A paradoxal decadência da Costa da Caparica: desafios e oportunidades (parte 2)
O fracasso no desenvolvimento da Costa da Caparica é justificado pela falta de uma perspetiva de longo prazo para promover o turismo e pelas ações ineficazes tomadas até agora pelo Estado e pela autarquia. Porque é que as boas intenções, nomeadamente o Programa Polis, falharam? O que podemos aprender com a experiência estrangeira? E como podemos traçar um plano de ação permanente para aproveitar as oportunidades à vista e dar um novo brilho à cidade?
As intenções de revitalizar a Costa da Caparica por completo não são recentes. O Programa Polis, criado no início dos anos 2000 com a finalidade de canalizar fundos nacionais e, principalmente, europeus (através do Quadro Comunitário de Apoio e do Fundo Social e de Desenvolvimento Regional), para promover um ordenamento territorial efetivo e o desenvolvimento sustentável de vários municípios portugueses, teve um impacto relevante e dotou a cidade com infraestruturas que outrora não existiam ou eram muito deficientes, como o paredão alargado, os esporões, mecanismos de proteção de dunas, o parque urbano (que desfez um bairro precário anteriormente existente, contribuindo para reduzir os problemas sociais que a freguesia enfrentava na altura), entre outras. Por outro lado, o modelo de financiamento altamente fragilizado e exposto às flutuações da atividade económica, os sucessivos bloqueios burocráticos da autarquia à ascensão da Costa a concelho e a fragmentação dos interesses das entidades envolvidas na gestão e regulação dos ativos públicos, como a Câmara Municipal de Almada (CMA), a Wemob, a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e, até 2013, a Sociedade Costapolis, descompensaram o progresso inicial e fizeram com que vários recursos fossem desperdiçados, condenando o programa ao fracasso.
De facto, dos sete planos de pormenor previstos, apenas se executaram dois: o plano das praias urbanas, que visava requalificar a oferta de acessos e equipamentos nas praias situadas na área habitada e que efetivamente foi conseguido; e o plano do jardim urbano, que apesar de ser utilizado para atividades de lazer, ajudar na qualidade do ambiente e abrigar anualmente o festival O Sol da Caparica, poderia ser melhor aproveitado.
Os outros cinco planos de pormenor – do Bairro do Campo de Bola, das praias de transição, da frente urbana e rural nascente, das praias equipadas e, principalmente, dos novos parques de campismo (que foi barrado pela ocupação indevida de terrenos por concecionários) – ou ficaram só no papel e não foram de todo implementados na prática, ou ainda estão em processo de elaboração, refletindo a ineficiência e não seriedade dos intervenientes no planeamento de soluções alcançáveis e a anteriormente referida ausência de uma perspetiva integrada a longo prazo.
O Polis é um caso clássico que prova as boas intenções dos poderes públicos em recuperar a Costa e outras localidades numa situação idêntica, mas que também reflete a falta de urgência, organização e realismo. Infelizmente não é o único exemplo, com os governos e, mais concretamente o Instituto do Turismo de Portugal (TdP), a terem de assumir parte da responsabilidade.
Em 2017, foi lançada a Estratégia Turismo 2027, um referencial para crescimento do setor com eixos de atuação concretos. Visava-se alcançar objetivos em 3 pilares a serem verificados passados 10 anos: no pilar económico, as metas de 80 milhões de dormidas anuais em território nacional e de 26 mil milhões de euros em receitas, que foram já ultrapassadas em 2024; no pilar social, a redução da taxa de sazonalidade para 33.5% não foi alcançada (35.2% em 2023) e não conseguimos concluir se o nível de habilitações secundárias e pós-secundárias duplicou desde 2017 como previsto, embora as perspetivas nesse sentido serem positivas; e no pilar ambiental, também não há evidências de que pelo menos 90% das empresas envolvidas no turismo já tenham adotado medidas de gestão eficiente dos recursos, das águas e dos resíduos.
O mais crítico, contudo, não são as metas em si, mas sim a falsa abrangência dos projetos daquela que deveria ser a instituição que mais promove o aproveitamento das características únicas de cada região do país, otimizando ativos diferenciadores e qualificadores como a cultura, o clima, a gastronomia e os vinhos.
No respetivo relatório do TdP, lê-se que a visão em 2017 era “afirmar o turismo como hub para o desenvolvimento económico, social e ambiental em todo o território, posicionando Portugal como um dos destinos turísticos mais competitivos e sustentáveis do mundo”. Com isto mostraram uma certa ambição, mas falharam redondamente pelo menos no que respeita “todo o território”, pois não apresentaram nenhuma solução específica para municípios promissores, nomeadamente para o concelho de Almada e para a Costa da Caparica, ignorando as suas potencialidades.
Em suma, foram apresentadas diversas metas para impulsionar o turismo em termos macro, assim como mecanismos para as alcançar, passando pela qualificação dos trabalhadores e pelo reforço da conectividade, mas a valorização do território e das suas comunidades ao detalhe ficou muito aquém do que se esperava.
Este ano o instituto apresentará o plano sucessor – a Estratégia Turismo 2035 – que esperemos que seja marcada por uma rutura na abordagem extremamente generalista e comercial adotada até agora e por um maior foco no investimento produtivo (em vez do consumo), na captação de capital, na competitividade das empresas do setor e na investigação de novas soluções, fomentando a criação de equipas de trabalho especializadas na investigação do que já foi feito noutras zonas idênticas. Tal como Bent Flyvbjerg refere no seu livro “How big things get done”, o sucesso dos projetos é alcançado através de uma combinação entre experiência (contratar pessoal que já esteve envolvido em desafios semelhantes e usar modelos que já foram prévia e corretamente aplicados) e experimentação (projetos bem-sucedidos implicam um histórico de tentativas-erro).
Batumi é um porto georgiano situado junto ao Mar Negro com algumas características em comum com a Costa da Caparica e que há relativamente pouco tempo passava por uma similar degradação e subutilização dos recursos disponíveis. O investimento nos setores ligados à procura turística, principalmente resorts e casinos (que atraem pessoas de países vizinhos onde as apostas e o jogo são alvo de restrições), foi reforçado nos últimos anos, aproveitando a vantagem de custos comparativamente a regiões concorrentes na Europa e oferecendo turismo de luxo a preços bastante acessíveis. Isto criou um polo de receitas para empresas e investidores tanto nacionais como internacionais, o que culminou em mais emprego e inovação. Nos últimos anos, o governo lançou um programa dividido em duas fases de capitalização (respetivamente, cerca de 161 e 322 milhões de euros a câmbios atuais) para renovar as infraestruturas de várias regiões e Batumi foi uma das principais abrangidas, passando a ver a sua linha costeira totalmente dinamizada. O modelo de financiamento teve um grande peso do Estado, mas contou também com uma componente forte de PPPs e de capital estrangeiro, sendo essencialmente conduzido pelo município. Adicionalmente, para reforçar a sua componente reputacional de impacto ambiental, a cidade foi integrada no quadro Green Cities do Banco Europeu para a Reconstrução e Desenvolvimento.
O caso de Sunny Beach na Bulgária é particularmente distinto, pois já era uma estância balnear reconhecida no leste europeu durante o período comunista, no qual experienciou um crescimento significativo em relação à maioria das regiões onde a estratégia era fortemente limitada pelo centralismo democrático e pelo monopólio público com controlo da oferta. O modelo de financiamento altamente dependente do Estado foi estruturalmente reformado nas últimas décadas, passando por uma vaga de privatizações que, de forma semelhante a Batumi, beneficiou de uma maior competitividade de preços em relação a muitas estâncias balneares concorrentes na Europa. Por outro lado, a rápida reorientação de política económica e o surgimento de um mercado livre elevou os riscos de desordenamento territorial, mas os poderes locais tomaram medidas para atenuar esse problema.
Para desenvolver uma estratégia de longo prazo para a Costa da Caparica, podemos pegar nestes exemplos e adaptá-los à nossa realidade. Enquanto em Batumi se verificou uma forte componente pública e em Sunny Beach uma forte componente privada, numa plena economia mista como é o caso da portuguesa, as fontes de financiamento devem ser balanceadas através de PPPs, procurando um apoio estatal efetivo, mas também criando condições para incentivar investidores privados nacionais e, particularmente internacionais a analisarem a viabilidade de possíveis projetos.
Apesar de Portugal já não ter a capacidade de competir por preços da mesma forma que países como a Bulgária ou a Geórgia, principalmente devido à crise imobiliária, continuamos a ter alguma vantagem face aos países da Europa Ocidental e possuímos uma série de características que atraem turistas estrangeiros. No caso específico da Costa da Caparica, a proximidade a uma das capitais mais visitadas da Europa, o clima mais ameno ao longo do ano e o surf são vantagens que Batumi e Sunny Beach não possuem e que podem fazer a diferença. O desafio das acessibilidades a partir do centro de Lisboa tenderá ainda a ser atenuado com a construção do túnel imerso Algés-Trafaria e com a expansão do metro de superfície.
Do lado do Estado e do TdP, a solução passa por, além de melhorar a abordagem adotada desde 2017, criar um conjunto de planos especializados para alguns municípios-chave que apresentam potencialidades, mas têm sido subvalorizados, incluindo o concelho de Almada.
Nesses planos, pode introduzir-se financiamento a taxas de juro bonificadas para as entidades privadas que decidirem investir um determinado montante num negócio que contribua para um aumento permanente do turismo na Costa da Caparica e criar um fundo público com dinheiro nacional e verbas europeias que providencie capital adicional às que se comprometerem a seguir práticas sustentáveis. Devem-se ainda estabelecer parcerias com outros Estados-Membros da UE para patrocinar e dar a conhecer as regiões de foco, alargando tanto o mercado como o leque de possíveis investidores particulares e institucionais.
Da parte da CMA, dadas as limitações do poder local, a linha de atuação passa por criar isenções parciais ao nível de impostos municipais, nomeadamente o IMI e o IMT, assim como canalizar as poupanças da população para investir em iniciativas públicas ou apoiar os eventuais projetos do setor privado. A verdade é que não existem muitos angel investors (1) portugueses, dispostos a fornecer facilmente uma boa parte do seu património líquido e o tecido empresarial português é essencialmente composto por micro e pequenas empresas (cerca de 98.2% do nº total de empresas em 2022, segundo dados do Banco de Portugal), com pouca capacidade de mobilizar capital sem entrarem em endividamento excessivo ou problemas de liquidez.
Porém, a poupança agregada líquida dos particulares é ainda significativa (2), o que juntamente com uma política de proximidade, pode ser canalizada para o investimento em renovação, ordenamento urbano e infraestrutura (no caso da iniciativa pública), e em novos empreendimentos (no caso da iniciativa privada). A emissão de obrigações municipais a taxas atrativas, juntamente com uma boa campanha de publicidade e adesão, pode resolver a escassez de capital disponível das empresas portuguesas, otimizando o proveito das poupanças individuais e até criando bases para o aumento da literacia financeira.
Desta forma, é possível reduzir as ineficiências nos planos de ação tomados até agora, rentabilizar capitais que não estão a contribuir para a economia e estabelecer um programa orientado para o longo prazo que incentive o investimento crónico na freguesia, captando benefícios que podem entrar num ciclo de feedback positivo e exponencial, o que apesar de poder criar uma pressão inflacionista adicional, tenderá direta ou indiretamente a reduzir o desemprego no setor do turismo (e outros associados), e os problemas sociais existentes, assim como a melhorar as qualificações dos trabalhadores e a trazer riqueza ou valor acrescentado para o concelho.

(1) Investidores particulares com elevado património líquido disponíveis para aplicá-lo em novos negócios ou projetos, em contrapartida de um retorno atrativo. Além do capital, eles costumam adicionar valor pelo conhecimento, competências e redes de contactos que possuem.
(2) A maioria dos portugueses não investe pelo menos uma parte significativa do seu dinheiro, optando por ativos sem risco e com liquidez elevada, ao contrário do que acontece noutros países. Isto é comprovado se analisarmos a liquidez relativa nas carteiras de ativos financeiros das famílias nos países da UE, com Portugal a aparecer em 7º lugar no ranking de Estados-Membros com a maior percentagem de moeda e depósitos, apresentando uma proporção próxima dos 50% (Eurostat, 2023).
Almada Online, Costa da Caparica, Crónica, Economia, Finanças, Opinião, Tiago Pereira