvir: deputados municipais, técnicos da junta de freguesia, grupos parlamentares da Assembleia da República de vários partidos, jornalistas, etc. Diz-nos incrédulo “Casei aqui no bairro, naquela casa. Como é que isto foi acontecer na minha vida? Sempre que me pedem papéis necessários eu entrego. Não tenciono sair da minha casa se não me encontrarem outra solução. Podem vir retroescavadoras mas eu morro aqui na minha casa. Fiz aqui toda a minha vida no bairro, todos me conhecem.” Caramó tem um português correcto, um vocabulário bastante elaborado, veste fato azul escuro bem vincado a ferro, camisa azul clara e, destaca-se de todos no bairro pela indumentária e kufi vermelho (chapéu africano).
É também o caso de Luis Ferreira que veio para o bairro há 55 anos, quando tinha três. “Na altura nem se podia chamar bairro a isto. Eram umas quantas tendas grandes. Depois do 25 de Abril é que o bairro começou a crescer. Ajudei a construir esta casa, sempre morei nela, primeiro com os meus pais, depois com a minha ex mulher”. No dia em que a CMA fez o levantamento dos agregados em risco, não estava em casa. Nunca mais lhe disseram nada sobre o realojamento, até que lhe meteram na caixa do correio a ordem de despejo. Nem em carta registada foi. Luis passou a estar mais atento ao que se passava. Na história do bairro já tinha havido vários episódios em que disseram que haveria demolições que nunca aconteceram. Pensou ser mais um desses episódios. O que é certo, é que alguém deu por ele e, convocou-o para uma reunião com técnicos da CMA e pessoas na mesma situação em que se encontrava.
Luis teve uma grande decepção com essa reunião. Foi marcada para as 10h da manhã, mas os técnicos apareceram quatro horas depois do combinado. Algumas pessoas interessadas já nem estavam presentes pois tinham pedido a manhã no trabalho, mas não a tarde. Nesta reunião realizada na rua, foi dada a assinar aos presentes uma certidão na qual se falava pela primeira vez na Situação de Alerta do despacho 39/2022 e, na activação do Plano Municipal de Emergência, o Despacho 40/2022. Estes dois despachos só foram noticiados pela CMA no dia seguinte. A certidão tinha duas opções, uma em que se aceitava “o alojamento temporário proporcionado pelo Município de Almada” e, outra em que não se aceitava esse mesmo alojamento. Como diz o ditado “o diabo está sempre à espreita nos detalhes” e na segunda opção a certidão também dizia “FICA CIENTE do conteúdo do que lhe é transmitido, e ASSUME A INTEIRA RESPONSABILIDADE, por si e pelo seu agregado familiar, decorrente de manter a ocupação nesta construção, bem como, por todas as situações que daí possam advir.” Assim mesmo, em maíusculas.
A maior parte dos moradores presentes recusou escolher uma das opções, por falar em leis que desconheciam, porque as expressões Situação de Alerta e Plano de Emergência os assustaram. Nunca ninguém lhes tinha falado nisto. Muitos simplesmente não escolheram nenhuma das opções, por não achar correcto estarem a por-lhes nas mãos a responsabilidade das vidas do seu agregado. As vidas, por uma assinatura e alojamento temporário. Como nos disse um morador que quer permanecer anónimo, “quando mexem com um homem, nós aguentamos. Quando mexem com a sua família e a com a sua casa, um homem não gosta e a conversa passa a ser outra”.
Como tal foi-lhes dado um papel escrito à mão para se dirigirem à segurança social no dia 27 de Setembro e falarem com uma técnica específica. Luis foi e, como ele cerca de 15 agregados. A técnica declarou não saber nada sobre aquele assunto, apenas tinha ajuda alimentar para lhes oferecer ou a caução e a primeira mensalidade num aluguer e, nesse caso teriam de esperar que estivesse alguma casa disponível. Luis e os restantes moradores do bairro voltaram para as suas casas sem solução à vista, outra vez. Faltavam três dias para o prazo da ordem de despejo.
Neste momento, Luis continua à espera de uma solução para o seu caso. Abriu a porta à vizinhança para que levassem os móveis que quisessem.”Se vão partir a casa onde sempre vivi, os móveis que sirvam para alguém. Ainda estão bons.”
Caramó dirigiu-se à Junta de Freguesia para a reunião de 28 de Setembro. Queria inscrever-se e contar a sua história. A presidente da Junta, Sandra Chaíça, chamou-o à parte quando o viu e, aconselhou-o a não o fazer pois o seu caso já estava sinalizado e seria tratado no dia seguinte. Era “um dos casos especiais que tinham sido mal sinalizados”. Cassamá confiou e, voltou para o bairro com a promessa de uma reunião no dia seguinte com a presidente da junta, que ficou marcada para a mesma hora a que Sandra Chaíça estava na reunião com os jornalistas. Na junta, à hora marcada, atendeu-o outra pessoa, que lhe pediu para ir aos serviços camarários da Costa da Caparica entregar documentos que já antes tinha entregue. Cassamá foi, entregou os documentos e encontra-se à espera que lhe comuniquem uma solução para o seu caso.
Não há só histórias de agregados mal sinalizados ou ainda sem solução habitacional à vista no 2º Torrão. Também existem agregados felizes por saírem do bairro e irem ter um tecto que seja realmente uma casa. Onde vivem actualmente chamam carinhosamente “a minha barraca onde chove”. Estão agradecidos e, nada têm a apontar aos técnicos da CMA, que tomaram conta dos seus processos e os ajudaram com todos os documentos em falta, os contratos que muitos não sabiam sequer como se faziam e, que irão ainda ajudar na mudança. “Eu não tenho nada a apontar a quem só me ajudou.” Contaremos as suas histórias noutras notícias, porque nos pediram sigilo até estarem instalados.
A presidente da Junta de freguesia da Caparica e Trafaria, Sandra Chaíça, assegurou na reunião com a imprensa que hoje 30 de Setembro, “estarão serviços da segurança social nas instalações da junta na Trafaria, para atender cerca de 30 agregados e quem mais aparecer.”. É fazer as contas, os números não batem certo.
Hoje, dia 30 de Setembro termina o prazo das ordens de despejo e, segundo informações da CMA, os habitantes do Torrão que ainda não têm uma resposta habitacional, serão informados caso a caso em que zona se encontram no mapa das demolições, em que dia ocorrerá a sua mudança e, para onde irão até lhes encontrarem uma casa digna desse nome.
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