Cacilhas| Dois homens detidos pela PSP nas comemorações da Cidade de Almada
O Almada Online falou com Tiago Machado e Aníbal Moreira, que contam uma versão dos factos muito diferente da que a PSP enviou em comunicado às redacções
Segundo o comunicado de hoje, dia 26 de Junho, do Comando Territorial de Setúbal da Polícia de Segurança Pública (PSP), os factos ocorreram no Sábado pelas 21h30, altura em que “durante um concerto das comemorações do dia da cidade de Almada, foi solicitada a presença da PSP na zona do palco por se encontrarem dois indivíduos do sexo masculino, de 55 e 32 anos (pai e filho), a tentar aceder a uma área reservada aos artistas, de acesso vedado ao público.”
“Chegados ao local [os agentes] visualizaram um dos homens (filho) a atirar-se para o chão, enquanto três assistentes de recinto de espectáculos o tentavam acalmar. Mesmo na presença da PSP ambos os indivíduos continuaram a ameaçar os assistentes, manifestando um comportamento bastante exaltado e descontrolado, apresentando fortes indícios de estarem alcoolizados.”, pode ler-se no mesmo comunicado.
Segundo a PSP os dois homens “foram identificados e foi-lhes solicitado que abandonassem o local, contudo estes recusaram-se a sair e ali permaneceram. A partir desse momento os mesmos tornam-se violentos para com os polícias, tendo-os injuriado, ameaçado e agredido com pontapés, motivos que levaram à detenção dos dois suspeitos.”
A força policial declara ainda em comunicado que “Já nas instalações policiais, os detidos foram assistidos pelos bombeiros devido a escoriações resultantes dos desacatos em que haviam estado envolvidos, desejando ainda deslocarem-se ao Hospital Garcia de Orta (HGO), onde foram conduzidos e ali permaneceram entre as 00:15 e a 01:30 sob acompanhamento policial.”
O comunicado policial termina informando que, “Regressaram de seguida à Esquadra de Almada a fim de ser finalizado o Auto de Detenção, tendo ambos sido notificados para comparência em Tribunal Judicial de Almada dia 26-06-2023 às 09:30, abandonando de seguida as instalações polícias cerca das 02:00.”
Tiago Machado e Aníbal Moreira refutam a narrativa policial
O Almada Online falou com Tiago Machado e o seu pai Aníbal Moreira, que contam uma versão bastante diferente da versão da PSP, sobre o sucedido no dia 24 de Junho à noite.
Tiago Machado conta que pediu “autorização ao segurança para ir ter com o Carlão, que conheço há muitos anos, antes de começar o seu concerto e, o Sr. [que se encontrava na zona reservada a artistas] deixou-me entrar. Vi uma tenda a dizer Carlão, abri não estava, sai por onde entrei, passei pelo segurança e, depois, um agente da PSP, (que não posso identicar devido a segredo de justiça mas que posso dizer que é um agente que já está identificado por casos destes), sem me dizer nada deu-me um soco. Fui projectado contra as grades [entre o submarino e o veleiro] e cai para o chão. Partiu-me os óculos, e algemou-me no chão com as mãos atrás das costas. Eu tenho uma doença de retina que é crónica, tenho de ir agora ao médico ver se não tenho sequelas nessa parte. Ao ver-me no chão imobilizado e algemado, com aquelas algemas de ferro, o meu pai vai lá tentar defender-me e leva a mesma dose. O meu pai é deficiente do canal cárpico, da coluna, dos pulsos e ombros, tem uma incapacidade física de 62%, tem 8 parafusos e 2 placas na coluna, está a espera para ser operado outra vez. Ele esteve algemado 8 horas, com os pulsos apertados e os ombros para trás, tudo o que não aguenta e prejudica a sua saúde.”

Tiago continua a descrever o que se passou no Sábado, que ainda não entende porque sucedeu. “Arrastaram-nos para a carrinha de intervenção e, com a força que fizeram cai na linha do metro. Muitas pessoas viram, houve bastantes testemunhas, mas não houve tempo para diálogo. Dentro da carrinha cairam-nos todos em cima. Foram à vontade uns 10 policias em cima de nós dentro da carrinha, aos murros pontapés. Ao meu pai calçaram luvas e deram-lhe. Na esquadra o meu pai ficou num sofá todo podre nas traseiras da esquadra, cá fora e, eu fiquei no corredor. O agente fechou a porta calçou as luvas e bateu de novo no meu pai. Nas traseiras da esquadra vieram muitas pessoas à janela, houve muita gente que ouviu o barulho. Fui algemado para o hospital, lá tiraram-nos as algemamas e amarraram-nos na maca. Estivémos mais de uma hora à espera com a policia à porta do gabinete médico, amarrados a macas. Veio um médico, observou-nos, chamou o chefe de equipa e disse categoricamente que fomos alvo de agressões brutais. O meu pai tinha dinheiro na carteira e quando recebeu a carteira de volta na esquadra disse que lhe faltava dinheiro e aí, um agente apertou-lhe o pescoço e deu-lhe murros, sem luvas nem nada “
“Apresentamo-nos os dois no tribunal às 9h30 pelo nosso pé, voluntariamente. Fomos recebidos às 11h30/12h estivémos à espera muito tempo. Até hoje não sabia do que estava a ser acusado, estamos ambos indiciados por três crimes: ameaça agravada, injúria agravada e, crime de ofensa à integridade qualificada.”, explica ao Almada Online Aníbal Moreira, pai de Tiago.
Aníbal é um homem incrédulo e revoltado com tudo o que lhes aconteceu no Sábado passado. “Negamos e repudiamos categoricamente a narrativa que a PSP apresenta e nos foi comunicada em tribunal. Toda a narrativa não faz sentido nem bate certo, porque as horas em que os documentos são assinados e nos são dados já nós estávamos na esquadra e, dizem que estávamos no recinto. Por exemplo às 2h44 dizem que colocamos em causa o concerto e tudo aconteceu antes do concerto se realizar cerca das 21h. Nós fomos removidos do espaço de uma foma brutal, foi uma força despropocional do ponto de vista dos direitos humanos. O comunicado que a PSP fez circular está cheio de incongruências, ninguém invadiu nada, eu não entrei dentro da zona reservada aos artistas. Nós fomos sequestrados, fomos alvo de violência e agredidos de uma forma animalesca. Eu fui agredido brutalmente no rosto e com luvas por um dos agentes, que terminou a sua actuação com golpes de artes marciais nas minhas laterais. Eu com placas e parafusos na coluna podia ter ficado numa cadeira de rodas. O lamentável foi algumas noticias que dizem que estávamos embriagados pois não faz sentido. Dois cidadãos virarem-se num concerto contra seguranças e policias, alguém com um pouco de inteligência acredita numa coisa destas? Não nos fizeram testes de alcoolémia, nada.”

Aníbal Moreira e Tiago Machado tencionam levar este caso às últimas consequências. “Amanhã em reunião com o nosso advogado vamos falar sobre as medidas a tomar, vamos dar-lhe acesso à documentação médica que temos, apesar de não nos terem dado cópias das nossas declarações. Acreditamos numa policia que protege os cidadãos e não numa policia que agride os cidadãos. Segundo o que ouvimos no tribunal parece que é recorrente este tipo de comportamentos. Os documentos da policia não batem certo, não podemos estar em Cacilhas e na esquadra a ser agredidos ao mesmo tempo. Não sei se foi os seguranças que chamaram as autoridades, o nosso advogado vai verificar isso tudo. A minha área é a sociologia, o meu filho é informático no Garcia de Orta. Houve aqui um abuso excessivo da força, um comportamento inadequado que pelos vistos foi legal, foi aceite. Agora iremos refutar todas os factos na justiça. Somos indiciados e suspeitos daquelas acusações, para chegarmos a tribunal têm de apresentar provas.”
Anibal Moreira acrescenta ainda que, “Não teria nenhum problema em dizer ‘olhe reagimos desta forma e foi disparatado’ Mas não reagimos! Não conhecíamos os policias de lado nenhum, não éramos amigos. Claro que depois de manietados e agredidos nos manifestámos. Estivémos 8 horas completamente sequestrados e algemados. Entrámos pelas traseiras da esquadra à ‘surrapa’ e não pela porta da frente. Tiraram-nos as carteiras e telemóveis. Não pudeémos telefonar a ninguém e a nossa família estava bastante preocupada. Eu fiquei num sofá todo podre e fiquei a ouvir o meu filho a sofrer lá dentro e, o meu filho a ouvir-me. Ambos a ser agredidos, agora separados. Gostaria que me dissessem do ponto de vista da linguagem portuguesa o que é aparentar estar alcoolizados. É algo que dá jeito para reforçar a narrativa deles.”
“O meu filho bateu contra a grade que separa o submarino da fragata e caiu para o chão e, claro que o tentei socorrer! Levei o mesmo tratamento. Ninguém nos deu ordem de prisão, nem nos falou nos nossos direitos. Não temos antecedentes criminais, somos funcionários públicos. Nunca tive problemas com a policia anteriormente. Ainda me interrogo a mim próprio como é que isto aconteceu? Houve ali alguém que perdeu o controle e não fomos nós. Não cabe na cabeça de ninguém um pai e um filho irem para ali, entrarem por ali a dentro e começarem à porrada a torto e a direito. Eu nem entrei lá dentro.”, acrescenta.
“Nunca entrámos em conflito com os seguranças. A sensação que me ficou hoje no tribunal, é esta a minha opinião pessoal, é ‘aguentem-se com o que levaram e isto vai ser arquivado’, mas eu e o meu filho não podemos ser complacentes com uma coisa destas, porque o que aconteceu é gravissimo. Não é a primeira vez que há casos de cidadãos que são agredidos por uma força de segurança, um fruto não estraga uma árvore, vamos verificar quantas queixas há de cidadãos em Almada contra agentes da PSP do Pragal. Não lhe posso revelar nomes porque está em segredo de justiça. Negamos categoricamente o comunicado da psp, é um documento que é um embuste, foi cozinhado e nós vamos prová-lo. Só quem for muito tolinho é que acredita que uma pessoa iria entrar por ali a dentro e começar a bater em agentes.” Aníbal relata o que viveu vivamente e, tem também recordações na pele que não o deixam esquecer.
“Tomo medicação fortissima para os meus problemas da coluna, inclusivamente com morfina e, também para uma depressão. Neste momento estou com uma crise no sistema nervoso e com uma grande tristeza. Só nos dá vontade de chorar quando olhamos um para o outro. Como é que isto foi possível? O meu filho há pouco disse-me ‘eu sou culpado porque quis ir ver o concerto’. Ele não é culpado de nada. Nenhum de nós dois é.” , diz ainda Aníbal. “Trabalho na Câmara Municipal de Almada há muitos anos, já vi eventos em que há confusões com pessoas embriagadas ou não, em que lhes chamam a atenção e lhes pedem para sair dos recintos. Nós não estávamos embriagados e o que aconteceu foi uma violência brutal, desproporciaonal e gratuita.”
O Almada Online contactou a esquadra da PSP do Pragal, na tentativa de falar com um dos agentes que tenha tomado conta desta ocorrência ou participado na detenção de Sábado e, também para confrontarmos a dispararidade existente entre as duas versões. Foi-nos dito que “ninguém na esquadra presta declarações para além do que consta no comunicado hoje enviado às redacções”.
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