Almada | Jardim das Notícias e Alter_Mundo

A exposição estará patente ao público de 7 de Fevereiro a 19 de Abril, de Quartas a Sábados das 15h às 18h30 e durante as actividades programadas

O Teatro-Estúdio António Assunção (TEAA), inaugura a 7 de Fevereiro pelas 18h, a a exposição de desenho, pintura e colagem do almadense Rui Silvares “O Jardim das Notícias”. No mesmo local e hora, acontece também a apresentação do livro “Alter_Mundo”, de José Xavier Ezequiel, com ilustrações de Rui Silvares. A entrada é livre.

O nome da exposição é o título de uma das obras que dela fazem parte, sendo que todos os trabalhos expostos foram concebidos e executados por Rui Silvares na cidade de Almada, entre os anos de 2022 e 2024. São trabalhos com temáticas variadas e narrativas mais ou menos complexas, conforme a postura do observador.

“Já vi muitos cidadãos a engolir sapos. Uns gesticulam como marionetas e fazem estranhas caretas, outros vão largando impropérios incompreensíveis (pois quem consegue dizer algo que faça sentido com um sapo enfiado na boca?), outros ainda ficam hirtos como estátuas de mármore e vão metendo a coisa para dentro com ar de quem está aflito. A arte de engolir sapos não está ao alcance de qualquer um. Para engolir um sapo e manter uma pose elegante é preciso estar-se bem seguro de si. É preciso saber que o sapo será digerido e, fazendo fé absoluta na Lei de Lavoisier, perceber que o sapo será transformado em outra coisa. A arte de engolir sapos implica ir imaginando o futuro enquanto se mastiga o bicho. Depois, o futuro chega, o sapo foi comido e é já uma outra coisa. O mundo não pára.”, pode ler-se na folha de sala da exposição.

Rui Silvares descreve o seu processo criativo e as suas obras da seguinte forma: “Quando desenho sei que penso nos intrincados relevos românicos, no brutal preto e branco de Muñoz e Sampayo, na voz planante de Lou Reed, nas iluminuras do Apocalipse do Lorvão, na lata incontrolável de Picasso, no delírio grotesco de Bosch, na poesia punk dos Clash, na inventividade camaleónica de Bowie, na ironia magnífica de Stanislaw Lem, na áspera grandeza de Paula Rego, no lirismo romântico de William Blake, nos corredores obscuros dos Pop Dell’arte, no traço desengonçado de Joan Sfar, nas manchas de Goya, nos fantasmas de Goya, em Goya…É na hibridização anárquica de influências e acasos que nascem os meus desenhos. Talvez por isso sejam brutescos.”

©Rui Silvares / Brutescos, é como Rui Silvares caracteriza os seus desenhos.

O livro “Alter_Mundo”, da autoria de José Xavier Exequiel, é uma aventura Tech Noir com ilustrações de Rui Silvares, da Editora Arranha-céus. O livro fala sobre uma rede que começou a expandir-se, “ainda não há meia dúzia de décadas, toda a gente desatou a pensar — Eis um novo caminho para a Liberdade. O problema é que a Liberdade tem sempre um preço. Na volúpia do momento parece que decidimos ignorar, outra vez, que as utopias tendem, quase sempre, a transformar-se em distopias. E esta move-se. Depressa. Autodeterminou-se, autogerou vida independente, apropriou-se dos meios, definiu os seus próprios fins, criou as suas próprias leis.”, pode ler-se no seu texto de apresentação.

“Esta é uma nova ordem tão pouco urbana que um visionário canadiano com inegável sentido de humor lhe chamou — Aldeia Global”. Se tudo o resto poderá ser uma alegoria do presente e de um futuro high tech, a menção ao filófoso canadiano Herbert Marshall McLuhan é directa. McLuhan é considerado o primeiro filósofo que abordou as transformações sociais provocadas pela revolução tecnológica do computador e das telecomunicações. Segundo ele, enquanto a imprensa nos destribalizou, os meios electrónicos estão a “retribalizar-nos”. De acordo com esta visão, estes meios estão a reconstituir uma tradição oral, pondo todos os nossos sentidos humanos em jogo. É sobre a distopia resultante desta revolução levada ao extremo, que trata este livro, que chama à rede “uma teia ninfomaníaca, onde ver é ser visto” é o objectivo principal, e onde “practicamente tudo se processa e se compra e se vende e se devolve e se recompra e por fim novamente se recicla. Bolachas sem glúten. Cannabis sem sementes. Sexo sem álcool. Crédito sem juros. Chocolate sem calorias. E cem milhões por minuto de exuberantes operações especulativas nos irracionais mercados de futuros.”

José Xavier Ezequiel (Luanda, 1962). Depois de muitas intermitências, licenciou-se na Faculdade de Direito de Lisboa. Ao serviço da Pátria, gastou dezoito meses na infantaria e outros quatro longos anos como funcionário público. Em busca de uma vocação tardia, desde 1991 trabalhou na publicidade, em agências nacionais e multinacionais. Começou como júnior, chegou a head copy e acabou por se render à precariedade dos recibos verdes. Farto de vender detergentes, automóveis, bancos e iogurtes, começou a escrever na imprensa, mas depressa descobriu que era apenas outra esquina tão mal frequentada como a outra. Nos anos 1980 tinha editado inúmeros fanzines e colaborado noutros tantos. Foi bolseiro do Ministério da Cultura, em 1997, o que pela primeira vez lhe permitiu escrever, de forma remunerada, sem ser para agradar ao cliente que paga os anúncios e as revistas onde são publicados. Por falar nisso, publicou o romance Fados & Desgarrados, Campo das Letras, 2007, e o folhetim eletrónico Futurabold 2.0, entre 2009-10. Belos tempos. Para ajudar nas despesas, dava música, da mais variada, em bares da Grande Lisboa, sobretudo na Margem Sul. Como ensina o Eclesiastes, tudo tem o seu tempo. Hoje em dia, só dá música em ocasiões especiais e apenas para bêbados com estudos. As saudades só servem para serem mortas. E as mágoas para serem afogadas. Com muito gelo.

Sofia Quintas

Directora e jornalista do Almada Online

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