41º Festival de Almada – Teatro, música francesa, amor e dança
De 4 a 18 de Julho, dezanova espectáculos decorrem em oito palcos de Almada e Lisboa
O maior festival de teatro do país regressa sempre em Julho à cidade que o viu nascer, e de cujo adn faz parte. Este ano, para além do teatro, traz também no seu programa espectáculos de marionetas, música, dança, malabarismo e cabaret, em Almada e Lisboa. Há ainda exposições, música ao vivo e colóquios nas esplanadas da Escola D. António da Costa, um seminário com Jorge Vaz de Carvalho na Casa da Cerca, e formação em dramaturgia com o escritor Rui Cardoso Martins, no Salão das Carochas.
“Qual é a relação entre um espectáculo de marionetas e de cabaret, de Tchecov e malabarismo? Que relação é que estes espectáculos têm? E eu acho que estes espectáculos não têm nada em comum, a não ser a excelência e a paixão de quem os faz, e é isso que de alguma forma justifica eles cá estarem”, disse o director artístico do Festival de Almada e da Companhia de Teatro de Almada (CTA), Rodrigo Francisco, na apresentação do Festival no Convento dos Capuchos, na passada Sexta-Feira, 14 de Junho.
Na sua 41ª edição, o Festival apresenta 15 dias de cena teatral, à qual acorrem alguns dos criadores que marcaram as artes de palco nas últimas décadas, bem como um conjunto de artistas e companhias, portugueses e estrangeiros, determinantes na criação contemporânea.
O Teatro Municipal Joaquim Benite (TMJB), o Centro Cultural de Belém (CCB), a Escola D. António da Costa, o Fórum Romeu Correia, a Incrível Almadense, a Academia Almadense, e o Salão das Carochas, são os palcos onde o Festival vai decorrer.
Amor e música francesa
Olivier Py, que dirigiu entre 2013 e 2022 o Festival d’Avignon, traz consigo uma peça no qual incarna mais uma vez o seu alter ego das últimas três décadas, Miss Knife, com canções de amor e morte da sua autoria, misturando cabaret, music hall decadente e recital, acompanhadas ao piano pelo maestro S., que também canta. “E Agora, Miss Knife Tem Um Par…”, pode ser visto a 8 de Julho, no Palco Grande da Escola D. António da Costa. “Quis fazer alguma coisa com este sofrimento de ser homem. Sem cair nas macacadas da castração, quis desembaraçar-me dessa crença masculina de ser capaz de criar o desejo. E por isso transformei-me em mulher, em Miss Knife, que é uma criatura de sonhos em todos os sentidos do termo. Gosto dela, porque para mim ela representa todas as vidas de todas as figuras femininas que ao longo da minha carreira encontrei, admirei ou imaginei. A cada nova etapa da sua paixão aventurosa, um homem, uma canção, uma desilusão, uma gargalhada e um conhecimento mais próximo das coisas da vida, Miss Knife ganha novas formas.”, explica Olivier Py.

Do histórico teatro de Peter Brook, o Bouffes du Nord, chega “Sans Tambour”, que pode ser visto a 9 e 10 de Julho, na Sala Principal do TMJB. Esta é uma peça em que Samuel Achache, baseado nos Lieder de Schumann e reunindo um ensemble de cinco músicos, três actores e uma cantora lírica, fala de amor ou do seu fim. ‘Sem tambor’, é uma expressão francesa utilizada para descrever os exércitos em retirada, após uma derrota militar. Achache serve-se do célebre casal Tristão e Isolda para “destruir as canções de amor, que são veículo do desejo”, segundo diz um intérprete. Uma marreta pode muito bem interpretar a batida de um coração, devidamente integrada num ensemble de cordas e sopros.
Também a música, a célebre ópera Orfeu e Eurídice de Gluck, inspira “Où je vais la nuit”, a peça com que a jovem encenadora Jeanne Desobeaux encerra a edição deste ano do Festival, a 18 de Julho, na Escola D. António da Costa. Duas actrizes interpretam o mito trágico de Orfeu e Eurídice, acompanhadas por um versátil dueto de músicos que alternam entre o órgão e o piano, passando pelo violoncelo, o contrabaixo e o ukulélé, nunca renunciando por completo ao canto lírico. “Se são duas mulheres que cantam, então por que não assumir que são duas mulheres que se amam? Gostaria que neste espectáculo praticamente nem se desse pela presença da homossexualidade do nosso casal. E que ela pura e simplesmente existisse.”, diz Desobeaux.

O corpo e a dança
O coreógrafo sérvio Josef Nadj regressa a Almada com o mesmo ensemble de bailarinos africanos – provenientes do Mali, Senegal, Costa do Marfim, Burkina Faso e Congo – que apresentou em 2022 em “Omma”, desta vez com uma criação muito recente, que estreia a 24 de Junho em Montpellier. “Full Moon” sobe ao Palco Grande no dia 12 de Julho, na Escola D. António da Costa, e é a segunda parte do díptico iniciado em “Omma”. Em “Full Moon” a lua faz referência ao cosmos, à formação do Universo, à história que antecipa as origens da Humanidade. Associada à renovação e transformação, com o seu ciclo de 28 dias e quatro fases, a lua traz a esta peça uma espécie de estrutura rítmica, como uma pauta. “À medida que o trabalho para a criação de Full Moon se desenvolvia, surgiu-me a figura de uma marioneta. Ao mesmo tempo, cresceu em mim a vontade de estar no palco com os bailarinos, o que é normal, uma vez que participei directamente em todas as minhas peças, excepto em Omma. Então, acabei por assumir o papel dessa marioneta”, declarou Josef Nadj, em entrevista ao La Terrasse.
Pela primeira vez no Festival, Mathilde Monnier apresenta um espectáculo de dança que conta com a participação da actriz portuguesa Isabel Abreu, num elenco inteiramente feminino de seis nacionalidades diferentes. “Black Lights”, vai à cena dia 10, no Palco Grande da Escola D. António da Costa. A coreografia denuncia o assédio às mulheres, practicado nos mais variados contextos, a partir de um guião composto por textos biográficos realizados por 24 autoras, para a série televisiva H24, produzida pelo canal francês Arte. Mathilde Monnier escolheu nove desses textos para o espectáculo que apresenta em Almada. Fala-se do assédio no meio laboral, desportivo, cultural, e familiar. As oito intérpretes descrevem perseguições em plena rua; mãos que tocam onde não devem; piropos desnecessários; e a forma como aprenderam a sorrir quando lhe dizem que são bonitas, para não parecerem mal-educadas. “Os homens são mesmo assim – isso não é nada”, ouviram vezes sem conta. Só que é. “Eu não me coloco num lugar de reivindicação feminista pura. Trabalho, isso sim, sobre textos feministas. A força e a legitimidade da nossa representação é um lugar onde há ainda muito por fazer. As mulheres ainda precisam de voz. Estes monólogos não são apenas reivindicativos e políticos – são, de alguma forma, também desesperados.”, explica Monnier.

O colectivo inglês Gandini Juggling mistura o malabarismo com o teatro e a dança, trazendo uma “carta de amor” ao célebre coreógrafo norte-americano Merce Cunningham, com “LIFE Event No.3”, dia 16, no Palco Grande da Escola Secundária D. António da Costa. Os intérpretes deste espectáculo são como peças
de uma engrenagem que é maior do que o seu conjunto, um mecanismo que dança com um ritmo visível, como nalgumas das peças de Cunningham.
Os Clássicos
Do Festival fazem também parte nomes e textos históricos do teatro mundial.
“La tempesta” de Shakespeare, último projecto de tradução de Eduardo De Filippo, empresta as vozes às marionetas da histórica companhia milanesa Carlo Colla e Figli, cujas origens remontam ao século XVIII. Quando passam quatro décadas sobre o desaparecimento de De Filippo, essa criação original é agora reposta, com a força poética que demonstra a dimensão popular do universo shakespeareano, e que pode ser vista a 6 e 7 de Julho, no Fórum Romeu Correia. Neste espectáculo, participam 12 marionetistas que manipulam mais de 150 marionetas que são verdadeiras esculturas, criando um mundo encantado de cores, sons, alegorias e simbologias. As personagens são espíritos, duendes, borboletas e animais vários, que num deambular contínuo se procuram a si mesmos e às suas catarses.
Dois grandes Mestres da cena internacional voltaram a encontrar-se para criar um espectáculo, passados
mais de 40 anos desde a sua primeira aventura conjunta. “Relative calm” foi criado originalmente por Robert Wilson e Lucinda Childs em 1981. Em 2021, com os teatros fechados devido à pandemia, os dois ‘monstros sagrados’ recolheram-se em Toulouse para realizar uma nova versão desta peça de dança. Visitando ambientes musicais tão distintos quanto os de Jon Gibson (Rise), Igor Stravinsky (Pulcinella suite), e John Adams (Light over water), em “Relative calm” a dupla norte-americana cria uma verdadeira máquina hipnótica assente no movimento, no som e na luz, que pode ser vista nos dias 12 e 13 de Julho, no Grande Auditório do Centro Cultural de Belém (CCB). Robert Wilson explica que Stravinsky “pertence a um mundo muito diferente do meu, o que o torna estruturalmente interessante para mim. Respeito-o, mas enceno-o à minha maneira. Relative Calm está construído como um relógio, que mede o tempo e a sucessão das horas. É como apreciar um pôr-do-sol: cada instante é diferente”. Segundo Childs, “combina o velho com o novo”, reunindo música, arte visual, teatro e dança. O cenário, a luz e a encenação são assinados por Wilson, e a coreografia, interpretada por 12 bailarinos da companhia romana MP3 Dance Project, é de Childs.

O decano encenador alemão Peter Stein apresenta-se em Almada pela sexta vez, em co-produção com o Teatro Biondo di Palermo. “Não me interessa a modernidade: prefiro pôr em cena a natureza humana”. É desta forma que Stein justifica o seu interesse pelas três comédias em um acto de Anton Tchecov, que resolveu agora dirigir. “Crises de nervos – três actos únicos de Tchecov”, estará em cena dia 13, no TMJB. Para o encenador, neste espectáculo a direcção de actores situa-se entre o universo grotesco e o psicológico. “Mesmo tendo escrito situações paradoxais e farsescas, a escrita destas três peças de Tchecov é sempre muito intensa. (…) O título que encontrei para este espectáculo – Crises de nervos – vem daí: os nervos das personagens destas três histórias estão practicamente despedaçados, devido aos problemas que lhes surgem. O grotesco faz parte da trama, mas a representação tem de ser absolutamente realista, ou então o contexto em que estas histórias decorrem acaba por não surgir.”
Os Contemporâneos
A dupla Inês Barahona / Miguel Fragata e a sua Formiga Atómica regressam ao Palco Grande da Escola D. António da Costa, dia 4 de Julho, acompanhados por Manuela Azevedo e Helder Gonçalves, dos Clã. Desta vez alertam para a urgência climática com “Terminal (O estado do Mundo)”, resultado de uma pesquisa sobre o tema. “A história de Terminal (O Estado do Mundo)” começa em 2021, quando a companhia Formiga Atómica, fundada por Inês Barahona e Miguel Fragata se aventurou com “O Estado do Mundo (Quando Acordas)”, a primeira parte deste díptico em torno da crise climática. O novo espectáculo destina-se a adultos, ao contrário do seu antecessor, feito para o público infantil. “Quatro actores e dois músicos vêem-se colocados num terminal, numa encruzilhada, que tanto é o teatro como é o mundo lá fora”, explicou Inês Barahona ao Público. “Não sabem como sair dali, o que é precisamente aquilo que acho que sentimos todos os dias em relação à crise climática. A narrativa constrói-se toda a partir dessa opressão.”

No ano em que se comemora o cinquentenário do 25 de Abril, Ricardo Simões revisita uma peça que criara a partir do livro de memórias de Salgueiro Maia, e faz um espectáculo sobre a experiência de ter interpretado o texto “Salgueiro Maia: Cartografia de um monólogo”. A peça pode ser vista nos dias 7 e 9 de Julho, na Academia Almadense. Em 2014, para assinalar os 40 anos da Revolução dos Cravos, o Centro Dramático de Viana estreou 25A74, com dramaturgia e interpretação de Ricardo Simões, a partir do livro de memórias de Salgueiro Maia, “Capitão de Abril – Crónicas do Ultramar e do 25 de Abril”. Nesse volume, Fernando José Salgueiro Maia relata a experiência da Guerra Colonial, onde comandou a 9.ª Companhia de Comandos, “Os fantasmas’” na Guiné. De alguma forma, sente-se nas suas descrições da guerra e das suas iniquidades o germinar do sentimento de revolta que viria a culminar anos depois na metrópole, na madrugada de 25 de Abril de 1974. A descrição de alguns dos seus camaradas mortos em combate termina com o seguinte desabafo: “Não entendo”. O que está agora em causa em “Salgueiro Maia: Cartografia de um monólogo”, é uma forma de autoficção teatral: contar a história das representações desses espectáculo, que foi sendo apresentado um pouco por todo o País e no estrangeiro. Desde ex-combatentes que se sentiram mal durante a representação, ou uma actuação em São Paulo, com uma réplica do bacamarte do Pirata das Caraíbas a fazer as vezes de adereço cénico, ou o pavor de um dos técnicos, receando a recepção da peça por parte do “exigente público de Almada”, de tudo um pouco aconteceu durante a carreira dessa criação original. Mas o que terá estado na origem desta revisitação, em forma de cartografia, foi a reacção do público, no final das representações.
Tiago Rodrigues e Tónan Quito, apresentam “Entrelinhas”, de 13 a 15 de Julho, no Salão de Festas da Incrível Almadense. Esta é uma peça que cruza a verdade com a ficção, versa sobre uma estreia que nunca chegou a acontecer, e sobre a fragilidade da Arte. O espectáculo que seria apresentado em todo o lado, menos numa sala tradicional de teatro, é a história do livro “O Rei Édipo” de Sófocles, e de uma carta que um recluso do Estabelecimento Prisional de Lisboa um dia escreveu à mãe, literalmente nas entrelinhas desse livro, confessando-lhe as razões de ter matado o pai. Sozinho em cena, Tónan Quito não precisa de cenário, e practicamente dispensa adereços, para contar a história de um espectáculo, aquele em que está, que nunca chegou a acontecer. Tiago Rodrigues, que gosta de escrever os textos das suas peças à medida que decorrem os ensaios com os actores, desta vez ter-se-á atrasado com a entrega do texto mais do que o habitual, e o espectáculo não aconteceu. “Entrelinhas” tem uma versão em francês e outra em inglês, tendo-se apresentado em vários países desde 2015.
“Manuela Rey Is In Da House”, é um projecto conjunto do Centro Dramático Galego, do Teatro Nacional D. Maria II, do Teatro Nacional São João e do Centro Dramático de Viana, em que Fran Nuñez homenageia a actriz galega que realizou e finalizou a sua carreira no teatro fundado por Almeida Garrett, cuja memória estava até agora, apagada pela História. Tudo começou no Norte da Galiza, num lugar perdido de Mondonhedo, a 1 de outubro de 1842. Aí nasceu Manuela Rey, que, em circunstâncias ainda não inteiramente esclarecidas, emigrou muito jovem para Portugal, tendo-se tornado numa das actrizes mais célebres do seu tempo. Estreou-se aos 15 anos no Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, naquele que foi o primeiro acto de uma carreira fulgurante, interrompida pela morte precoce em 1866, aos 23 anos. No livro “Vinte anos de vida literária”, Alberto Pimentel recorda a actriz na sua passagem pelo Teatro São João: “Um querubim de asas brancas e cabelo loiro.” A história fabulosa e vagamente enigmática dessa actriz e escritora, é agora recuperada, na peça “Manuela Rey Is In Da House”, com encenação e dramaturgia de Fran Núñez. Uma espécie de regresso triunfal de Manuela Rey aos palcos, que pode ser vista no Palco Grande da Escola D. António da Costa, a 14 de Julho.

Teatro nacional
A Companhia de Teatro de Almada repõe “Além da dor”, que venceu o Prémio de Melhor Espectáculo do Ano de 2022, atribuído pela Sociedade Portuguesa de Autores, a 6, 14, 15 e 17 de Julho, no TMJB. Esta peça de Alexander Zeldin, com um humor negro e uma honestidade brutal, foi escrita colectivamente pelos seus actores, e expõe as histórias de uma classe invisível. Estreada em Março de 2022, com tradução de Margarida Vale de Gato e encenação de Rodrigo Francisco, foi a primeira e única vez que a peça de Zeldin foi dirigida por alguém que não o próprio.
O Teatro O Bando, que em 2024 celebra 50 anos de existência, a Companhia Olga Roriz, e a Banda Sinfónica Portuguesa apresentam “1001 noites– Irmã Palestina”, no dia 6, no Palco Grande da Escola D. António da Costa. Sob direcção artística conjunta de Olga Roriz e João Brites, a cena é tomada por oito actores e bailarinos que representam numerosas personagens, entre as quais Xariar, Xerazade e Doniazade, esta última representada por Maria Dally, uma bailarina palestiniana. Em cena, o teatro, a dança e a música unem-se numa incursão pela antologia das histórias preservadas na ancestral tradição oral, que se tornou numa das mais importantes obras da literatura. Olga Roriz e João Brites procuram em conjunto as verdades que se escondem nas ficções, e as ilusões que enevoam a realidade, procurando aceitar que num mundo tão dividido e com tantos pontos de vista, a dúvida e a indagação podem ainda constituir lugares de reconhecimento e de encontro.

Os Artistas Unidos trazem ao Forum Romeu Correia a 11, 15 e 17 de Julho, “Remédio”, do irlandês Enda Walsh, cujo reportório têm visitado numerosas vezes. Esta é uma peça, com encenação de António Simão, na qual uma outra peça é usada para fins de tortura. No final, o abatimento de John Kane, a personagem principal que se encontra internada numa instituição psiquiátrica, parece tão familiar como uma dor fantasma. Pode ainda estar dentro das quatro tristes paredes onde começou, mas a peça de Walsh transforma o espaço de isolamento num de empatia. Alguma ligação humana é o melhor remédio que alguém pode pedir.
O Teatro do Bairro / Ar de Filmes, leva à Sala Principal do TMJB no dia 17, a “Mãe Coragem”, protagonizada por Maria João Luís, e encenada por António Pires, é considerada por muitos como a mais representativa obra de Bertolt Brecht. Escrita em 1939 durante o exílio do dramaturgo, que, fugindo ao nazismo deixou a Alemanha em vésperas do início da II Guerra Mundial, o texto é uma crítica à guerra e ao conformismo, bem como uma radiografia ao conflito, demasiado humano, entre a moral e a necessidade de sobrevivência. Anna Fierling, a “Mãe Coragem”, é uma vendedora ambulante que atravessa os campos onde se trava a guerra, arrastando uma carroça de mercadorias na companhia dos seus três filhos. Ao mesmo tempo que os tenta proteger do conflito armado, para sobreviver, Anna vai fazendo escolhas eticamente questionáveis, não se abstendo de entrar em conluios com negócios reprováveis, acabando por pôr em risco a vida da sua própria família. No final, o resultado das suas acções acaba por revelar-se bem amargo.

No dia 5 de Julho, também na Sala do Principal do TMJB, as Causas Comuns retomam “Fonte da Raiva”, que Cucha Carvalheiro escreveu e dirigiu a partir de “Danças a um deus pagão”, de Brian Friel. Amélia, uma mulher filha de mãe branca e pai negro, regressa às ruínas da casa onde nasceu, em Fonte da Raiva, uma das aldeias mais pobres de Portugal, e evoca memórias do Verão de 1962, o Verão de todas as
mudanças. O império português, desde a queda de Goa, ao assalto ao Santa Maria e ao início da Guerra Colonial, iniciara a sua lenta agonia no ano anterior. Em Portugal continental, a emigração em massa e o recrutamento de homens para a guerra, faz com que o trabalho nas fábricas seja assegurado maioritariamente por mulheres. Muitas noivas ficam por casar. Na telefonia acabada de adquirir, a mãe de Amélia e as suas quatro tias cantam e dançam ao som das melodias que lhes chegam de Lisboa, e ouvem as mensagens dos soldados em África no programa “Hora da saudade”. Presente e passado convivem, numa tentativa de refazer memórias felizes, que escondiam tempos sombrios. A peça foi considerada um dos dez melhores espectáculos de 2023 pelo jornal Expresso.
Espectáculo de Honra
O Espectáculo de Honra 2024, votado pelo público no ano passado para regressar nesta edição, é “Jogging”, da actriz e encenadora libanesa Hanane Hajj Ali, que estará em em cena de 5 a 7 de Julho, na Incrível Almadense. A autora descreve a peça como um “texto bastardo cuja apresentação nas salas de
espectáculos convencionais a censura do meu país não autorizaria, devido aos temas que levanta: fala, entre outras coisas, de mulheres que mataram os próprios filhos”. A ideia para esta criação surgiu-lhe em 2012, durante as suas sessões de jogging pré-matinais, numa altura em que vivia obcecada pela figura de Medeia. “Como é que uma mulher pode assassinar os próprios filhos? Não pode, claro”. Até que um dia é diagnosticado um cancro ao seu filho mais novo. Hanane teve então um sonho em que o asfixiava, para o salvar. Despertou, sobressaltada. Mas esse sonho não mais a largou durante as suas corridas por Beirute, com a cidade ainda meio adormecida.
Homenagem – A Barraca
Em ano de celebrações do cinquentenário do 25 de Abril, o Festival escolheu homenagear o teatro A Barraca, uma das companhias históricas do teatro independente português, que tanto contribuiu com o seu trabalho para a disseminação da democracia e da liberdade em Portugal.
A Barraca foi fundada em 1976, com a peça “A cidade dourada”, iniciando um percurso bastante marcado pela busca de um teatro iminentemente popular. O grupo apostou desde cedo na itinerância nacional e internacional, visitando países na Europa, África, Ásia, e América do Norte e do Sul.
Das várias distinções que recebeu, destaca-se o prémio UNESCO da Expo Sevilha 92, para melhor actriz, atribuído a Maria do Céu Guerra no espectáculo “O pranto de Maria Parda”, de Gil Vicente. A Barraca foi também premiada pelo Festival de Sitges, pelo Festival de Bogotá, e pelo Instituto Internacional de Teatro, em Santiago do Chile.
Privilegiando a dramaturgia portuguesa, esta companhia definiu-se desde cedo como “um grupo que é testemunho e parte activa do seu país e da sua época”. No entanto, o reportório internacional, tanto clássico como contemporâneo, tem também feito parte do seu percurso. Para além de ter estreado em absoluto em Portugal autores como Dario Fo, Mrozeck e Augusto Boal, a Barraca tem levado à cena peças de Molière, Sófocles, Brecht, Fassbinder, Woody Allen, Roland Topor, Ben Hecht, Gogol, Tennessee Williams, Bernard Shaw, entre muitos outros dramaturgos.
A instalação de José Manuel Castanheira “Um sonho de Federico García Lorca em Lisboa”, patente na Escola António da Costa de 4 a 18 de Julho, celebra a história da Barraca, fundada ainda na sequência da Revolução do 25 de Abril.

A Companhia de Teatro de Almada inaugura, em colaboração com o Arquivo Ephemera, a exposição documental “25 de Abril: Os dias, as pessoas e os símbolos”, patente ao público no foyer e na galeria do TMJB de 5 a 18 de Julho. Esta é a terceira de um conjunto de quatro exposições dedicadas nesta temporada da CTA à Revolução dos Cravos. A documentação esteve a cargo de José Pacheco Pereira e Carlos Simões Nuno, e a concepção plástica é de José Manuel Castanheira.
Organizada pelo Museu Nacional do Teatro e da Dança (MNTD), com curadoria de Nuno Costa Moura, a exposição documental “Liberdade! Liberdade! A Revolução no Teatro”, estará patente ao público de 4 a 18 de Julho na Sala Polivalente da Escola D. António da Costa. A exposição fará itinerância pelo País na segunda metade do ano e em 2025, mostrando como nos palcos também se fez o 25 de Abril.
A Pintora Ilda David, autora da imagem do cartaz desta edição do Festival, terá a exposição “Quando soubermos ouvir as árvores” patente ao público até 14 de Setembro, no Convento dos Capuchos,
O escritor Rui Cardoso Martins é quem dirige a 11.ª edição da formação “O sentido dos Mestres”, entre 8 e 12 de Julho no Salão das Carochas, este ano dedicada à dramaturgia. Haverá um ciclo de dez colóquios, na esplanada da Escola D. António da Costa, entre alguns dos criadores presentes em Almada e o público do Festival; Jorge Vaz de Carvalho moderará um seminário dedicado ao tema “Criação, ideologia, identidade”. Todos os dias, ao final da tarde na esplanada, há concertos de música ao vivo, com entrada livre.
Pode aceder ao programa completo do Festival de Almada aqui.
As Assinaturas; que dão entrada em todos os espectáculos, podem ser adquiridas em ctalmada.pt, na bilheteira do Teatro Municipal Joaquim Benite, ou nas lojas FNAC; têm o valor de 90€ (72€ para os membros do Clube de Amigos do Teatro Municipal Joaquim Benite).
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