Costa da Caparica | Os respigadores e a respigadora
Dia 4 de Janeiro às 21h, o Cineclube Impala inicia um ciclo de cinema dedicado a Agnès Varda, com o filme "Os respigadores e a respigadora"
O Cineclube Impala, organizado pela Associação Gandaia, leva ao ecrã do Auditório Costa da Caparica, o filme “Os respigadores e a respigadora”, de Agnès Varda, no dia 4 de Janeiro. O filme é o primeiro do ciclo de cinema dedicado a Agnès Varda, com sessões todas as Quintas-Feiras de Janeiro, sempre às 21h.
Respigar é o acto de apanhar as espigas após a colheita do trigo. Um termo que se perdeu algures no tempo e que o filme de Agnès Varda recupera, a par do gesto ancestral de recolher e aproveitar o que outros deitaram fora, buscando uma filiação na actualidade. As novas tecnologias criaram máquinas que, de forma insensível, têm vindo a pôr um fim a um hábito cultural generalizado.
Contudo, os respigadores não desapareceram, eles constituem uma realidade social, no campo e na cidade, seja a necessidade, o prazer, uma gestão económica, o hábito cultural ou uma preocupação ética que os move; é imoral o desperdício de alimentos excedentes da produção e, é esta consciência social, representante das minorias, que leva Agnès a registar com a sua câmara digital, um mundo desconhecido de muitos e fonte de sobrevivência de muitos outros.
O documentário mostra uma visão humana da vida dos catadores de frutas que, após a colheita, recolhem tudo aquilo que ficou no chão e depois vendem ou doam aos famintos. Também dos que procuram os restos nos caixotes do lixo para se alimentarem, os que rebuscam nas sobras dos mercados, aqueles que estão do lado de fora da “normalidade” aceite. A partir de uma sucessão de quadros de Millet, Breton, Hédouin que imortalizaram através da pintura a “respiga”, é um olhar sobre a persistência na sociedade contemporânea dos catadores, aqueles que vivem da recuperação de coisas que os outros rejeitam. Respigadores da sociedade, tão distintos e tão semelhantes aos que aparecem nos quadros expostos nos museus.
A respigadora é também a própria cineasta que, com uma pequena câmara digital, se assume como a respigadora das imagens que os outros não querem ver, nem captar e portanto, deixam para trás. Igualmente numa “respiga” de si própria, Varda está atenta aos efeitos do passar do tempo que também se reflectem, cruéis, no seu corpo. A imagem das suas mãos enrugadas e manchadas perpassa essa ideia ao longo do documentário, imagem em que a própria Agnés se revê. “Sou um animal que não conheço”, diz, observando a pele enrugada das mãos.
Definido pela autora como um “roaddocumentary”, é a estrada o fio condutor da viagem que pretende mostrar, é a estrada que leva o espectador de aldeia em aldeia, de cidade em cidade, apresentando respigadores e rebuscadores dos mais variados géneros, revelando realidades e situações, por vezes dramáticas de encarar em termos de disparidade social. As suas entrevistas não são encenadas, são o preto no branco, são a mais nobre e franca maneira de não iludir o espectador.
Uma das obras mais tocantes de Agnès Varda, uma das caras da “Nouvelle Vague” francesa. É como documentarista que Agnès Varda se assume, enquanto poeta cinematográfica atenta às questões sociais. O filme é uma investigação íntima da realizadora sobre a vida francesa. Varda não tem um particular interesse em imortalizar os respigadores de hoje, mas em investigar as razões que levam os anónimos desesperados e idealistas, ou os célebres, como por exemplo um famoso chefe, a examinar cuidadosamente os desperdícios. Através da sua viagem, Varda constrói um retrato de França tão moderno quanto a câmara digital que utiliza, obtendo a sua obra mais impressionante desde “Vagabundo”.
Os Respigadores e a Respigadora obteve inúmeros prémios, entre os quais se destacam o de Melhor Documentário dos Prémios Europeus, Melhor Filme pelo sindicato francês dos críticos de cinema e o Golden Hugo para melhor documentário no Festival de Chicago, todos no ano 2000.
Agnès Varda nasceu em Bruxelas (Bélgica) em 1928. Contudo foi em França que iniciou os estudos artísticos (o pai da realizadora era grego e a mãe era francesa), mais precisamente na École du Louvre, onde estudou História da Arte. Mais tarde tornou-se fotógrafa oficial do Teatro Popular Nacional em Paris.
O seu primeiro filme, “La Pointe-Courte”, era sobre um casal amargurado, com um relacionamento periclitante numa pequena cidade pesqueira. Lançado em 1954 foi considerado o precursor da Nouvelle Vague francesa, iniciando de forma brilhante um percurso cinéfilo importante até aos dias actuais. Sempre com foco no realismo documental, feminismo e comentário social, enquanto emana um estilo experimental distinto, Agnès Varda construiu uma carreira admirada e reconhecida pelo mundo do cinema. Além de Os Respigadores e a Respigadora, a realizadora é também muito reconhecida pelas obras “Vagabundo” e “As Praias de Agnè”s, que foi contemplado com o prémio César para melhor documentário em 2009. Agnès Varda faleceu a 29 de Março de 2019 em Paris.
Ficha Técnica:
Título original: Les Glaneurs et la Glaneuse
Realização: Agnès Varda
Argumento:
Produção: Agnès Varda
Elenco: Agnès Varda, Bodan Litnanski, François Wertheimer
Fotografia: Agnès Varda, Didier Doussin, Stéphane Krausz, Didier Rouget, Pascal Sautelet
Música: Joanna Bruzdowicz, Isabelle Olivier
Edição: Agnès Varda
Género: Documentário
Origem: França
Ano: 2000
Duração: 78 min.
Classificação: M/12
1€ sócios | 2€ geral
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