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Um filme de Maryam Moghaddam e Behtash Sanaeeha, em exibição a 15 de Janeiro às 21h, no Auditório Fernando Lopes-Graça

Mahin (Lili Farhadpour), tem 70 anos, e vive sozinha em Teerão desde que o marido faleceu e a filha se mudou para a Europa. Ex-enfermeira, reformada, e viúva há 30 anos (o marido pertencia ao exército), é num lanche com as amigas que decide mudar a rotina solitária e a reavivar a sua vida amorosa. Cansada de não ter um parceiro com quem dividir os seus dias, decide abrir o seu coração à mudança. É assim que, não exactamente por acaso, conhece Faramarz (Esmaeel Mehrabi). Ele, um taxista introvertido e tão solitário como ela, que foi soldado no exército do Xá quando a revolução islâmica aconteceu, vai fazâ-la sentir-se viva novamente. As cenas da vida privada de uma vida banal têm muito de excepcional no Irão, e juntos as personagens do filme vivem um quotidiano intimista proibido no país desde 1979. Uma bolha de intimidade tão preciosa quanto frágil, numa sociedade opressora.

Os realizadores explicam no dossier de imprensa do filme que, “em países do Médio Oriente governados por ideologias religiosas, as mulheres são consideradas cidadãs inferiores. Estão privadas de um grande número de direitos e só podem reivindicar uma identidade através dos homens nas suas vidas. Infelizmente, as mulheres iranianas também fazem parte desta categoria. Durante anos, as mulheres iranianas sofreram com leis injustas, sendo obrigadas a usar um hijabe e não tendo direitos iguais. As relações com o sexo oposto são minuciosamente analisadas em todas as situações. Estas condições tornam-se ainda mais complexas quando uma mulher decide viver sozinha, como é o caso da nossa protagonista Mahin.”

É assim que as duas personagens são por si só, uma subversão. São pessoas normais, sem vocação nem idade para a dissidência, não operam no underground, vivem apenas a sua solidão, mas têm memória. Não existem muitos filmes iranianos com personagens de idade avançada, precisamente porque têm memória.

O filme é todo ele uma memória da vida no Irão antes da revolução islâmica, e por isso Maryam Moghaddam e Behtash Sanaeeha são hoje dois cineastas perseguidos pelo regime iraniano, impedidos de sair do país e julgados pelos tribunais revolucionários. Um filme que é um verdadeiro acto de resistência e de liberdade.

Os cineastas afirmam no dossier de imprensa do filme que, “há anos que os realizadores iranianos fazem filmes sob o peso de regras restritivas. Quebrar as regras pode levar a anos de suspensão ou proibição. Nesta situação deplorável, continuamos a tentar retratar a realidade da sociedade iraniana nos nossos filmes, geralmente perdida sob diferentes camadas de censura. Quebrar algumas destas restrições é uma escolha que fazemos na esperança de abordar a questão das mulheres iranianas. Acreditamos que já não é possível contar a história de uma mulher iraniana ao replicar a opressão, como acontece com o uso obrigatório do hijabe. As mulheres nunca puderam ver a sua vida pessoal retratada no ecrã, e desta vez decidimos ultrapassar os limites. Aceitamos as consequências desta escolha.”

A sua estreia mundial no Festival de Berlim, em Fevereiro de 2024, contou com a presença dos actores principais Lily Farhadpour e Esmail Mehrabi, mas não a dos realizadores. Proibidos de viajarem pelas autoridades iranianas, os realizadores aguardam actualmente o julgamento em tribunal por propaganda contra o regime iraniano, desrespeito da lei islâmica e disseminação de prácticas “libertárias” e de “prostituição”.

O filme venceu o Prémio FIPRESCI do Festival de Berlim 2024, o Prémio do Júri Ecuménico do LEFFEST 2024 na selecção Oficial em competição.

©DR / Um banho a dois, ainda assim vestidos, algo inaceitávell num filme para a Polícia da Moralidade iraniana.

Ficha Técnica:

Título original: Keyke mahboobe man
Realização: Maryam Moghaddam, Behtash Sanaeeha
Argumento: Maryam Moghaddam, Behtash Sanaeeha
Produção: Meysam Meraji, Majid Karbasian
Elenco: Lili Farhadpour, Esmaeel Mehrabi, Mansoureh Ilkhani, Soraya Orang, Homa Mottahedin, Sima Esmaeili, Aman Rahimi, Azim Mashhadi, Saeed Payamipour, Asghar Nejad, Mehdi Pilehvari, Mohammad Heidari, Khosro Abbasi, Mozafar Esmaeili, Melika Pazouki, Amir Hossein Esfandiari, Shahin Karimi, Saeed Lashgarou, Mohammad Ali Babajani, Amir Azarmian
Fotografia: Mohamad Hadadi
Música: Henrik Nagy
Edição: Ata Mehrad, Behtash Sanaeeha
Género: Comédia Romântica, Drama
Origem: França, Alemanha, Irão, Suécia
Ano: 2024
Duração: 97 min.
Classificação: M/12

Preço: 3,00€ (desconto de 50% jovens e séniores).

Sofia Quintas

Directora e jornalista do Almada Online

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