A fábrica de “enlatados” do Pragal

Na teoria, o comboio é a alternativa verde e sustentável ao automóvel. Na prática, é uma batalha de gladiadores modernos. Os tempos de espera estendem-se como o Tejo ao pôr do sol, e quando finalmente chega o comboio, a luta pelo espaço torna-se épica.

Bem-vindos à linha de produção mais eficiente de Portugal: a Fábrica de “Enlatados” do Pragal. Não produz sardinhas em lata, mas sim cidadãos à beira de um ataque de nervos. Todos os dias, milhares de almas desesperadas amontoam-se nos comboios da Fertagus, tentando atravessar o Tejo para chegar ao trabalho em Lisboa. Um ritual diário que combina o melhor do transporte público com o charme de uma lata de conservas – apertado, abafado e sem espaço para sequer mexer um dedo mindinho. 

A culpa? Ainda que muitos na sua “inocência”, e outros nem tanto, acusem a própria Fertagus, ignoram os verdadeiros culpados. E quem são? Ora, quem mais senão o ex-primeiro-ministro António Costa e o seu governo socialista (sem esquecer alguns dos autarcas da Área Metropolitana de Lisboa)! Saiu de cena, mas o legado continua – e como continua! Enquanto Costa posa para fotografias, encena o seu inglês em “palcos” europeus e escreve memórias, os portugueses que dependem da Fertagus escrevem queixas e compõem hinos de frustração em carruagens superlotados. 

Mas vejamos, na teoria, o comboio é a alternativa verde e sustentável ao automóvel. Na prática, é uma batalha de gladiadores modernos. Os tempos de espera estendem-se como o Tejo ao pôr do sol, e quando finalmente chega o comboio, a luta pelo espaço torna-se épica. Entre empurrões, palavrões e cotoveladas, consegue-se, com sorte, um pedaço de chão para os pés – e nada mais. Coçar o nariz? Nem pensar. 

“Ah, mas é só uma viagem de 15 minutos”, dizem, esquecendo que estes 15 minutos se transformam em 45 ou mais. E claro, 45 minutos de ginástica passiva e proximidade humana forçada. Enquanto isso, quem pode, escolhe o carro. Sim, o trânsito também é um inferno, mas pelo menos podem ligar o ar-condicionado e ouvir música sem levar com um sovaco alheio na cara. 

Resultado? Mais carros na ponte, mais emissões de carbono e mais filas intermináveis. Paga o utente e paga o planeta – enquanto o Estado assobia para o lado. 

Mas, para os que mesmo assim culpam o operador, deixo um detalhe delicioso: o contrato de concessão da Fertagus. Assinado com pompa e circunstância, mas esquecido quando chegou a hora de investir em mais comboios. O modelo de concessão, que devia servir o público, serve na verdade para justificar a falta de investimento em material circulante. Afinal, o Estado preferiu poupar agora e pagar depois – quem paga? Os utentes e, claro, o meio ambiente. Sim, a Fertagus não pode comprar material circulante. 

Enquanto os comboios envelhecem e o serviço se degrada, o canal de passagem na Ponte 25 de Abril continua a ser uma desculpa conveniente para não aumentar a frequência. E assim, a Fábrica de “Enlatados” do Pragal mantém a sua produção inalterada, garantindo um produto final consistentemente desconfortável. 

António Costa, o seu governo e grande parte dos autarcas da AML aumentaram a procura pelo transporte público com medidas como o passe Navegante. Uma excelente ideia, dirão alguns… se tivesse vindo acompanhada por investimento sério em infraestrutura e material circulante. Mas não. A oferta manteve-se estagnada, enquanto a procura explodiu. Resultado? Um sistema sobrecarregado e utentes tratados como gado a caminho do matadouro. 

Em suma, a mobilidade sustentável não pode ser um mito ou uma promessa eterna. Precisa de medidas concretas: mais comboios, horários mais frequentes e maior conforto. Melhor ainda, precisa de um mercado concorrencial que quebre monopólios e introduza a eficiência que só a competição pode trazer. Caso contrário, continuaremos sujeitos a concessões a uma empresa, que detém uma posição quase monopolista na Área Metropolitana de Lisboa. Esta concentração de poder limita a inovação, perpetua serviços ineficientes e deixa os utentes à mercê de decisões centralizadas e pouco responsivas. 

E o mais irónico? António Costa, Pedro Nuno Santos e Inês de Medeiros talvez nunca tenham enfrentado este aperto na Fertagus. Afinal, quem decide os transportes públicos em Portugal raramente os utiliza (exceto com toda uma entourage política e de comunicação social que toma conta de uma carruagem). Enquanto isso, quem os usa fica espremido entre a inércia política e as portas automáticas do comboio.

Valter Ferreira

Vogal IL Almada

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