Moradores de Penajóia pedem plano de realojamento
"Cerca de 160 agregados familiares, num total de 350 pessoas" exigem diálogo, envolvimento, preservação da sua dignidade e direitos fundamentais
Os moradores do bairro Penajóia, no Monte da Caparica, pedem diálogo ao Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU) e à Câmara Municipal de Almada (CMA), para que evitem demolir o bairro sem que tenham alternativas de habitação, não preservando a sua dignidade e direitos fundamentais. Lamentam também a falta de transparência no processo em curso.
O Penajóia é um “bairro autoconstruído, num terreno abandonado há décadas, propriedade do IHRU, que desde a pandemia cresceu ainda mais para albergar muitas famílias que ficaram sem quaisquer alternativas habitacionais”. De acordo com o comunicado enviado às redacções pelas associações e colectivos solidários com o Penajóia, há “cerca de 160 agregados familiares a morar no bairro, num total de 350 pessoas”. “Entre eles, encontram-se muitos menores (cerca de 60 crianças, seis bebés recém-nascidos, 17 adolescentes) e mais de 20 pessoas idosas, doentes crónicos e mulheres grávidas.”
O IHRU afixou a 12 de Junho editais no bairro, nos quais informa a sua intenção proceder, a partir do dia 10 de Julho, à “remoção de construções, bens, produtos ou outros resíduos dos terrenos” onde se ergue o bairro, do qual é proprietário. O edital foi afixado “nas paredes e sem qualquer diálogo.”, segundo o mesmo comunicado.
O edital do IHRU, ao qual o Almada Online teve acesso, afirma que “o IHRU detectou a existência de material combustível e de situações de ocupação ou de utilização não autorizada” dos imóveis “por desconhecidos, pelo que irá limpá-lo no mês de Julho de 2024, e remover quaisquer bens, produtos, ou resíduos nele existentes e ou incorporados”. Esta é considerada uma decisão com carácter urgente pelo Instituto, fundamentada pelas “condições climatéricas existentes, a proximidade de edificações, a obrigatoriedade de gestão de combustíveis e a responsabilidade do IHRU, em manter o seu património imobiliário em condições que assegurem a salvaguarda dos seus interesses, bem como os de ordem pública”. É ainda apontado o dia 10 de Julho “para os possíveis interessados que tenham, sem a devida autorização do IHRU, no terreno bens, produtos ou resíduos”, os removerem. “A sua manutenção irá ser entendida como uma declaração inequívoca de que aqueles não têm dono ou de que estão abandonados, tendo o IHRU, o direito de lhe dar o destino mais apropriado em função da sua natureza e da preservação ou reposição da legalidade e das necessárias condições de salubridade e segurança.”
As associações e colectivos solidários com o Penajóia revelam ter feito “inúmeros pedidos de esclarecimento e de diálogo” ao longo das últimas duas semanas, sem que tenham tido qualquer resposta ou esclarecimento por parte do IHRU. Consideram que o edital, “alegando questões de segurança pública e salubridade, parece representar um mecanismo através do qual o IHRU pretende promover a expulsão violenta da comunidade de habitantes, livrando-se da responsabilidade pública pelo destino dessas famílias”.
Além do edital do IHRU, também a Câmara Municipal de Almada activou o serviço de fiscalização para fazer o levantamento dos fogos habitados. “Os moradores desconhecem os dados do levantamento, assim como o conteúdo das conversas entre as instituições e querem ser envolvidos na discussão, uma vez que são parte interessada, e é a vida destes que está em jogo”. De acordo com o mesmo comunicado, foi cortado o acesso à água a parte da população do bairro, o que consideram ser “um atentado a uma necessidade e direito fundamental”.
As associações e colectivos – Vida Justa, Kau Claro, Torre Amiga, Associação de Moradores do Bairro Zambujal, Femafro, Colectivo Mulheres Negras Escurecidas, Lisboa Invisível, Associação Inquilinos Lisbonenses e Porta a Porta – defendem que “o que deveria acontecer, de acordo com as orientações do direito internacional, era que o Estado prevenisse demolições e despejos que resultem na falta de habitação e os planos para as comunidades fossem desenvolvidos e implementados em consulta com as populações afectadas, incluindo princípios fundamentais dos direitos humanos, como a segurança da posse, a relocalização in situ, o acesso a serviços básicos, incluindo água, saneamento e electricidade, a acessibilidade dos preços e condições de vida dignas.”
Os moradores consideram “lamentável a falta de diálogo do IHRU” e a “falta de transparência em relação aos relatórios técnicos e levantamentos que a Câmara Municipal de Almada tem estado a efectuar ao longo dos últimos dois meses”, denunciando a falta de um plano de realojamento, que “não parece estar na ordem do dia ou, pelo menos, não é do conhecimento dos moradores”.
“Isto é inaceitável, uma vez que a situação é conhecida há muito, tal como são conhecidos os riscos e carências das muitas famílias que moram no bairro”, acusam os moradores. “Será que as instituições estatais vão fazer mais uma intervenção rápida e selvagem, deixando pessoas na rua? Se a segurança das pessoas é o que importa, precisamos de um plano de realojamento transparente e do diálogo e participação dos moradores, uma vez que a vida destas pessoas não é de natureza diferente da de qualquer outro de nós”, pode ainda ler-se no comunicado.
Assim, os moradores em risco de despejo exigem ao IHRU e à CMA que não avancem com “demolições violentas e sem alternativa”; que “procedam ao diálogo com a população residente no bairro Penajóia, reunindo com a comissão dos moradores e organizações que as apoiam” e “procedam ao apuramento sério da situação social das famílias, encontrem soluções dignas de acesso à habitação adequada e de acordo com as necessidades da comunidade, tendo em conta, igualmente, a existência de crianças e a necessidade de acautelar a sua estabilidade”. Os colectivos evocam ainda a a Lei de Bases da Habitação, Artigo 13º, nº 4, onde se pdoe ler que, “o Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais não podem promover o despejo administrativo de indivíduos ou famílias vulneráveis sem garantir previamente soluções de realojamento, nos termos definidos na lei”.
“Perante as ameaças de demolições iminentes, e despejos sem soluções adequadas”, os moradores do Penajóia vão, nesta Quinta-Feira 27 de Junho, pedir esclarecimentos à Assembleia Municipal de Almada (AMA) sobre o processo de demolições e despejos previstos para o dia 10 de Julho.
A Assembleia Municipal de Almada reúne-se nos dias 27 e 28 de Junho, a partir das 21h, no Clube de Instrução e Recreio do Laranjeiro (CIRL), e as associações e colectivos solidários com o bairro Penajóia apelam à participação dos moradores e da população em geral, numa concentração frente ao local onde irá decorrer a reunião.

Posição da CMA
Em comunicado enviado às redacções a 12 de Junho, intitulado “Câmara Municipal de Almada zela pela habitação digna e legal no seu território”, o executivo almadense declarou que “nos últimos meses todos temos assistido atónitos à construção de um aglomerado de génese ilegal em Penajóia. O proprietário das parcelas de terreno em que estas construções estão a decorrer é o IHRU, pelo que desde o primeiro momento notificou a CMA esta entidade para o facto.”
“Após a realização de várias reuniões promovidas pela CMA e de se proceder à notificação formal do IHRU, esta Câmara Municipal congratula-se com aquele que é o primeiro passo para a resolução deste problema através da afixação de editais, no decurso da tarde de ontem, pelo IHRU.”, esclareceu a CMA.
“A CMA lamenta a demora na concretização deste procedimento, imprescindível para garantir a legalidade de qualquer actuação futura, mas acredita que esta primeira etapa permitirá a resolução referida por parte do IHRU dos problemas sociais que entretanto se avolumaram.”, pode ainda ler-se no mesmo comunicado.
Diz ainda o executivo PS que “a CMA continuará a acompanhar de perto este processo e aproveita para agradecer a colaboração de todas as entidades e forças de segurança envolvidas e que também marcaram presença na colocação dos referidos editais.”
Na reunião da CMA de 17 de Junho, o executivo foi questionado sobre o bairro da Penajóia, pela vereadora da CDU, Helena Azinhera, que afirmou que “o IHRU afixou editais em Penajóia, a CMA emitiu um comunicado que os vereadores da CDU repudiam nos termos em que é feito”. A vereadora perguntou ainda se “a CMA já tomou as medidas necessárias à salvaguarda do direito à habitação destas pessoas?”
Francisca Parreira, vereadora do PS que detém o pelouro da Proteção Civil afimou que ” a responsabilidade é do IHRU. A CMA fez o que lhe cumpria no seu território. As pessoas merecem protecção, estamos todos preocupados com os bairros de génese ilegal. O serviço de fiscalização municipal identificou os agregados, as parcelas, a sua propriedade e notificou o IHRU, para que conforme lhe cumpre pudesse acautelar o não crescimento e acompanhar as famílias ali sediadas. Foi notificado várias vezes. Reuniu com o IHRU mantendo que o encaminhamento e demolição é da sua responsabilidade. O IHRU notificou as pessoas, e deve acautelar o acompanhamento dessas pessoas e o seu realojamento, tem um parque grande no concelho, para que se garanta que não ficam as famílias sem retaguarda. É um dever do IHRU demolir e realojar. Não é responsabilidade da CMA. É responsabilidade um olhar atento e fiscalização do território, mas não é da sua responsabilidade realojar estas famílias.”
A vereadora Helena Azinheira insistiu “posso concluir que a cma não tem medidas para realojar estas pessoas a partir da data do edital.” Francisca Parreira foi peremptória, dizendo que “a CMA entende que não é da sua responsabilidade realojar estas pessoas mas sim do IHRU. Até que o IHRU ou as pessoas venham até nós dizer que não estão a ser acauteladas, é de responsabilidade do IHRU.”
A vice-presidente Teodolinda Silveira acrescentou que “perante casos concretos teremos de indagar todas as condições para realojamento que se fazem noutras situações. Temos de aguardar que o IHRU assuma as suas responsabilidades, e este tem até um parque habitacional no território maior que o da CMA.”
O Almada Online contactou o IHRU com questões sobre o bairro da Penajóia e as suas intenções para com os moradores e o território, mas não obteve resposta até ao momento da publicação desta notícia.
Actualização 28-06-2024 – Recebemos respostas às nossas questões por parte da Direcção de Estudos, Planeamento e Assessoria do IHRU, que transcrevemos abaixo.
“Informamos que todas as construções existentes no bairro em apreço, são de génese ilegal. Não é possível de apurar o número exato de famílias, uma vez que existe um fenómeno de mobilidade que impede essa correta contabilização. Percebe-se contudo que o número de famílias pode ascender a algumas dezenas.
Foram colocados editais em toda a área que abrange os terrenos propriedade do IHRU, sinalizando a necessidade de demolição e limpeza da zona, pelo que todas as famílias se consideram notificadas. Acresce que a operação em causa decorrerá por várias semanas permitindo assim acomodar o ritmo dos trabalhos com as possibilidades de desocupação da zona pelas famílias. Não está ainda definida a data de arranque dos trabalhos, contamos que sejam realizados durante o verão.
As entidades com responsabilidades na matéria terão de assegurar a existência de solução habitacional para as famílias, caso estas demonstrem não ter efetivamente alternativa. As soluções serão analisadas caso a caso.
Os terrenos terão o destino compatível com a sua afetação prevista no Plano Diretor Municipal que se encontra em revisão, sendo que alguns não têm aptidão habitacional.”
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