Laranjas e pedras de Ramallah para Almada

No total, a programação para 2024 da CTA contempla 15 espectáculos de teatro, 14 para a infância, seis de dança e dezassete de música.

A apresentação da peça “Oranges and stones” (“Laranjas e pedras”), um espectáculo da companhia palestiniana Ashtar Theatre de Ramallah, está entre as propostas da Programação de 2024 da Companhia de Teatro de Almada (CTA).

A Ashtar Theatre é uma companhia da Cisjordânia que o director artístico da CTA conheceu no Festival de Teatro do Cairo, em Setembro do ano passado, “ainda antes desta nova fase sangrenta do conflito israelo-palestiniano” e, que convidou para fazer parte da programação deste ano, adiantou Rodrigo Francisco à agência Lusa.

Com concepção e direcção da dramaturga, actriz, encenadora e professora britânica Mojisola Adebayo, “Oranges and stones” será representada de 17 a 19 de Maio, na sala Experimental do Teatro Municipal Joaquim Benite (TMJB), num espectáculo que o director artístico da CTA “espera que se possa realizar”, já que tem mantido contactos com a companhia palestiniana. E, apesar da guerra, esta “mantém a vontade” de vir a Almada.

“Laranjas e pedras” leva o público à época “da primeira onda de emigração judaica para a Palestina”, na sequência da Declaração de Balfour de 1917, na qual se reconhece “o estabelecimento de um lar nacional para o povo judeu na Palestina” sem, no entanto, “prejudicar os direitos civis e religiosos das comunidades não-judias que já lá estão”, como a sinopse da peça recorda.

Neste pequeno espectáculo “sem palavras” conta-se a história de “um homem pobre, do centro da Europa, que se refugia na Palestina na sequência da Primeira Guerra Mundial, instalando-se na casa de uma habitante local. Pouco a pouco, esse recém-chegado acaba por apoderar-se da casa, expulsando a sua habitante original, que vivia feliz com o proveito das laranjas colhidas no seu pomar”, acrescenta a apresentação da obra.

Sobre o espectáculo, a sua criadora, Mojisola Adebayo, escreve: “Procurei criar uma peça na qual o público que vive fora da realidade da Palestina tivesse uma imagem do que é a ocupação, sem necessidade de palavras. Este espectáculo não procura contar toda a verdade, não é documental, mas conta uma verdade possível”.

Natural da capital britânica, onde nasceu em 1971, com ascendência dinamarquesa e nigeriana, Mojisola Adebayo é professora do Departamento de Teatro e Performance da Universidade de Londres. Soma uma obra com mais de duas dezenas de títulos, entre poesia, drama e investigação, abordando temas como colonialismo, racismo, xenofobia, violência de género. Na África do Sul estreou “I Stand Corrected”, uma das suas mais conhecidas, representadas e estudadas peças.

A companhia Ashtar Theatre, fundada em 1991, tem sede em Ramallah, na Cisjordânia. O seu “objectivo principal” é “promover e divulgar, através do teatro, uma sociedade livre e aberta ao Mundo”. “Parte dessa missão tem sido cumprida graças à passagem desta companhia por vários festivais internacionais, assumindo-se como uma verdadeira embaixadora da cultura palestiniana”, lê-se no texto de apresentação da nova programação da CTA.

©DR / Camus- Casarè, Une géographie amoureuse”, uma peça da companhia Châteaux en Espagne

Celebrar os 50 anos do 25 de Abril

Num tributo ao 25 de Abril, “A sorte que tivemos!”, com inéditos de cinco dramaturgos portugueses e encenação de Teresa Gafeira, é uma das quatro criações a estrear pela CTA em 2024.

Num ano em que se comemoram 50 anos da “Revolução dos Cravos”, a programação da Companhia para 2024, ontem anunciada, “incide, como não podia deixar de ser”, na “comemoração do cinquentenário do 25 de Abril, que é unanimemente reconhecido como o acontecimento mais importante do século XX português”, adiantou à agência Lusa o diretor artístico da CTA, Rodrigo Francisco.

Com textos de António Cabrita, Jacinto Lucas Pires, Luísa Costa Gomes, Patrícia Portela e Rui Cardoso Martins, “autores com percursos literários e de vida diferentes”, convidados pela CTA e, encenação de Teresa Gafeira, “actriz fundadora da Companhia quando, ainda era Grupo de Campolide, em 1971 e, que viveu de perto essa época”, “A sorte que tivemos! Um espectáculo sobre Abril” estreia-se a 12 de Abril, na sala principal do TMJB, onde na Sexta-Feira passada à noite, a programação da nova temporada foi apresentada ao público.

Com música de Martim Sousa Tavares, “A sorte que tivemos!” resulta de um “desafio” lançado à companhia pelo actual executivo municipal para que criasse um espectáculo sobre a efeméride. A companhia aceitou de imediato e, estará em cena até 5 de Maio, antes de seguir em digressão por Braga e Viana do Castelo, indicou o director artístico.

“O tributo que nós prestamos ao cinquentenário do 25 de Abril é inteiramente justificado”, porque, “se não houvesse 25 de Abril, o movimento do teatro independente que se segue na segunda metade da década de 1970 não teria existido e, nós vimos daí”, sublinhou Rodrigo Francisco.

O director artístico referia-se a Joaquim Benite, fundador do Grupo de Campolide, companhia que viria a profissionalizar-se e a instalar-se, em 1977, no Teatro da Trindade, em Lisboa e que, no ano seguinte, com a colaboração do executivo camarário da altura, fez de Almada a “Cidade do Teatro”.

Ainda “para inscrever a programação nas comemorações do cinquentenário do 25 de Abril”, a Companhia convidou o Arquivo Ephemera, para, em conjunto, organizarem quatro exposições que estarão patentes, ao longo do ano, na galeria do Teatro.

“A censura ao teatro”, com pesquisa e textos de Guilherme Filipe e cenografia/instalação de José Manuel Castanheira, é a primeira mostra, que inaugurou Sexta à noite e, ficará patente até 27 de Março, Dia Mundial do Teatro.

“A explosão da liberdade pelos olhos do teatro” (12 de Abril a 16 de Junho), “25 de Abril: os dias, as pessoas e os símbolos” (5 de Julho a 27 de Outubro) e “Manter a memória do Dia da Liberdade” (8 de Novembro a 22 de Dezembro) são os títulos das outras três exposições.

Todas as mostras têm documentação de José Pacheco Pereira e Rita Maltez e conceção plástica de José Manuel Castanheira.

Outros destaques da Programação deste ano

Rodrigo Francisco frisou ainda o regresso das actividades para a infância, interrompidas desde o início da pandemia e, que se traduzem no regresso, de dois ateliês para crianças.

“Vamos explorar o teatro azul”, título de uma “visita-jogo”, coordenada por Paula Barroso, que leva a “filosofia para o teatro”, é a grande novidade dos ateliês, como afirmou. Outro ateliê versa sobre artes plásticas, é coordenado por Carolina Celas e intitula-se “Um teatro que cabe na mala”. Divididos por dois escalões etários (dos 5 aos 8 anos e, dos 9 aos 12 anos), o primeiro decorre a 27 de Janeiro e 28 de Setembro, e, o segundo, a 3 de Fevereiro e 26 de Outubro, respectivamente.

No total, a programação para 2024 da CTA contempla 15 espectáculos de teatro, 14 para a infância, seis de dança,em que se inclui o Festival Transborda e, dezassete de música, que inclui o Ciclo de Música de Câmara e o Festival dos Capuchos.

Entre as peças de acolhimento, contam-se “Camus- Casarè, Une géographie amoureuse”, uma peça da companhia Châteaux en Espagne, da autoria de Jean-Marie Galey e Teresa Ovídio, encenada por Élisabeth Chailloux, sobre a relação do escritor e filósofo Albert Camus e a actriz Maria Casarès (24 a 26 de Maio, sala Experimental); “Mãe coragem”, de Brecht, pela Ar de Filmes / Teatro do Bairro, também integrado na 41.ª edição do Festival de Almada (17 e 18 de Julho), e “S.O.S — Aquela noite”, do colectivo Sul. 

Este colectivo, composto por Ricardo Aibéo, Dinis Gomes, Duarte Guimarães, Rita Durão, Rita Loureiro e Sofia Marques, também conhecido como “os cornucopianos”, regressa nos dias 20 e 21 de Dezembro ao TMJB, onde em 2022 levou “O rinoceronte”, para apresentar um espectáculo com montagem de textos “muito pouco conhecidos e alguns inéditos” de Almada Negreiros.

“Morto o cão, acabou-se a fúria — A vida de Luiz Pacheco”, peça sobre o “escritor maldito”, é uma ideia original de Pablo Fidalgo Lareo, criada em conjunto por Carolina Dominguez e o actor Cláudio da Silva, que interpreta. Estará em cena nos dias 11 e 12 de Maio, no TMJB.

A nível de propostas de música, destaque para os concertos: Jorge Palma (20 de Janeiro), Orquestra Gulbenkian (25 de Janeiro), Camerata Atlântica: Uma década de música (28 Janeiro), Orquestra Sinfónica Portuguesa e Coro do Teatro Nacional de S. Carlos (4 Fevereiro), Cassete Pirata (10 Fevereiro), Júbilo (20 de Abril), Carolina Deslandes (5 de Outubro) e Luísa Sobral (7 de Dezembro).

Pode consultar a programação para 2024 na íntegra aqui. Os bilhetes já se encontram à venda aqui.

Sofia Quintas

Directora e jornalista do Almada Online

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