Respostas urgentes para uma mobilidade mais eficaz e mais eficiente
Ao lado de áreas sociais tão importantes como a habitação, a saúde ou a educação, o direito democrático a uma mobilidade de qualidade, eficaz e eficiente, assume uma importância estratégica fundamental quando pensamos em desenvolvimento e bem-estar social, económico e ambiental (...)
Um dos maiores desafios com que o futuro nos confronta a curto e médio prazos, e quando seriamente nos confrontamos com a necessidade (e vontade) de prosseguir um processo de desenvolvimento objetivo, sólido e consistente no país, e particularmente quando pensamos esse processo de desenvolvimento aplicado às áreas metropolitanas, é o desafio da conceção de modelos muito mais eficazes e muito mais eficientes de mobilidade do que aqueles que hoje predominam no nosso quotidiano, e sobretudo o desafio à nossa capacidade para colocarmos em prática efetiva esses modelos.
Ao lado de áreas sociais tão importantes como a habitação, a saúde ou a educação, o direito democrático a uma mobilidade de qualidade, eficaz e eficiente, assume uma importância estratégica fundamental quando pensamos em desenvolvimento e bem-estar social, económico e ambiental, envolvendo diretamente larguíssimas massas de seres humanos que se fixam, em número crescente, em áreas do território mais densamente povoadas, como acontece na Área Metropolitana de Lisboa onde Almada se integra.
Este tema tem sido referência recorrente, quase sempre pelas piores razões, nos mais variados espaços do debate público e político, seja através dos órgãos de comunicação social, nas redes sociais ou nos diferentes órgãos institucionais que gerem a nossa vida coletiva.
Nos últimos tempos, e ainda que sem exclusivo porque outros problemas se colocam no quotidiano, a situação vivida pelos utentes da ligação ferroviária da margem sul do Tejo a Lisboa, através da Ponte 25 de Abril, tem feito correr largos rios de tinta, tantas são as dificuldades e entraves sentidos pela generalidade dos utentes que recorrem àquele serviço de transporte.
As populações, em especial os utentes dos transportes públicos do concelho de Almada (e de outros concelhos da margem sul), são hoje confrontados com uma situação inaceitável no funcionamento da ligação ferroviária entre Setúbal e Lisboa, operada, por concessão do Estado, pela empresa privada Fertagus.
As recentes alterações introduzidas por aquela concessionária na prestação deste serviço, com uma fortíssima diminuição da capacidade de oferta de lugares de transporte na generalidade das composições em circulação (que passaram de oito para quatro carruagens), têm vindo a provocar gravíssimas dificuldades nas deslocações quotidianas dos munícipes.
Há longo tempo que é sentida a urgência e a indispensabilidade do reforço da oferta de transporte ferroviário na linha entre Setúbal e Lisboa, e a CDU tem feito eco permanente dessa absoluta necessidade. Mais comboios, mais circulações e alargamento do serviço a estações como Lisboa Oriente, a norte, ou Praias do Sado, a sul, são medidas imprescindíveis à melhoria do serviço prestado. A estas medidas, é necessário acrescentar o reforço do material circulante, condição inultrapassável para assegurar a melhoria da oferta de transporte ferroviário, um reforço que nunca foi assegurado nem pela Fertagus, nem pelo Governo concedente daquele serviço público.
Recentemente a situação tornou-se verdadeiramente caótica. Com inusitada frequência, assistimos a comboios completamente cheios nas horas de ponta, de manhã em direção a Lisboa – sendo a estação do Pragal um dos casos mais gritantes, onde há passageiros que veem passar dois e três comboios sem conseguir entrar –, e ao fim da tarde no regresso de Lisboa para a margem sul do Tejo, com a situação a repetir-se no sentido inverso.
Pela sua integração no passe Navegante – uma decisão avisada e inteiramente justa, uma extraordinária vitória e um extraordinário passo civilizacional adiante, desde sempre defendida pela CDU, e que é fruto da luta por esse objetivo das populações, dos utentes e das autarquias locais presididas pela CDU ao longo de mais de 20 anos de petições, abaixo-assinados, projetos de lei, deliberações dos órgãos municipais, manifestações e outras tantas iniciativas –, pela sua integração neste passe, a empresa privada que detém a concessão da ligação ferroviária Setúbal-Lisboa recebe o dobro das compensações que a empresa pública de transporte ferroviário, a CP, recebe, sem, contudo, ter alguma vez adquirido um único comboio.
Permitam-me, ainda sobre o passe Navegante, referir o seguinte. Provavelmente, já poucos dos nossos leitores se lembrarão do passe L123, e dos mais de 60 euros que ele custava por mês a cada um dos seus utilizadores. Como provavelmente poucos se lembrarão, já, dos oito ou dez euros a mais que era necessário colocar sobre aquele valor, para poder utilizar o Metro Sul do Tejo (MST). E quantos de nós nos lembramos ainda que mesmo pagando tudo aquilo, o passe L123 mais o suplemento do MST, não era suficiente para utilizar o comboio da Ponte 25 de Abril?
Pois era assim há apenas seis anos. Como as coisas podem mudar! Mas logo que o Navegante foi criado, ficou claro que era mais do que expectável que uma medida de largo alcance como aquela, iria desencadear um processo de fortíssimo aumento da procura dos serviços públicos de transporte. Por isso foi, desde logo, colocada na primeira linha de preocupações a necessidade de reforço muito sensível dos meios de transporte disponíveis: aumento do número de comboios, aumento do número de embarcações de transporte fluvial de passageiros, aumento do número, da qualidade e dos circuitos dos autocarros no serviço rodoviário.
Entretanto, o atual Governo do PSD/CDS-PP entendeu prolongar a concessão do transporte ferroviário entre Lisboa e Setúbal até 31 de março de 2031. E mesmo neste quadro de prolongamento da concessão, o Governo não cuidou de salvaguardar a exigência de aumento do material circulante por parte da concessionária, de modo a assegurar a necessária e indispensável melhoria da qualidade do serviço prestado.
Pelo contrário. Governo e concessionária tentam concretizar uma manobra que visa o desvio de comboios da CP Lisboa para a Fertagus, justificando essa tentativa com uma estrondosa falsidade: a de que esse material da CP está “encostado”, por isso disponível.
A verdade é outra. As doze unidades de dois pisos da CP que Governo e concessionária “ambicionam” transferir para o serviço da ligação Setúbal-Lisboa, foram recentemente objeto da grande reparação de meio de vida, um investimento da CP que ultrapassou os 17,5 milhões de euros. Estas doze unidades estão a operar nos serviços prestados pela CP, foram modernizadas, e são fundamentais para assegurar o serviço atualmente prestado às populações da margem norte do Tejo.
A solução para a falta de oferta de material circulante na margem sul, que é imperioso e urgente resolver, não pode ser encontrada criando problemas a toda a restante rede do transporte ferroviário.
No imediato, a solução para este problema passa pela utilização dos recursos existentes em toda a sua extensão e capacidade, permitindo nomeadamente que a CP possa estender o seu serviço ferroviário urbano à ligação através da Ponte 25 de Abril, aumentando a oferta a partir das linhas de Sintra e Azambuja, sem que tal decisão implique a redução da atual oferta de transporte ferroviário na margem norte, mas contribuindo para eliminar a degradação atual do serviço prestado na margem sul.
Se em termos rodoviários, a criação da Carris Metropolitana constituiu um inegável passo em frente na melhoria das condições e da oferta do transporte público, pese embora algumas dificuldades iniciais, mas respondendo de forma positiva ao mais que expectável aumento da procura. O mesmo não aconteceu com os restantes meios de transporte público. Não há mais embarcações no serviço púbico de transporte fluvial de passageiros entre as duas margens do rio Tejo – pelo contrário, a Transtejo não apenas não reforçou a sua frota, como continua a alienar navios essenciais para a prestação deste serviço –, e nem um único comboio foi acrescentado às 18 composições – que na verdade são apenas 17 –que circulam, desde 1999 (!), na concessão do serviço público de transporte ferroviário norte-sul na área metropolitana de Lisboa!
Aqueles que necessitam de utilizar os transportes públicos nas suas deslocações diárias, sentem hoje mais dificuldades em aceder a Lisboa e a outros destinos, do que sentiam há poucos anos. A verdade é que a oferta global de transporte público na Área Metropolitana de Lisboa piorou, não obstante a criação da Carris Metropolitana.
A necessidade imperiosa de aumentar a capacidade de oferta em transportes públicos – essencialmente fluviais e ferroviários, mas também rodoviários –, apresenta-se hoje – como num passado recente, em que esta questão se colocava já como decisiva, mas nunca obteve respostas concretas e positivas por parte dos sucessivos Governos e das empresas detentoras das concessões de transportes públicos –, como condição absolutamente crucial para, no curto prazo, os utentes dos transportes públicos da vasta área metropolitana de Lisboa, verem reconhecido o direito constitucional a uma mobilidade de qualidade, mais eficaz no que respeita às necessidades reais de deslocação das pessoas, e também mais eficiente relativamente a uma promoção efetiva de melhoria das condições ambientais.
Almada Online, CDU, Crónica, João Geraldes, Opinião