Trabalhadores da Amarsul marcam greve para 2 e 3 de Maio
Trabalhadores descontentes, autarquias divididas e concelhos sujos. Este é o resultado práctico do monopólio do negócio milionário do lixo na Península de Setúbal
Na Segunda-Feira passada, 22 de Abril, os trabalhadores da Amarsul, empresa pertencente ao grupo Empresa Geral de Fomento (EGF), decidiram avançar para uma greve de 48 horas nos dias 2 e 3 de Maio, anunciou o Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Transformadoras, Energia e Actividades do Ambiente do Sul (SITE Sul).
Segundo o mesmo sindicato, a decisão dos trabalhadores surge depois de “a administração, mais uma vez, ter feito uma actualização salarial que não repõe o poder de compra perdido devido ao brutal aumento do custo de vida”. A greve tem início às 00h00 de dia 2 e termina às 24h de 3 de Maio. Os trabalhadores marcaram também uma greve a todo o trabalho suplementar, entre as 00h00 de dia 2 e as 24h de dia 5 de Maio. Ainda de acordo com o sindicato, os trabalhadores têm também agendadas concentrações nas portarias da empresa, nos Ecoparques do Seixal e Palmela/Moita, a partir das 22h de dia 2 de Maio.
O sindicato explica em nota de imprensa que, em causa está não só “a reivindicação do aumento dos salários para todos os trabalhadores, mas também a exigência da atribuição e regulamentação de um subsídio de insalubridade, penosidade e risco, a redução do horário de trabalho para as 35 horas semanais faseada, a aplicação do período de 25 dias férias para todos os trabalhadores, e a melhoraria das condições de trabalho.”
Com actualizações salariais muito abaixo da taxa de inflação, os trabalhadores queixam-se de enfrentar “dificuldades que se acentuaram no actual contexto de elevado custo de vida, com os salários a não chegarem para as despesas mais elementares, como a alimentação, a saúde ou a habitação.”
Os trabalhadores exigem: aumento geral do salário e das prestações pecuniárias, para todos; pagamento do subsídio de refeição em dinheiro; direito ao subsídio de transporte; atribuição do subsídio de risco; valorização e atribuição de diuturnidades; direito a serem reclassificados na categoria profissional cujas funções diariamente executam; valorização das categorias e carreiras profissionais; negociação e actualização urgente de Acordos de Empresa, por forma a uniformizar as regras laborais; melhoria das condições de trabalho e o pleno respeito pelas normas de Segurança e Saúde no Trabalho.
A Amarsul é responsável pela recolha selectiva, triagem e tratamento de resíduos sólidos urbanos da totalidade da Península de Setúbal. Este sistema integra os nove municípios da região, Alcochete, Almada, Barreiro, Moita, Montijo, Palmela, Seixal, Sesimbra e Setúbal, servindo uma população de cerca de 800 mil habitantes, numa área total aproximada de 1.625 km2.

Autarquias CDU e PS divididas
Para além do descontentamento dos trabalhadores com os salários e condições de trabalho na Amarsul, também algumas autarquias da Península de Setúbal estão descontentes com o serviço de recolha de resíduos prestado pela empresa. As autarquias de gestão PS votaram a favor do seu Relatório e Contas referentes a 2023, as de gestão CDU votaram contra.
Em Março o município de Setúbal votou, em Assembleia Geral da Amarsul, contra o Relatório e Contas de 2023 da Amarsul, em contestação sobre o que diz ser a “fraca qualidade de serviço” da entidade e o “aumento abusivo do valor da tarifa cobrada pela empresa aos municípios”. Esta declaração de voto foi seguido pelos concelhos de Palmela, Seixal e Sesimbra, todos de gestão CDU. Os quatro municípios assinaram uma declaração de voto conjunta, explicando que esta é uma forma de se mostrarem contra o “aumento abusivo do valor da tarifa cobrada pela empresa aos municípios”, e que o serviço de recolha “tem vindo a piorar e muitas vezes não é prestado com o nível de qualidade exigível e adequado às populações, motivando a sua intervenção e assunção dos correspondentes encargos”, e que “as autarquias são constantemente confrontadas com o problema criado pela empresa concessionária”.
Entre as falhas do serviço apontadas por estes municípios à Amarsul, estão as periodicidades desajustadas na recolha de ecopontos e vidrões e deficiente limpeza da envolvente dos mesmos, a falta de capacidade em acompanhar a implementação de novos circuitos porta a porta, a incapacidade de resposta na recolha selectiva porta a porta dos comerciantes, a demora prolongada na manutenção dos contentores semienterrados e enterrados, e a falta de investimento em novos ecocentros.
“Não podia ser de outra forma. Está criado um quadro de insustentabilidade no sector dos resíduos, que ninguém quer admitir. A Amarsul foi uma empresa pública durante 17 anos, ao longo dos quais teve uma situação económica e financeira equilibrada. Não é a situação que se verifica hoje, ao mesmo tempo que a qualidade do serviço prestado ao cidadão está a baixar e as tarifas continuam a aumentar brutalmente. Não vamos compactuar com isto, porque no final é o munícipe que é prejudicado de todas as formas.”, declarou Carlos Rabaçal, vereador da Câmara Municipal de Setúbal (CMS) e Presidente dos Serviços Municipalizados de Setúbal (SMS), que representa o município na Assembleia Geral da Amarsul, explicando a decisão de voto. Recorde-se que a Amarsul foi privatizada pelo governo PSD-CDS.
A presidente da Câmara Municipal de Almada (CMA), Inês de Medeiros, manifestou-se vagamente várias vezes, em reuniões do munícipio e da Assembleia Municipal de Almada (AMA), contra a tarifa cobrada pela Amarsul à autarquia, que tem vindo a subir ao longo dos anos. No entanto, o município almadense votou a favor Relatório e Contas de 2023 da empresa, alinhando com todos os outros munícipios de gestão PS da Península de Setúbal. No final da cadeia de recolha de lixo sólido urbano estão as populações, às quais é cobrada a taxa da Amarsul na factura da água, que sofreu aumentos bastante significativos em 2023.
São muitos os munícipes que se queixam nas redes sociais e nas reuniões da autarquia e da AMA da sujidade do concelho de Almada, que atingiu proporções nunca antes vistas. Basta passear por qualquer freguesia do concelho para se constatar este facto a olho nu, e nem as matas e pinhais conseguem escapar a descargas ilegais de entulho. O concelho de Almada está sujo, é um facto inegável, com todas as consequências que isso acarreta a nível de saúde pública. Multiplicam-se as baratas, os ratos e outros infestantes que se alimentam do lixo. A população encontra-se exposta à sujidade do espaço público, paga a factura da recolha deficitária dos resíduos, e não vislumbra fiscalização nas descargas ilegais nas áreas protegidas do concelho.
Para dia 28 de Maio, está agendada a eleição para o próximo triénio dos órgãos sociais da Amarsul, e a escolha do edil montijense Nuno Canta (PS) para o cargo da sua direcção executiva, foi articulada e reuniu consenso entre os cinco municípios geridos pelo PS (Alcochete, Almada, Barreiro, Moita, e Montijo), segundo avançou o jornal O Setubalense.
O Grupo EGF, detido em 51% pela Mota Engil, da qual a Amarsul faz parte, trata e valoriza os resíduos de 6,2 milhões de pessoas em Portugal, através de 11 empresas concessionárias constituídas em parceria com 174 municípios servidos, que representam 60% do território nacional. Uma dessas empresas é a SUMA, com a qual a autarquia de Almada também tem estabelecido contratos ao longo do tempo, no que diz respeito à limpeza dos contentores do lixo e suas imediações. Estas empresas em conjunto processam anualmente cerca de 3,3 milhões de toneladas de resíduos urbanos, num valor anual estimado entre 60 a 70 milhões de euros. Os municípios fazem a recolha indiferenciada e entregam os resíduos às empresas da EGF. Um dos objectivos da EGF, segundo o seu CEO Emídio Pinheiro em entrevista ao Jornal de Negócios em 2023, “é ter um investimento acumulado em inovação de 25 milhões de euros até 2026.”
É este o retrato de um quase monopólio do negócio milionário do lixo a nível nacional, e do monopólio total por parte da Amarsul na Península de Setúbal.
actualização salarial, Almada, Amarsul, Autarquias, concessionária, Empresa Geral de Fomento, greve, insustentabilidade, Península de Setúbal, poder de compra, Recolha de Lixo, sector dos resíduos, sindicato, Site Sul, tarifa, trabalhadores
Pingback: Perturbações na recolha do lixo - Almada online