Contas da Câmara Municipal de Almada em 2022: Mais um ano perdido para os Almadenses

É verdade que o orçamento municipal tem crescido nos últimos anos em termos absolutos. Mas esse crescimento não tem sido conseguido em função de um maior dinamismo da atividade do município – dessa realidade não se pode orgulhar o executivo do PS em Almada –, esse crescimento tem resultado apenas da forma irresponsável como o PS tem vindo a aceitar as transferências de competências que o governo central lhe tem vindo a impor.

A apreciação que a Assembleia Municipal de Almada acaba de fazer dos documentos de prestação de contas da Câmara Municipal referentes ao exercício de 2022, uma vez mais e infelizmente para os Almadenses, não traz nada de novo e não deixa margens para dúvidas: de um orçamento inicial apresentado em grandes parangonas como sendo “o maior de sempre”, e em que tudo e mais um par de botas iria finalmente ser feito, pouco se concretizou e, quase tudo passa para anos seguintes.

Retomo nesta crónica as linhas essenciais da apreciação que a CDU fez destes documentos, no quadro da discussão recentemente havida sobre esta matéria na Assembleia Municipal.

É verdade que o orçamento municipal tem crescido nos últimos anos em termos absolutos. Mas esse crescimento não tem sido conseguido em função de um maior dinamismo da atividade do município – dessa realidade não se pode orgulhar o executivo do PS em Almada –, esse crescimento tem resultado apenas da forma irresponsável como o PS tem vindo a aceitar as transferências de competências que o governo central lhe tem vindo a impor.

Os números suportam com clareza o que se afirma. Foram orçamentados para 2022 mais de 160 milhões de euros de despesa, mas a despesa efetiva situou-se em apenas 127 milhões de euros – um nível de execução global de apenas 79 %, em linha com o nível médio de execução anual desde que o PS assumiu a Presidência da Câmara Municipal. 

Este permanente desvio é tanto mais grave quanto ele é bem mais acentuado ao nível das despesas de investimento, fundamentais para a melhoria da qualidade de vida dos munícipes, em áreas de intervenção tão importantes como a habitação, a educação, os equipamentos sociais, culturais e desportivos, que devem ser acessíveis a todos os Almadenses. Nas despesas de investimento executadas pela Câmara Municipal em 2022, o nível de execução foi de apenas de 56,7%, muito aquém daquilo que seria desejável e exigível a uma administração a que não faltam, todos sabemos, os recursos necessários.

Cinco anos e meio passados sob presidência do PS na Câmara Municipal de Almada, correspondem a cinco orçamentos municipais e respetivos relatórios e contas em que sistematicamente aquilo que é orçamentado não é executado na sua plenitude, realidade que nos obriga a concluir que nos confrontamos não apenas com uma incapacidade crónica para cumprir o que se promete, mais do que isso, confrontamo-nos com uma postura deliberada e assumida de desrespeito pelos cidadãos do nosso Concelho. 

Por norma, a maioria PS instalada na Câmara Municipal consegue investir apenas metade daquilo que promete e orçamenta em cada ano, apesar daquilo que orçamenta – e promete – em matéria de investimento, ser, desde logo e à partida, manifestamente insuficiente para responder de forma positiva às necessidades objetivas dos munícipes de Almada.

Esta realidade é bem visível em muitas das rúbricas que dão corpo ao Plano Plurianual de Investimento (PPI), registando-se, em múltiplas ações aí inscritas, níveis de execução inferiores a 50%.

Para que fique claro para quem nos lê, referem-se alguns exemplos de execução do PPI em 2022 que ilustram com cristalina transparência esta realidade:

  • Relativamente à aquisição e construção de habitação municipal, foi inscrita no orçamento inicial uma previsão de investimento de 8,7 milhões de euros, que foi corrigida em sede de alteração orçamental para apenas 1,3 milhões de euros (menos 7,4 milhões de euros, o que se traduz numa redução de 85,05% daquilo que inicialmente se previu!), e mesmo assim o ano terminou com uma execução de apenas 477 mil euros. Ou seja, em habitação municipal e em 2022, a execução alcançada foi de apenas 5,5% daquilo que tinha sido previsto e prometido aos Almadenses quando o executivo elaborou o tal “maior orçamento de sempre”.
  • Quanto à recuperação e conservação habitacional, incluindo o apoio à reabilitação urbana e recuperação de imóveis privados e o programa de requalificação e manutenção do parque habitacional do município, foi previsto inicialmente um investimento global de 6,6 milhões de euros, de novo essa previsão foi posteriormente corrigida para 1,3 milhões de euros, e acabaram por ser executados apenas 826 mil euros. Ou seja, também neste domínio, a execução alcançada foi muito baixa, fixando-se em apenas 12,6% daquilo que tinha sido previsto e prometido aos Almadenses quando o executivo elaborou o tal “maior orçamento de sempre”. Onde ficam, afinal, as promessas eleitorais em áreas fundamentais para as camadas mais desfavorecidas da população e para a juventude?
  • Na tão necessária ampliação da rede pré-escolar, e relativamente ao Jardim Infantil da Ramalha, foi previsto investir pouco, é certo, apenas 10 mil euros, mas acabou por não ser gasto um único euro.
     
  • Para a reparação em edifícios escolares, o orçamento inicial previa investir 396 mil euros, foram executados apenas 160 mil euros (40,5% do previsto e prometido aos Almadenses).
  • Para a ampliação e requalificação da Escola Básica Maria Rosa Colaço (Feijó), o orçamento inicial previa um investimento de 316 mil euros em 2022, foram aplicados apenas 110 mil euros (35% do valor previsto). Esta obra, note-se, arrasta-se desde 2017 e de ano para ano, em claro prejuízo dos professores, dos alunos, dos trabalhadores da escola e das famílias, ano a partir do qual as aulas passaram provisoriamente a ser dadas em contentores instalados numa outra escola da Freguesia.
  • Em reabilitação de refeitórios escolares foi previsto um investimento de 65 mil euros, mas foram aplicados apenas 183 euros (0,28% daquilo que foi inicialmente inscrito no orçamento).
  • Numa área que é bandeira desfraldada bem alto pelo atual executivo municipal, a criação de valências sociais, o orçamento inicial para 2022 integrava uma previsão de investimento de 705 mil euros, mas no final do ano o que percebemos é que foram aplicados apenas 6 mil euros (0,9% do orçamento inicial).

  • Ao nível de diferentes projetos de planeamento urbanístico, foram orçamentados inicialmente 590 mil euros, foram concretizados no final do ano apenas 219 mil euros, aplicados em projetos diversos, não se diz quais. Quanto ao Plano Diretor Municipal – em 2017 estava praticamente concluído o processo de revisão deste instrumento fundamental para a gestão do território, cinco anos e meio passados nada avançou –, os 40 mil euros orçamentados ficaram totalmente intocados ao longo do ano de 2022. O mesmo se verifica, aliás, relativamente à estrutura ecológica municipal, que recebera no início do exercício um orçamento de 23 mil euros e nada foi feito.

  • Para o projeto do Centro de Bem Estar Animal foram orçamentados 91 mil euros, mas nada avançou.
  • Para o projeto de construção e manutenção das piscinas municipais, previu-se executar 561 mil euros, mas a execução final foi de 123 mil euros (21,93%). Enquanto isso, a piscina municipal na Charneca de Caparica permanece encerrada desde o final do mandato 2017/2021, a piscina municipal do Complexo Municipal dos Desportos “Cidade de Almada” no Feijó, mantêm-se também encerradas, estas por causa de um surto da bactéria Legionella – o segundo surto, aliás, em menos de um ano –, e os seus utentes têm que se deslocar para as piscinas na Caparica e na Sobreda. E as piscinas na Sobreda já encerraram por curtos períodos, e funcionam agora com algumas limitações.
  • Para a requalificação da Avenida do Mar e ruas envolventes, o orçamento inicial previa investir 3 milhões de euros, foram executados 666 mil euros (22,1% do inicialmente previsto).

Infelizmente, muitos outros exemplos poderiam ser apresentados, comprovando a incapacidade de programação e execução do executivo de maioria PS em 2022 e nos anos anteriores.

Dir-se-á, no entanto, que sendo claro o atraso na implementação de algumas obras e projetos prometidos e essenciais, outros há que, com maior ou menor atraso, acabam por surgir no terreno. 

Mas nem isso é totalmente verdade, porque aquilo a que vimos assistindo em diversas obras entretanto concluídas, é que depois de terem demorado muito tempo a ser concretizadas, se percebe agora que ao nível dos respetivos projetos, foram ignorados os chamados serviços afetados – recente implosão da rotunda do Texugo, porque quando se pavimentou aquele troço não se acautelou a necessidade de substituir a conduta de água que por ali passa; constantes roturas registadas na antiga Estrada Nacional 377; vários problemas sérios na obra na Avenida do Mar, porque o projeto implementado não serve, e agora como sempre acontece quando os projetos são maus e o empreiteiro está já no terreno, surgem indefinidamente, trabalhos a mais.

Entretanto o tempo vai passando, cinco anos e meio estão já cumpridos pela maioria PS na Câmara Municipal, e as promessas com que encheram a boca em campanhas eleitorais não se veem concretizadas: na resolução dos problemas da habitação para os muitos jovens que sofrem para terem o seu próprio teto e para os muitos cidadãos que vivem em habitações precárias, na implementação dos planos de Urbanização da Cidade da Água e do Ginjal, no prolongamento do Metro Sul do Tejo à Costa da Caparica, na resolução dos problemas de mobilidade no concelho, e particularmente nos acessos a Lisboa. Cinco anos e meio passados, e não vemos, ninguém vê, nestas e noutras matérias igualmente importantes para a qualidade de vida dos Almadenses, nem uma ténue luzinha ao final do túnel. 

Para além desta apreciação geral muito negativa que temos que fazer sobre a atividade desenvolvida pela Câmara Municipal de Almada em 2022, importa relevar ainda algumas outras questões com grande significado.

Este relatório e conta de gerência confirma uma despesa com a devolução de IRS que atinge 4,1 milhões de euros em 2022. Este montante representa 40% mais do que o montante investido pelo município em educação, e três vezes mais do que todo o investimento efetuado em habitação, no mesmo ano de 2022. 

Como tem sido repetidamente denunciado, estes 4,1 milhões de euros foram entregues aos agregados familiares coletados em 2021, sendo que quem mais declarou, mais recebeu na devolução. Esta realidade subverte o princípio de progressividade do imposto, que prevê exatamente o contrário, quem mais rendimentos declara mais imposto paga, introduzindo alguma equidade na redistribuição dos rendimentos. Com esta (injusta) devolução, inverte-se alegremente esta regra básica de justiça fiscal.

Este relatório e conta de gerência confirma também que foram gastos em 2022 com o Plano Municipal de Erradicação da Pobreza, 608 mil euros, de um orçamento que atingia os 848 mil euros, e que foram gastos com o Plano de Contingência Covid cerca de 110 mil euros. 

Sem colocar em causa a importância e o significado que os momentos festivos, como o Natal e a Passagem de Ano, assumem na vida coletiva, nem a importância de os assinalar no quotidiano do Concelho, não é possível deixar de comparar o que foi gasto com a erradicação da pobreza e o plano de contingência Covid, com a informação conhecida sobre o gasto com as iluminações de Natal e com os espetáculos das festividades de fim do ano passado, rondando um milhão de euros. Fácil é concluir qual é a escala de prioridades do atual executivo municipal. As palavras faltam perante estes factos pelo absurdo que tudo isto encerra.

O Relatório e Contas de 2022 confirma, ainda, que a incapacidade de gestão do município por parte do PS e PSD representa, nestes cinco anos, uma acumulação nos cofres do município de perto de 60 milhões de euros, que traduzem fielmente, em termos gerais, o resultado da incapacidade de investir e gerir, enquanto os problemas crescem no tecido social e económico do nosso concelho, alguns dos quais crescem por decisão exclusiva do executivo municipal, sendo disso exemplo o aumento generalizado recentemente aprovado pela maioria para as tarifas da água e saneamento (bem acima dos 10%) e para as taxas municipais (em 9,1%) – estas claramente ilegais.

Colocados perante a disponibilidade atual, e nos próximos três anos, de um montante de recursos financeiros comunitários como nunca antes tivemos, o prolongamento do estado de incapacidade de gestão e execução demonstrada pelo atual executivo nos próximos anos, custar-nos-á a todos muitíssimo, é bom que todos estejamos cientes disso e é bom que desde já todas as forças políticas no poder e na oposição, estejam cientes dessa responsabilidade.

Este será o grande desafio que o Concelho de Almada enfrentará nos próximos anos, e a apreciação daquilo que caracteriza os últimos cinco anos e meio não augura nada bom para Almada e para os Almadenses.

A resolução de muitos dos problemas locais que enfrentamos, exigem uma outra qualidade de intervenção, um outro empenho e uma proximidade com os interesses das populações e dos trabalhadores da autarquia, que este executivo tem mostrado não ter e talvez mais grave do que isso, não ambiciona jamais vir a ter.

João Geraldes

Membro da Assembleia Municipal de Almada, eleito na lista da Coligação Democrática Unitária

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