Morreu Manuel Cargaleiro (1927-2024)

Vida e obra do mestre estiveram sempre ligados ao concelho de Almada

Manuel Cargaleiro nasceu a 16 de Março de 1927 em Chão das Servas, concelho de Vila Velha de Ródão, mas com ano e meio veio com os pais para a Caparica, em Almada, onde viveu até trocar definitivamente Portugal pela França, no fim da década de 1950.

Filho de Manuel Cargaleiro gestor e dirigente agrícola, presidente do Grémio da Lavoura de Almada e Seixal, mais tarde o primeiro provedor da Santa Casa da Misericórdia do Seixal, e de Dona Ermelinda Nunes Cargaleiro, artesã de mantas de retalhos, Manuel Cargaleiro, veio residir com seus pais para a Quinta da Silveira de Baixo, no Monte de Caparica, em Almada, onde cresceu e estudou.

Iniciou-se na modelação de barro aos 18 anos, na olaria de José Trindade. “Quando era miúdo ia à escola ao Monte de Caparica, depois ia ao Correio. Pegada com o Correio existia a olaria do senhor José Trindade. Punha-me a olhar para o homem e ele, de brincadeira, punha logo uma bola de argila e depois com as mãos e a roda fazia aparecer uma jarra. Um milagre, este homem é um mágico, pensava eu. Depois dava-me uma bola de argila e eu ia para casa. Quando chegava, punha-me a modelar e fazia bonequinhos.” Era assim que Manuel Cargaleiro recordava a sua infância e primeiros contactos com a olaria.

Quando iniciou os estudos académicos, em 1946, seguiu Ciências, porque na altura os pais é que decidiam o que os filhos deveriam ser, e artes não era opção para o pai. Chegou a trabalhar num banco, ao mesmo tempo que frequentava as aulas livres da Academia de Belas-Artes e o atelier de olaria de José Trindade, na Caparica. Com a ajuda da mãe, conseguiu mais tarde dedicar-se apenas às artes plásticas, como ceramista na Fábrica de Sant’Anna, em Lisboa.

Participou, em 1949, na “Primeira Exposição Anual de Cerâmica”, em Lisboa, iniciando um percurso que o levou a expor um pouco por todo o mundo. Em 1950, organizou com a Comissão Municipal de Turismo do Concelho de Almada, o Primeiro Salão de Artes Plásticas da Caparica, em Almada. Em nome próprio, estreou-se, em 1952, expondo pintura pela primeira vez no ano seguinte.

Nas primeiras exposições individuais, em 1952, atraiu logo as atenções de artistas consagrados como Vieira da Silva, Almada Negreiros, Carlos Botelho e Jorge Barradas. Nessa década, também ganhou bolsas de estudo, como a do Instituto de Alta Cultura, em Itália, e a da Fundação Calouste Gulbenkian, que o levou para Paris. De forma individual ou colectivamente, participou em mostras de países como Alemanha, Angola, Bélgica, Brasil, Espanha, França, Moçambique, Itália, Japão, Suíça e Venezuela.

Em Janeiro de 1960, participa na I Exposição Ilustrada do “Grupo Dragão Vermelho”, em Almada, evento cultural arrojado para a época, trazendo a simbiose entre a arte e a poesia.

A sua obra dispersa-se pela cerâmica, pintura, gravura, guache, tapeçaria e desenho, tendo trabalhos seus em vários pontos do país e no estrangeiro. Entre as diversas obras da sua autoria destacam-se a passagem para cerâmica das estações da Via Sacra do Santuário de Nossa Senhora de Fátima; o painel de azulejos na fachada da nova Igreja de Santo António, em Moscavide; e os painéis de azulejos de diversos locais públicos em Portugal, e na estação de metro “Champs-Élysées – Clemenceau”, em Paris. Ao longo da carreira de várias décadas conquistou prémios nacionais e internacionais.

©Luís Filipe Catarino / CMA / Painel de azulejos da autoria de Manuel Cargaleiro, no Jardim Albero Araújo, em Almada.

Os painéis de cerâmica que fez para o então denominado Jardim Municipal de Almada, em 1956, e no edifício “Papo-Seco” em 1990 na Costa da Caparica, são as obras mais visíveis que deixou no concelho de Almada, ao qual se manteve sempre ligado. Entre 2020 e 2021, acompanhou de perto a obra de conservação e restauro dos painéis do Jardim Alberto Araújo.

Mais recentemente, vivia entre Paris, Lisboa e o Monte de Caparica. Grande parte da sua vasta obra encontra-se em exposição permanente no Museu Cargaleiro, em Castelo Branco, onde se encontra o espólio da Fundação Manuel Cargaleiro.

O seu nome ficou ligado ao ensino como patrono da “Escola Secundária Manuel Cargaleiro”, localizada no concelho do Seixal, onde também existe um espaço museológico dedicado à divulgação da sua vida e obra. A Universidade da Beira Interior atribuiu-lhe, em 2022, o Doutoramento Honoris Causa, o primeiro a ser outorgado pela academia a uma figura ligada às Artes Plásticas.

Este ano levou obras nunca expostas à sua oficina, no Seixal. Reuniu-se ainda a Vhils (Alexandre Farto) na criação conjunta da obra “Mensagem”, destinada à exposição no Museu Cargaleiro, em Castelo Branco. No passado mês de Abril doou à sua terra natal, Vila Velha de Ródão, uma tela alusiva aos 50 anos do 25 de Abril, a que chamou “Festa da Gratidão”.

Era detentor de várias condecorações como: “Comendador da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada de Portugal”, pelo Presidente da República, António Ramalho Eanes, em 30 de Junho de 1983; “Grau de Officier des Arts et des Lettres”, atribuído pelo Governo Francês, em 1984; “Grã-Cruz da Ordem do Mérito”, pelo Presidente da República, Mário Soares, em 4 de Fevereiro de 1989; “Medalha de Mérito Distrital de Setúbal”, atribuída no âmbito das comemorações do Dia de Portugal, em Setúbal, em 1991; “Medalha de Ouro da Câmara Municipal de Almada”, em 1994; “Medalha de Honra do Seixal”, em 1999; “Medalha de Ouro do Concelho de Vila Velha de Ródão”, em 2014; “Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique”, pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, em 16 de Março de 2017; “Medalha de Ouro do Concelho de Castelo Branco”, em 20 de Março de 2017, “Magister di Civiltà Amalfitana”, atribuído na XVII edição do “Capodanno Bizantino”, em Itália, no dia 1 de Setembro de 2017: “Medalha de Mérito Cultural”, atribuída pelo Primeiro Ministro António Costa e pela ministra da Cultura Graça Fonseca, em Paris, 2019; “Prémio Scalano” instituído pela SCALA – Sociedade Cultural de Artes e Letras de Almada, 2000; Medalha de Honra da Cidade de Lisboa, em 14 de Novembro de 2022; e Condecorado com Grã Cruz da Ordem de Camões, em 16 de Fevereiro de 2023, pelo Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa.

Ao longo da carreira de várias décadas conquistou vários prémios nacionais e internacionais.

Cargaleiro “​morreu tranquilo, rodeado pelos seus, adormeceu”​, disse à agência Lusa a sua mulher, Isabel Brito da Mana. Tinha 97 anos. A sua obra, caracterizada pela cor e luminosidade, percorreu o mundo, tornando-o num dos mais conceituados e internacionais artistas plásticos portugueses.

O primeiro-ministro, Luís Montenegro, decretou, em acordo com a Presidência da República, um dia de luto nacional, a cumprir no dia das cerimónias fúnebres do artista.

A Câmara Municipal de Almada, e a presidente Inês de Medeiros manifestaram publicamente o seu pesar.

O Almada Online endereça as mais sinceras condolências à sua família e amigos, e lamenta a perda deste grande vulto da cultura e da arte.

Actualização 30-06: O funeral de Manuel Cargaleiro realiza-se Terça-Feira, 2 de julho, na Costa da Caparica, estando as cerimónias fúnebres marcadas para o mesmo dia às 12h. O velório decorrerá na igreja paroquial de S. Tomás de Aquino, nas Laranjeiras, em Lisboa, a partir das 18h de Segunda-Feira, 1 de Julho.

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Sofia Quintas

Directora e jornalista do Almada Online

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