Almada | Nome

Um filme de Sana Na N’hada, com a presença do argumentista Virgílio Almeida, em exibição no Auditório Fernando Lopes-Graça, dia 26 de Fevereiro às 21h

Partilhe:

Estamos em 1969 em plena Guerra Colonial Portuguesa na Guiné-Bissau. Mas antes de mergulharmos no conflito, vemos o dia-a-dia do protagonista, Nome, as suas relações com a mãe e a mulher por quem está apaixonado. Mas Nome não ficará na aldeia por muito mais tempo e entregará o seu corpo e alma à luta armada junto das guerrilhas do PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde). Torna-se um herói atormentado por tudo o que aconteceu.

Em entrevista à RTP África, o realizador afirmou que “É revoltante. Tudo o que está a acontecer na Guiné-Bissau. Tudo, desde o fim da guerra até agora, bom ou mau, é da nossa responsabilidade. A única coisa que nos juntava e a única coisa que nos juntou até hoje foi a Guiné-Bissau. Antes, o desígnio era a edificação da Guiné-Bissau. Hoje, temos a Guiné. A minha questão para este filme é a que faço todos os dias: será que é essa a Guiné-Bissau que estou a sentir, que estou a ver e a ouvir, pela qual lutámos?”

Esta é uma homenagem à História dos guineenses, que, mesmo sendo um povo tão heterogéneo, são “homónimos”, graças ao crioulo, disse o realizador à Lusa.

“Somos diferentes em língua, em etnia, no modo de ver a vida, culturalmente, mas temos uma coisa em comum: somos homónimos”, declarou, explicando que na Guiné-Bissau se falam muitas línguas, “mas o crioulo juntou as pessoas numa luta comum” e tornou-se obrigatório para comunicarem entre si.

“As pessoas fugiram das aldeias, juntavam-se nas matas e sofriam juntas. Aí desenvolveu-se esta língua comum”, disse o primeiro realizador guineense, formado em cinema em Cuba no início da década de 1970, por indicação do “pai” da luta de libertação da Guiné-Bissau e de Cabo Verde, Amílcar Cabral.

O filme é marcado por um misto de celebração e desilusão, levantando questões sobre o impacto da independência no país e nos seus habitantes.

“Justamente no ano em que se comemoram os 50 anos das independências eu quero continuar esse trabalho que me foi incutido pelo Amílcar Cabral. Tenho tanta coisa para contar, não quero que estas memórias fiquem esquecidas. Anotei tanta coisa ao longo dos anos” disse Sana Na N’Hada em entrevista à Lusa.

O percurso de Sana Na N`Hada e a sua ligação a Amílcar Cabral remontam a 1963, quando o realizador tinha apenas 13 anos e foi retirado da sua aldeia para ingressar numa escola na Guiné-Conacri.

“Amílcar criou uma escola [em Conacri] porque ele estava a lutar pela criação de um Estado e tinha de formar quadros”, explicou. Embora o seu destino fosse a escola, Sana acabou por ficar “com os guerrilheiros, na mata, a ensinar as pessoas a ler, porque sabia ler um pouco”. 

“No fim do ano escolar, por uma razão que eu não sei, levaram-me para um hospital de campanha, onde aprendi a dar injeções, a curar as feridas, a pôr gesso. Eu tinha 14, 15 anos”, contou, recordando a violência que é viver em guerra.

Em 1967, com 17 anos, era suposto ter ido estudar medicina para a União Soviética. Todavia, a viagem que fez da Guiné-Bissau até Conacri, num camião, demorou mais do que o previsto e perdeu o voo. “Aí o Amílcar decidiu que eu ia para Cuba estudar cinema, com mais seis pessoas [entre as quais Flora Gomes, Josefina Lopes Crato e Jose´ Bolama]. Eu nunca tinha visto um único filme na vida e queria ser médico”, recordou. Foi assim que surgiu o primeiro realizador guineense.

Sana Na N’hada documentou a guerra da independência. Posteriormente, o seu cinema seria construído num vaivém entre a memória da ocupação portuguesa, as lutas pela independência e uma meditação sobre a destruição das sociedades tradicionais da Guiné-Bissau – e, com elas, de um modelo ecológico em que o homem aceita os poderes de uma natureza à qual sabe pertencer.

“Eu não me excluo disso, dos erros políticos, os desvios políticos que fizemos, eu também faço parte disso. Eu esperava que me criticassem, que me atacassem, porque eu digo essas coisas. Mas toda a gente me diz `tens razão`. Eu não quero ter razão, lamento é as mortes da nossa História. Morreu muita gente”, frisou.

Nome é o quarto filme do realizador guineense Sana Na N’hada. Uma co-produção portuguesa que junta Luís Correia e a Lx Filmes (Portugal), a Spectre Productions (França), a Geba Films (Guinea-Bissau), a Geração 80 (Angola) e a The Dark (França).

O filme teve a sua primeira exibição no ACID de Cannes, em 2023, e foi o título que encerrou a mostra desse ano, com largos elogios da crítica. Esteve também em destaque na secção Harbour do IFFR – International Film Festival Rotterdam 2024; no Festival International du Film Independant de Bordeaux 2023, onde venceu o Grande Prémio da Competição Internacional e menção especial para a actriz Binete Undonque; no Du Grain à Démoudre 2023, onde ganhou o Prémio de Melhor Longa-metragem; e no Luanda PAFF – Festival Internacional de Cinema Panafricano de Luanda 2023, onde venceu o Prémio de Melhor Filme, tendo sido também atribuído o Prémio de Melhor Realização e Prémio de Melhor Actriz para Binete Undonque.

Em Portugal, fez antestreia no Indie Lisboa, na secção Rizoma, com uma exibição na Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema, na presença do realizador Sana Na N’hada, da actriz Binete Undonque, do músico Remna Schwarz, autor da banda sonora original, e da restante equipa.

A estreia de “Nome” assinala os 50 anos da independência das ex-colónias portuguesas com estreia em Portugal, Cabo Verde e Angola. Sana Na N’Hada, o veterano realizador guineense, revisita a memória da Guerra Colonial e da sua juventude na luta contra o exército português.

A exibição do filme em Almada contará com a presença do argumentista Virgílio Almeida, que começou por escrever literatura para a infância, a seguir teatro, e nos últimos 25 anos dedicou-se à escrita para cinema e televisão, primeiro curtas-metragens, depois séries e especiais de televisão, e finalmente, longas-metragens.

É autor/coautor de 15 argumentos produzidos, cujos filmes foram seleccionados para centenas de festivais internacionais de cinema e premiados com mais de três dezenas de prémios. Em cinema de animação, destaca as parcerias com o realizador José Miguel Ribeiro, para quem escreveu os argumentos das médias metragens “A Suspeita” (1999), “Passeio de domingo” (2009), “Papel de Natal” (2015) e a longa-metragem “Nayola” (2022) com o qual recebeu o Prémio Sophia da Academia Portuguesa de Cinema para Melhor Argumento Adaptado em 2024. É coautor do argumento da longa-metragem “A ilha dos cães”, realizado por Jorge António (2016) e autor do argumento de “Nome”, realizado por Sana Na N’Hada (2025).

©DR / O realizador interroga-se “Será que é essa a Guiné-Bissau que estou a sentir, que estou a ver e a ouvir, pela qual lutámos?”

Ficha técnica

Título Original: Nome
Realização Sana Na N’hada
Assistente de realização: Ângela Sequeira
Argumento: Virgílio Almeida, Olivier Marboeuf
Produção: Luís Correia, Olivier Marboeuf
Elenco: Marcelino António Ingira, Binete Undonque, Marta Dabo, Abubacar Banor, Helena Sanca, Oksana Isabel, Paulo Intchama, Mario Paulo Mendes, Vladmir Mario Vieira, Ernesto Nambera, Riquelme Biga, Jorge Quintino Biague
Fotografia: João Ribeiro
Música original: Remna Schwarz
Som: Tristan Pontécaille
Edição: Sarah Salem
Género: Drama
Origem: Angola, França, Guiné-Bissau, Portugal
Ano: 2023
Duração: 117 min.
Classificação: M/12

3,00€ (50% desconto para jovens e seniores)

Sofia Quintas

Directora e jornalista do Almada Online

, , , , , , , , , , , , , , , ,