Relógios avançam uma hora no Domingo

De Sábado para Domingo avance o seu relógio uma hora, quando fora uma da madrugada. Entrada na hora de Verão coincide com a Páscoa.

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Em Portugal Continental e na Região Autónoma da Madeira, os relógios deverão ser adiantados uma hora na madrugada de Domingo 31 de Março. Assim, quando for 1h passarão a ser 2h. Chegaram os dias mais longos com o horário de Verão, mas Domingo será o dia mais curto do ano.

No caso dos Açores a mudança é feita à meia-noite. A próxima mudança de horário vai ser a 27 de Outubro deste ano. 

Mudança não é consensual

A transição para a hora de Verão não é consensual e sempre gerou muita discussão. Frequentemente, as pessoas dizem não gostar do horário de Inverno e preferirem o de Verão. No entanto, a hora actual está mais próxima do ritmo solar, sendo esta hora considerada por muitos investigadores a que faz mais sentido.

A União Europeia (UE), através da Directiva 2000/84/CE em vigor desde 2001, define que todos os estados-membros são obrigados a mudar para a hora de Verão, no último Domingo de Março e, para a de Inverno no primeiro Domingo de Outubro. 

Desde 2018 que a União Europeia discute o fim da mudança de hora, mas a medida nunca avançou. Em 2018, o Parlamento Europeu (PE) e a Comissão Europeia (CE) propuseram acabar com a mudança de hora. Foi realizado um inquérito a nível europeu que contou com 4,6 milhões de respostas, um recorde, onde mais de 80% disse que não queria a mudança da hora.

No ano seguinte, em 2019, uma proposta elaborada pela Comissão Europeia para abolir a mudança da hora chegou ao Parlamento Europeu. Os eurodeputados votaram a favor, apontando-se 2021 como o ano para a implementação da nova regra. No entanto, sucederam-se acontecimentos globais que atiraram para o fim da lista de prioridades a abolição da mudança da hora, primeiro a pandemia, depois a guerra na Ucrânia e a crise inflaccionista que atingiu a Europa. A abolição da mudança da hora está em suspenso desde 2019. O Conselho Europeu ainda não definiu a sua posição em relação a este tema, colocando um travão à alteração da lei. Não há previsão para introduzir o horário único.

Portugal defende o actual regime, com hora de Verão e de Inverno. O governo português, através da Comissão Permanente da Hora (CPH), órgão responsável pelo cumprimento da hora legal, mostrou-se a favor da manutenção dos dois horários, citando um relatório de 2018 do Observatório Astronómico de Lisboa (OAL), o então responsável pela gestão da mudança de hora.

Um dos principais argumentos para a adopção do horário de Verão é precisamente a questão de reduzir os custos energéticos, mas os estudos que têm sido divulgados apresentam resultados contraditórios. Assim, a questão da poupança de energia não mostra valores significativos para justificar a mudança de hora por si só. Outra questão é o facto de o horário de Verão interferir com o ritmo circadiano, podendo levar a um aumento do risco de acidentes vasculares cerebrais, cardiovasculares e até mais acidentes de viação.

Um estudo do Instituto Superior de Psicologia da Universidade de São Paulo (ISPUSP) concluiu que o corpo humano precisa de pelo menos 14 dias para se adaptar totalmente à mudança de horário. Enquanto isso, são comuns sintomas como a falta de atenção, dificuldades de memorização e sono fragmentado. 

Em 2021, um conjunto de peritos assinou a Declaração de Barcelona sobre Políticas do Tempo, sustentando que se deve acabar com a mudança pois esta “não têm efeitos significativos na poupança energética, melhora a saúde, a economia, a segurança e o meio ambiente”.

Em Outubro de 2022, o México pôs fim ao horário de Verão na maior parte do país, com excepção da zona ao longo da fronteira com os Estados Unidos. Outros países que não utilizam o horário de Verão são a China, Índia, Rússia e, vários territórios dos EUA como o Havai e a maior parte do estado do Arizona.

A hora legal, independente das mudanças de hora, é escolhida por cada país. Portugal está com a hora UTC 0 (tempo universal coordenado), enquanto a maioria dos outros estados-membros da UE segue o UTC+1. Entre 1992 e 1995, durante o mandato de Aníbal Cavaco Silva, o ex-primeiro-ministro quis acertar a hora com a maioria dos outros países europeus, mantendo o horário alinhado com Espanha. Esta decisão causou problemas no país e, no Inverno às nove da manhã por vezes ainda era de noite, enquanto no Verão o ocaso da luz solar só chegava perto das 23 horas. Há quem tenha memória das crianças irem para a escola de manhã, quando ainda estava de noite.

©Unsplash / A UE define numa directiva que todos os estados-membros são obrigados a mudar para a hora de Verão.

História da mudança da hora

A primeira proposta de mudança de hora foi feita em 1895, pelo entomologista e astrónomo neozelandês George Hudson, que propunha avançar o relógio 2 horas na Primavera e recuar duas horas no Outono. A proposta, no entanto, tinha motivos um pouco egoístas, porque Hudson só queria mais duas horas de luz para caçar insectos no Verão.

Em 1907, William Willett, bisavô do vocalista dos Coldplay Chris Martin, publicou “The Waste of Daylight”, um panfleto onde afirmava que “Enquanto estamos a dormir, o Sol ilumina a terra durante várias horas”, pelo que só sobra “um breve período, quando a luz do dia começa a desaparecer, que podemos aproveitar para lazer”. A ideia de Willett era simplesmente aumentar o tempo em que podemos aproveitar a luz do dia e ao mesmo tempo poupar energia, reduzindo o uso de luz artificial.  No entanto, ele propunha um atraso ou adiantamento progressivo, com os relógios a serem adiantados 20 minutos a cada Domingo, durante o mês de Abril, o que resultaria numa mudança de 1 hora e 20 minutos, entre final de Abril e início de Setembro, altura em que os relógios começariam a atrasar progressivamente. Embora a ideia tivesse apoiantes de peso, como Winston Churchill e Sir Arthur Conan Doyle, acabou rejeitada pelo governo britânico.

Em 1916, Durante a I Guerra Mundial, foi implementada a mudança da hora com o intuito de poupar combustível utilizado na iluminação. Os primeiros a implementarem a alteração foram a Alemanha e a Áustria, mas rapidamente outros países, nomeadamente Portugal, fizeram o mesmo.Numa altura em que o carvão era a principal fonte de energia, havia a necessidade de reduzir o uso de luz artificial, para poupar o precioso combustível necessário para o esforço de guerra. Nessa altura, houve, de facto, uma poupança de energia.

O inventor norte-americano Benjamin Franklin é frequentemente apontado como a primeira pessoa a ter sugerido alterar a hora, no século XVIII, depois de se ter apercebido de que estava a desperdiçar as suas manhãs em Paris ao ficar na cama. Por isso, propôs que os franceses disparassem canhões ao nascer do Sol para acordar as pessoas e reduzir o consumo de velas durante a noite. A alteração da hora começa por ter na sua génese sempre o mesmo motivo: economizar energia através do aproveitamento da luz natural.

Nos cem anos seguintes, a Revolução Industrial lançou as bases para que a ideia da mudança da hora entrasse na política governamental. Durante grande parte do século XIX, o tempo era definido de acordo com o Sol e com as pessoas que controlavam os relógios em cada cidade, criando dezenas de horas conflituantes e estabelecidas localmente. Podia ser meio-dia em Nova Iorque, 12h05 em Filadélfia e 12h15 em Boston.

A situação causou problemas às empresas ferroviárias que tentavam deixar os passageiros e a carga a tempo, uma vez que ninguém concordava com a hora. Foi então que, na década de 1840, os caminhos-de-ferro britânicos adoptaram horários normalizados para reduzir a confusão. Nos anos seguintes, vários países ocidentais adoptaram também a medida.

Adiantar e atrasar os relógios na Europa é, assim, um hábito anterior à existência da UE. A legislação sobre o horário de Verão entre os Estados-membros surgiu, pela primeira vez, com uma directiva de 1980, que coordenava prácticas de forma a garantir o bom funcionamento do mercado único

Em Portugal, a mudança da hora foi adoptada no início do século XX, tendo os primeiros decretos sobre a alteração dos relógios surgido em 1916. Desde então, a mudança da hora tornou-se um hábito, mas não aconteceu todos os anos. Entre 1992 e 1996, os relógios em Portugal estavam de acordo com o horário de Bruxelas por decisão de Cavaco Silva, então primeiro-ministro.

Opinião dos especialistas

“Acabar com a oscilação entre horários tem aparentemente um impacto positivo na saúde, mesmo que pequeno”, considera Pedro Miranda, professor catedrático de Meteorologia na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL). “Tendo desaparecido a razão principal da introdução da mudança, a economia de energia, porquê manter um sistema de horários oscilantes?”, questiona.

“A melhor solução para a hora legal do país é a que actualmente existe. Porém, poderia ser ainda melhor se a transição em Outubro (saída da hora de Verão) regredisse para finais de Setembro, como se fazia até 1995 na Europa”, defende Rui Agostinho, director do Observatório Astronómico de Lisboa (OAL). Além de ser o regime que, de acordo com o astrónomo, melhor se adapta a Portugal, este horário traz algumas poupanças energéticas, ainda que essa já não seja a principal prioridade do sistema. “O valor de poupança é, em média, inferior a 1%”, nota Rui Agostinho.

Precisamente por acarretar impactos distintos para cada país, Ricardo Cardoso Reis, do grupo de comunicação de ciência do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA), acredita que, para países a latitudes médias, como o nosso, “há um benefício em manter a mudança”.  “O menos mau seria manter o nosso horário o mais próximo possível da hora solar, ou seja, manter o horário de Inverno. Desta maneira, o amanhecer dos dias de Inverno seria por volta das 8h, enquanto no Verão teríamos o sol a nascer ainda mais cedo, perto das 5h, e a pôr-se perto das 21h”, argumenta.

“A agressão maior não é exactamente nós mudarmos a hora, porque adaptar-nos-íamos, uns mais depressa e outros menos depressa. A questão é que duas vezes por ano ora andamos para a frente, ora andamos para trás, e exigimos que os nossos genes, que são coisas que demoram muitos, muitos anos a adaptar, se adaptem imediatamente. E isso não acontece”, indicou Miguel Meira Cruz, especialista em Medicina do Sono. Os matutinos privados de sono, podem sofrer mais nos dias subsequentes à mudança para a hora de inverno”, dado que para “além da menor flexibilidade na resposta a mudanças, as condicionantes impostas pelo novo horário afetam o humor”, explica o também presidente da Associação Portuguesa de Cronobiologia e Medicina do Sono. Para o especialista, a mudança da hora “é mais um exemplo do predomínio de interesses económico-financeiros, que vigora no mundo, em detrimento daqueles dirigidos à promoção da saúde”. Assim, “seguramente era menos perigoso se mudasse uma vez de dois em dois anos”, ou até mais espaçadamente, defende.

Sofia Quintas

Directora e jornalista do Almada Online

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