Almada | Clandestina
Um filme de Maria Mire, que pode ser visto dia 2 de Maio às 21h, no Auditório Fernando Lopes-Graça
Um mergulho no passado que acompanha a vida de uma jovem artista convidada a entrar na clandestinidade em Portugal, na segunda metade do século XX. Margarida Tengarrinha, desempenhou um importante papel na resistência antifascista, tornando-se falsificadora de documentos para opositores perseguidos pela ditadura, por militância política.
Este é um filme que homenageia a memória colectiva dos que lutaram pela liberdade, muitos deles de forma anónima, mas não menos decisiva no derrube do regime. Esta narrativa feminina ganha traços heróicos à medida que a personagem vai superando as inúmeras dificuldades da vida espartana, dúplice e instável da clandestinidade, assim como enfrentando diversos acontecimentos trágicos.
No filme, o dilema surge como alavanca constante para uma nova situação. Para além de retratar a protagonista como uma mulher emancipada num contexto politicamente opressivo à igualdade de género, não omite os conflitos internos derivados da separação da família, do isolamento, do afastamento da filha, do espectro da prisão, da morte do companheiro.
“Clandestina”, de Maria Mire, tem como ponto de partida o livro “Memórias de Uma Falsificadora – A Luta na Clandestinidade pela Liberdade em Portugal”, da artista, escritora, professora, ilustradora e, ex-deputada Margarida Tengarrinha (1928-2023). Tengarrinha foi membro da direção Universitária do MUD Juvenil, aderiu ao PCP com 24 anos, em 1952, e passou à clandestinidade em finais de 1954. Membro do Comité Central do PCP desde Maio de 1974 até 1988, após o 25 de Abril de 1974 foi também membro da direcção da Organização Regional de Lisboa. Faleceu em Outubro de 2023, aos 95 anos.
Através do anacronismo temporal, “Clandestina” é como uma missiva a um tempo por vir, uma premonição da possibilidade trágica da História se estar a repetir. A acção é transposta para os nossos dias e, apesar de a voz off referir xilogravuras, materiais de fotografia ou selos brancos, vemos os actores a utilizar computadores, discos rígidos ou passaportes electrónicos. Esse anacronismo tem como função específica transportar a dimensão política da clandestinidade para os nossos dias, para que se pense nas prácticas actuais de dissidência política, na operatividade do próprio conceito de fascismo e sobre as novas formas de clandestinidade, que se desenrolam num tempo mais próximo da contemporaneidade e se cruzam com um espaço onírico, numa geometria capaz de misturar as coordenadas físicas com a dimensão emocional e traumática da experiência narrada.
O livro “Memórias de uma falsificadora – A Luta na Clan- destinidade pela Liberdade em Portugal” de Margarida Tengarrinha constitui um documento que permite submergir na rede clandestina do Partido
Comunista Português, e assim conhecer melhor esta importante estrutura de resistência ao regime fascista do Estado Novo em Portugal, a partir da experiência narrada de uma jovem artista que mergulha nesta rede de modo decidido e apaixonado.
“O interesse na realização deste filme prende-se tanto com a urgência de tirar da sombra a acção das mulheres, que de modo revolucionário combateram neste período negro da história contemporânea portuguesa, como o de pensar na dimensão política presente nos pequenos gestos da vida quotidiana”, declarou a realizadora, na apresentação do documentário, no DocLisboa.
“Interessaram-me muito estes processos de invisibilidade, que neste contexto em particular sugerem ter uma dupla camada, a primeira pela invisibilidade das narrativas femininas ligadas à luta política e a segunda pela própria natureza da experiência da clandestinidade, a qual implicava operar a partir da sombra”, acrescentou na mesma ocasião.
Esta é a primeira longa-metragem de Maria Mire, que em 2020 realizou a curta “Parto Sem Dor”, uma homenagem à médica obstetra Cesina Bermudes (1908-2001), pioneira da introdução do parto sem dor em Portugal e resistente anti-fascista, que ajudou no parto muitas mulheres na clandestinidade. Foi também produtora de “Alcindo”, filme do antropólogo Miguel Dores sobre o racismo em Portugal, a partir da história do homicídio de Alcindo Monteiro, português de origem cabo-verdiana, vítima de ódio racial em 1995. Maria Mire nasceu em Maputo em 1979. É Doutorada em Arte e Design pela FBAUP em 2016, professora e co-responsável do Departamento de Cinema e Imagem em Movimento do Ar.Co., em Lisboa.
O documentário integrou a secção Competição Portuguesa na última edição do DocLisboa, onde foi exibido pela primeira vez. “Clandestina”, venceu os prémios “A Voz das Mulheres” e de “Melhor Filme Português” no festival “Porto Femme – Festival Internacional de Cinema”. O prémio “A Voz das Mulheres”, para “vozes que recusam o silêncio”, distingue o melhor filme português que aborde a importância “da palavra na denúncia da situação de discriminação, nas várias dimensões da vida.” O festival internacional de cinema “Porto Femme”, que se define como mostra do “melhor cinema produzido por mulheres e pessoas não binárias”, dedicou a sua edição de 2024 às mulheres e à revolução, porque para algumas delas “o 25 de Abril demorou a chegar”. A competição oficial do festival contou este ano com 122 filmes provenientes de 38 países.

Ficha Técnica:
Título original: Clandestina
Realização: Maria Mire
Argumento: baseado no livro “Memórias de Uma Falsificadora – A Luta na Clandestinidade pela Liberdade em Portugal”, de Margarida Tengarrinha
Produção: Luisa Homem, João Matos, Leonor Noivo, Pedro Pinho, Susana Nobre e Tiago Hespanha
Elenco: Kim Ostrowskij, Rafael Costa, Salomé Saltão, Joana Levi, Ciço Silveira
Música: Ricardo Guerreiro
Fotografia: Miguel Tavares
Edição: Luisa Homem
Género: Documentário
Origem: Portugal
Ano: 2023
Duração: 82 min.
Classificação: —
Preço: 3,00€ (desconto de 50% para jovens e séniores)
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