Utentes de Almada preocupados com fecho das urgências de obstetrícia

Comissões de utentes, autarcas do distrito e partidos manifestam as suas preocupações

A semana arranca com seis urgências de obstetrícia abertas 24 horas em Lisboa e Vale do Tejo. Mais duas estarão disponíveis, mas com restrições de horário. Quatro estarão fechadas. Setúbal, Barreiro, Caldas da Rainha e São Francisco Xavier vão estar encerradas, segundo o portal do SNS.

O Garcia de Orta em Almada (HGO), e o Santa Maria em Lisboa, só recebem grávidas encaminhadas através do Centro de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) / INEM.  Na urgência de Pediatria, a informação do portal indica 13 abertas no início da semana, mas na verdade apenas sete estarão abertas todo o dia.

Segundo as escalas de urgência publicadas no Portal do SNS, às 18h desta Segunda-Feira, 12 de Agosto, o HGO encontra-se com as as urgências de obstetrícia fechadas até pelo menos dia 18 de Agosto, data até onde se pode consultar o planeamento das escalas.

Comissões de utentes alertam desinvestimento no SNS

A Comissão de Utentes da Saúde do Concelho de Almada (CUSCA) “expressa a sua solidariedade com os utentes na falta de acesso às urgências de Pediatria e Obstetrícia/Ginecologia do Hospital Garcia de Orta.”, em comunicado enviado às redacções. Carlos Leal, da CUSCA, declara que, “em Almada nenhuma criança e jovem têm o direito a ficar doente entre as 20h e as 8h30, assim como não podem nascer. As urgências de Obstetrícia e Ginecologia do HGO estão encerradas, assistindo somente situações previamente referenciadas pelo Centro de Orientação de Doentes Urgentes (CODU),  sem que seja avançada uma data expectável para a sua reabertura ou medidas para reposição da normalidade de funcionamento. Esta realidade é transversal a toda a Península de Setúbal, com impactos severos na vida das populações, em particular nas mulheres grávidas face à incerteza do local de parto. Nos centros de saúde não há urgência de pediatria e ginecologia/obstetrícia, sendo os utentes obrigados a deslocarem-se aos Hospitais de Lisboa, que actualmente também se deparam com este problema.” “A CUSCA está profundamente preocupada com esta questão, com os ataques reiterados ao SNS, e reclama o seu reforço através de mais e melhores condições de trabalho para os profissionais de Saúde e exige à ULSAS e ao Governo o seu reforço imediato! “, comentou ainda Carlos Leal.

As comissões de utentes do Seixal, Barreiro e Setúbal descrevem como preocupante o encerramento das urgências de Obstetrícia e Ginecologia na região e consideram que “é um sinal de desinvestimento no Serviço Nacional de Saúde”. “Tudo isto parece uma estratégia bem delineada e bem montada para descredibilizar o Serviço Nacional de Saúde [SNS] e potenciar a privatização da saúde”, disse à Lusa José Lourenço, da Comissão de Utentes do Seixal, concelho cuja população tem como hospital de referência o HGO, em Almada, e que tem vindo a exigir um equipamento próprio no município. A comissão de utentes “está preocupadíssima pela perturbação que a situação está a criar nas utentes grávidas” e considera que este é o resultado do desinvestimento nos recursos humanos.” “As Unidades Locais de Saúde são todas diferentes em termos de gestão, mas têm as mesmas dificuldades quanto à contratação de profissionais. Se não há tabela atractiva, é lógico que, por mais vagas que se abram, ficam vazias e os médicos vão saindo e não vão entrando novos médicos”, frisou José Lourenço.

A Comissão de Utentes dos Serviços Públicos do Concelho de Sesimbra disse ser “inaceitável” o encerramento das urgências de ginecologia e obstetrícia na região de Setúbal, considerando que “põe em causa a segurança de grávidas e bebés.” Em comunicado divulgado nas suas redes sociais, a comissão de utentes de Sesimbra exige a reabertura imediata das urgências no distrito. “É essencial investir no SNS, nos seus profissionais, na construção de centros de saúde e hospitais, na rápida construção do Hospital no Seixal com pelo menos 300 camas e todas as especialidades médicas essenciais para responder aos concelhos de Sesimbra e do Seixal”, adianta a comissão.

Rosa Maria, da Comissão de Utentes de Setúbal, partilha da opinião, considerando que “enquanto os profissionais de saúde não tiverem remunerações compatíveis e condições de trabalho adequadas a situação não vai mudar.” Por outro lado, também considera que o cenário evidencia uma estratégia para “acabar com o SNS e transferir tudo para o privado”.

Jéssica Pereira, da Comissão de Utentes do Arco Ribeirinho (Barreiro, Montijo, Moita e Alcochete), entende estar a ocorrer na região o despojamento de um serviço essencial, “um retrocesso de décadas”. “Há um estrangulamento efectivo das oportunidades para se ser mãe com tranquilidade. Em toda a Área Metropolitana de Lisboa há um estrangulamento de serviços”, frisou.

A presidente da Federação Nacional dos Médicos (FNAM) exigiu na passada Sexta-Feira um ministro da Saúde “com competência para a função”, alertando para os riscos de a actual “política catastrófica” poder, em última análise, resultar em mortes de grávidas e bebés. Joana Bordalo e Sá lembrou que a FNAM avisou e antecipou que “era inevitável o que está a acontecer agora”, com encerramentos de vários serviços de urgências devido à dificuldade de preencher escalas.

“Esta ministra da Saúde [Ana Paula Martins] o que está a fazer, no fundo, é encerrar as urgências de Obstetrícia. Não é só na região de Lisboa e Vale do Tejo, mas também em Leiria e nas Caldas da Rainha, onde ocorreu uma situação dramática que a FNAM lamenta”, disse, numa referência ao caso de uma mulher que após sofrer um aborto espontâneo viu alegadamente negada a assistência no hospital, cuja urgência obstétrica estava encerrada.

Segundo os Censos de 2021, os nove concelhos da Península de Setúbal (Almada, Setúbal, Seixal, Sesimbra, Palmela, Montijo, Moita, Barreiro e Alcochete), servidos pelas unidades de Setúbal, Garcia de Orta (Almada-Seixal) e Barreiro, têm 808.689 residentes.

Autarcas manifestam preocupação

A presidente da Câmara Municipal de Almada, Inês de Medeiros, considerou na passada Sexta-Feira “preocupante o encerramento das urgências de Ginecologia e Obstetrícia na Península de Setúbal, não só para a região, mas também para todo o sul do país”. Em declarações à agência Lusa, Inês de Medeiros salientou que o Hospital Garcia de Orta, em Almada, é “o grande hospital central de todo o sul do país, recebendo pessoas que vêm até do Algarve”. A presidente da Câmara Municipal de Almada disse ainda que “está disponível, e que acredita que todos os autarcas da Península de Setúbal também o estão, para um encontro e para procurar soluções.” Defendendo que uma posição colectiva é sempre mais eficaz, uma vez que as autarquias “são o poder de proximidade e são sempre o primeiro poder para o qual as pessoas se viram a pedir explicações”, Inês de Medeiros manifestou “total disponibilidade” para ajudar. “Afirmo a total disponibilidade para que possamos ajudar, mas temos de ser chamados mais cedo e articular cada um, como fizemos de forma quase miraculosa na covid. Parece que não aprendemos nada”, salientou a autarca.

A Câmara Municipal do Seixal declarou em comunicado que considera o encerramento das urgências de obstetrícia no distrito de Setúbal “inaceitável, pois coloca em risco a saúde e a vida dos munícipes, neste caso mulheres e crianças. O encerramento destes serviços coloca as gestantes numa situação de ansiedade e preocupação potenciadora de riscos para a mulher e o bebé. Torna também difícil o trabalho das forças humanitárias que, numa situação de emergência, ainda têm de perceber a que unidades podem recorrer. No concelho do Seixal esperamos há anos pela construção do hospital no Seixal, que o Governo se comprometeu a construir em 2009, e que tem visto sucessivos recuos em sair do papel.

André Martins, presidente da Câmara Municipal de Setúbal, expressou publicamente a sua “frustração pela ausência de respostas concretas por parte do governo, especialmente no que toca à saúde pública da região.” Em Maio deste ano, o autarca solicitou uma reunião urgente com a ministra da Saúde para “discutir várias questões críticas, incluindo o pagamento de cerca de 1,355 milhões de euros à Câmara Municipal para cobrir encargos da Administração Regional de Saúde, na construção do novo Centro de Saúde de Azeitão”. Apesar de inúmeros pedidos subsequentes, “a reunião ainda não foi agendada, alimentando a sensação de abandono entre a população de Setúbal. A continuidade dos serviços de saúde na região é fundamental, e a falta de ação por parte das autoridades centrais é vista como uma séria negligência, colocando em risco o bem-estar dos setubalenses e de todos os que dependem do Centro Hospitalar de Setúbal.”

O presidente da Câmara Municipal do Barreiro classificou esta Segunda-Feira como “muito preocupante” a situação das urgências de Ginecologia e Obstetrícia na Península de Setúbal, e alertou que é necessário uma estratégia de fundo com um largo consenso político. “Tal como no caso do novo aeroporto, o Serviço Nacional de Saúde é também merecedor de um consenso alargado para um caminho estrutural que passa pela valorização dos profissionais e pela melhoria das condições de trabalho”, disse Frederico Rosa, em declarações à Lusa.

A Câmara Municipal da Moita manifestou-se preocupada com o encerramento das urgências de Obstetrícia e Ginecologia na denominada Margem Sul e anunciou ter pedido uma reunião ao Ministério da Saúde, com carácter de urgência. “É com grande preocupação que a Câmara Municipal da Moita vê o encerramento das urgências de Obstetrícia e Ginecologia do Hospital Nossa Senhora do Rosário, no Barreiro. É tanto mais preocupante o facto de todas as urgências dos hospitais da margem sul do Tejo estarem encerradas desde o dia de hoje, 9 de Agosto, e até pelo menos à próxima quarta-feira, dia 14”, refere a autarquia em comunicado. O encerramento destas valências no Barreiro, em Almada e em Setúbal, acrescenta, “é um potenciador de ansiedade e preocupação para estas mulheres que deveriam estar a desfrutar de um período de tranquilidade, amparo e confiança por parte dos serviços médicos”. A população da Moita é servida pelo Hospital Nossa Senhora do Rosário. Para a autarquia, o esquema de rotatividade aplicado nos últimos meses, embora não sendo o ideal, permitia o atendimento de urgência das grávidas do concelho em hospitais de região. O município considera também que esta situação “é tanto mais insustentável na medida em que o Ministério da Saúde não revelou a existência de um plano para o funcionamento em rede durante o mês de Agosto, já que o esquema de rotatividade não está a ser cumprido, uma vez que caberia ao Hospital Garcia de Orta, em Almada, assegurar as urgências na semana de 9 a 16 de Agosto”, o que não aconteceu. Estas preocupações foram já transmitidas pelo executivo liderado por Carlos Albino (PS) ao Conselho de Administração do Hospital Nossa Senhora do Rosário, tendo a unidade afirmado ter cumprido com as suas responsabilidades ao estar a funcionar na semana que lhe foi designada, de 2 a 9 de Agosto. A Câmara Municipal da Moita adianta que já pediu uma reunião com carácter de urgência ao Governo para ver esclarecidas esta e outras situações que dizem respeito ao Serviço Nacional de Saúde.

Partidos chamam a atenção para risco acrescido de grávidas e recém-nascidos

Em comunicado enviado as redacções a 12 de Agosto, a Concelhia de Almada do Partido Comunista Português face à notícia de encerramento das Urgências Obstétricas do Hospital Garcia da Horta durante 4 dias, bem como, e em simultâneo, de todos os Hospitais da Península de Setúbal, que agora se junta ao encerramento dos cuidados de saúde para a população infantil a partir das 20h, “considera que estamos perante uma etapa de retrocesso civilizacional nos direitos sociais, e não aceita que os valores do negócio se sobreponham aos da vida. É degradante ver o passa-culpas entre o PS e o PSD, como também, ouvir a presidente da Câmara Municipal de Almada do PS na comunicação social dizer que foi apanhada de surpresa.” A concelhia de Almada do PCP “reafirma a necessidade urgente de medidas para resolver o problema fundamental que ao longo dos anos se avolumam com as opções do PS e PSD: “criar condições – melhores remunerações, carreiras dignas e melhores condições de trabalho – para que os profissionais de saúde fiquem e regressem ao Serviço Nacional de Saúde. Ao PS e ao PSD exige-se que passem das palmas aos actos e façam aquilo que incumbe ao Estado Português: garantir a natureza universal e geral do SNS e assegurar o tratamento de todos os utentes em igualdade, com qualidade e sem discriminações em função das condições económicas e sociais.”

A distrital de Setúbal do Bloco de Esquerda manifesta a sua profunda preocupação “com a recente notícia sobre a indisponibilidade dos serviços de urgência de obstetrícia no distrito de Setúbal. Esta situação é inaceitável e representa uma grave ameaça ao direito fundamental à saúde, especialmente para as 400 mil mulheres e suas famílias que dependem destes serviços essenciais. Nascem, em média, 14 bebés por dia na Península de Setúbal, pelo que este encerramento significa que 56 mulheres e suas famílias terão um risco acrescido e desnecessário no momento do seu parto.” De facto, em Dezembro de 2023, as três urgências da margem sul tiveram uma procura superior a 2300 mil episódios, o que equivale a 77 mulheres observadas por dia. “É inadmissível encerrar todos os serviços e criar uma sensação de ansiedade permanente nas grávidas e mulheres do distrito. Este facto ganha contornos ainda mais surreais quando se sabe que o governo nem sequer preparou o Verão. Tudo o que tem para apresentar foi um planeamento informal. A falta de acesso a cuidados obstétricos de emergência pode ter consequências graves e irreversíveis, colocando em risco a vida de mães e recém-nascidos. É imperativo que sejam tomadas medidas imediatas para garantir que todos os cidadãos tenham acesso a cuidados de saúde de qualidade, independentemente da sua localização geográfica”. O Bloco de Esquerda Setúbal encontra-se “deveras preocupado com mais uma prova da degradação da rede assistencial do distrito, já de si, cronica e manifestamente pouca para as enormes necessidades em saúde sentidas na região. O Bloco de Esquerda está ao lado das mulheres e das famílias do distrito de Setúbal.”

A Federação Distrital de Setúbal do Partido Socialista, estruturas Concelhias dos socialistas e o Grupo de Deputados eleitos pelo Círculo Eleitoral de Setúbal “manifestam a sua profunda apreensão com a falta de resposta às grávidas do Distrito de Setúbal, que não terão resposta nos Hospitais do território. Esta desconformidade não tem paralelo. Mesmo em circunstâncias difíceis nunca o distrito esteve completamente a zero na capacidade de resposta.” Num passado próximo, “sempre foram acauteladas alternativas devidamente planeadas ou planos de emergência, em conjunto com as unidades hospitalares. Havia articulação e a Direcção Executiva tinha um papel importante, situação que agora tem resultados diferentes para pior. Num distrito onde vivem perto de 900 mil pessoas, as grávidas serão obrigadas a deslocar-se aos poucos serviços de urgência que asseguram resposta, correndo o risco de ser necessário mais de uma hora de deslocação. O Partido Socialista representado no distrito de Setúbal exige inversão imediata desta situação e que seja garantida resposta no território.”

Sofia Quintas

Directora e jornalista do Almada Online

, , , , , , ,