Piloto que aterrou de emergência na praia de São João começou a ser julgado
Acidente em 2017 provocou dois mortos.
Começou na Quinta-Feira passada, dia 9 de Novembro, o julgamento do piloto instrutor que aterrou de emergência na Praia de S. João da Caparica em 2017 e, provocou a morte de dois banhistas, um adulto e uma criança. O piloto afirma que cumpriu todos os procedimentos e que fez tudo para não aterrar num local com tantas pessoas, mas não pôde evitar a tragédia porque a aeronave, com o motor parado devido a uma avaria, sofreu “um golpe de vento na cauda”.
A primeira sessão do julgamento acontece seis anos depois do acidente que matou Sofia Baptista António de 8 anos e José Lima de 56, na praia de São João da Caparica. Carlos Conde d’Almeida, o piloto instrutor que seguia a bordo do Cessna 152, está acusado de dois crimes de homicídio por negligência e do crime de atentado à segurança de transporte por ar.
“Quis aterrar 10 ou 15 metros à frente de onde a avioneta aterrou, onde não via banhistas, mas um golpe de vento na cauda empurrou a avioneta para baixo durante a aproximação”, declarou no Tribunal de Almada. “Vi pessoas em todo o lado, não tinha outra hipótese que seguir em frente e tive noção que atingi algumas pessoas, mas não quantas. Quando saí do avião fui agredido e partiram-me os óculos”. Nessa altura, os nadadores-salvadores protegeram Carlos d’Almeida da ira popular, até à chegada das autoridades.
O arguido seguia na avioneta particular pertencente ao Aeroclube de Torres Vedras, mas cedida há vários anos à Escola de Aviação G-air, com um aluno da Escola de Aviação Aerocondor. Tinham descolado em Cascais e seguiam para Sul, mas o motor deixou de funcionar cerca de cinco minutos depois de ter descolado quando sobrevoavam o rio Tejo, a 300 metros de altitude. O motor da aeronave sofreu uma falha total de potência, provocada pelo bloqueio da válvula de manutenção de nível de combustível na cuba do carburador. Isso impediu a entrada de combustível na cuba e o seu fluxo no motor.
De acordo com o despacho de pronúncia do Tribunal de Instrução Criminal de Almada, Carlos Conde d’Almeida perdeu 50 segundos a tentar ligar o motor e só comunicou a emergência quando estava a 150 metros de altitude. Indicou que ia aterrar na praia da Cova do Vapor, um areal quase sem ninguém, antes da praia de São João da Caparica. Acabou por aterrar à frente, com a praia apinhada de banhistas.
Em tribunal, o piloto alegou que “a decisão de aterrar foi imediata, assim que o motor parou de funcionar e, que a informação da aterragem na praia da Cova do Vapor era uma referência, não uma localização exacta”. “Eu disse Cova do Vapor e peço desculpa por isso, não conheço o nome daquelas praias e quando se deu a falha no motor, não a vi, apenas uma que estava mais à frente e sem tantas pessoas”, explicou o arguido.
“Quando se dá a falha de motor, pedi ao aluno para manter a velocidade de 60 nós, aquela que permite controlar o avião, e tentei por cinco vezes ligar o motor, apontando sempre a avioneta à zona onde queria aterrar. Se não insistisse tantas vezes em ligar o motor, cometia uma negligência grosseira”, disse o piloto, acrescentando que, quando aterrou a avioneta, esta imobilizou-se, não avançou 200 metros no areal, como defende o MP.
Em tribunal, Carlos d’Almeida garantiu que a sua intenção foi que o aparelho aterrasse num local com pouca água e onde não houvesse quase ninguém. “Tentei por todas as formas, chegar àquele ponto com água, com pouca água e não havia quase ninguém. Não consegui chegar lá”, disse.
Questionado sobre a hipótese de amarar no Rio Tejo, evitando o areal da praia de São João da Caparica. O piloto negou, dizendo que não há formação para amaragem, porque os aviões não são feitos para estar na água. O piloto disse ainda que o despacho de pronúncia tem factos incorretos e esclarece que, na sua opinião o aluno de 27 anos tinha experiência suficiente de voo.
Carlos Conde d’Almeida é o único arguido neste processo. Na decisão instrutória, o tribunal decidiu não levar a julgamento responsáveis da Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC) e três elementos da Escola de Aviação Aerocondor (entretanto encerrada).
Carlos Conde d’Almeida já tinha enfrentado uma paragem de motor em pleno voo, “devido à falta de combustível num tanque”, mas, dessa vez, conseguiu reverter a situação.
Pormenores da demora no processo
Os acontecimentos foram escrutinados pelo Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários (GPIAAF). O gabinete teve um director em substituição durante mais de seis anos. Apenas no início de Outubro foi nomeado um líder efectivo com mandato de cinco anos, sendo o mesmo que se encontrava em substituição: Nélson Rodrigues de Oliveira.
Desde 2017, o Governo tentou encontrar alguém efectivo para o lugar. O processo foi liderado pela Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública (CReSAP). A comissão fez várias tentativas ao longo do tempo, “não tendo sido encontrados três candidatos com o mérito exigido para o cargo”, refere o despacho publicado a 24 de Outubro em Diário da República.
Perante o impasse, a última palavra coube a João Galamba, ministro do Planeamento e das Infraestruturas. “Designo o engenheiro Nélson Rodrigues de Oliveira para exercer, em regime de comissão de serviço, por um período de cinco anos, o cargo de director do Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários, conforme resulta do seu currículo académico e profissional que evidencia a competência técnica, aptidão, experiência profissional e formação adequadas ao exercício das respetivas funções.”
O GPIAAF nasceu em abril de 2017. Resultou da fusão entre o Gabinete de Investigação de Segurança e de Acidentes Ferroviários (GISAF) com o Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves (PRIAA), criado em 1999).”Em países europeus, como a Áustria, a Bulgária, a Croácia, o Luxemburgo, a Noruega e a Suécia, os organismos responsáveis pela prevenção e investigação de incidentes e acidentes, têm atribuições concentradas na área da aeronáutica e na área ferroviária, contribuindo, assim, para uma visão integrada na área da investigação de incidentes e acidentes nestes modos de transportes, potenciando o aproveitamento de sinergias e a partilha de competências”, justificou o então Ministério do Planeamento e das Infraestruturas.
Desde a fundação, o GPIAAF foi liderado por Nélson Rodrigues de Oliveira em regime de substituição, após presidir, por três anos e meio, ao antigo gabinete de investigação de acidentes nas linhas de comboio. Chegou ao lugar depois do processo de seriação da CReSAP. Antes da fusão, o GISAF esteve praticamente três anos sem funcionar: o lugar de director ficou vago entre Janeiro de 2011 e Outubro de 2013, após a saída de Vítor Manuel de Sousa Risota.
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