Estado, impostos, orçamento…tentar perceber alguma coisa

Estamos em plena discussão do Orçamento Geral do Estado para 2026. Com um nome tão pomposo, o que faz é, essencialmente decidir os impostos a cobrar e como se aplica esse dinheiro. É simples e é complicado, porque o que se cobra e como se gasta determinam muito na nossa vida.

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A queixa mais comum sobre os impostos é que estes são excessivos, e olhando para o recibo de vencimento, isso parece incontestável, muito especialmente para a classe média (que muitas vezes são os que ganham mais do que o salário mínimo, outras os que podem pagar rendas de 2 300 euros).

Analisando os impostos à escala nacional, a receita fiscal correspondeu, em 2023, a 38,2 % do PIB (Produto Interno Bruto, ou seja, a riqueza produzida em Portugal). Este número coloca-nos a meio da tabela dos países europeus, onde o máximo pertence a França, acima dos 45%, e o mínimo à Irlanda, abaixo dos 25%. Trocando por Euros, a percentagem corresponde a cerca de 100 mil milhões. Muito dinheiro ou pouco dinheiro, depende do ponto de vista. 

Ao contrário do que um cartaz espalhado pelo país dizia, este dinheiro não se destina a financiar a “corrupção”, mas sim uma série de serviços públicos em que o maior valor destina-se à saúde (e tende a crescer com o envelhecimento da população e o avanço tecnológico), educação, segurança, apoios sociais, mobilidade e muitas outras áreas pelas quais nem damos conta. Infelizmente não deixou de haver corrupção nem desperdício, mas, há sobretudo más decisões. Ou seja, as finalidades destes gastos são corretas, mas podiam ser melhores. 

Uma parte vai para pagar juros e empréstimos. Ao contrário do que agora se espalha por aí, esses empréstimos e a consequente dívida não foram criados por José Sócrates, nem pelo 25 de abril. De facto, vêm de muito longe, já existiam na Idade Média, no século XVI, e em plena época dourada dos descobrimentos, provocaram a primeira bancarrota. 

A política faz-se no como e em que se aplica, e como e a quem se distribui. O modelo europeu é baseado em impostos altos (os tais 37%) e no estado de providência, a que agora se chama estado social. Noutros locais, por exemplo nos Estados Unidos, os impostos são baixos, mas o mesmo se passa com os serviços prestados pelo estado. Não existe, por exemplo, um sistema consistente de saúde pública. O interessante é que, ao contrário do que geralmente se pensa, o estado social não é uma criação da esquerda, nomeadamente da social-democracia do norte da Europa, mas sim do governante oitocentista alemão Otto von Bismarck. Um dos seus objetivos era, precisamente, travar o progresso das ideias socialistas. 

Esquerda e direita diferem na cobrança e aplicação de impostos. Uma das formas de analisar os impostos é atribuir à esquerda um maior peso do estado, ou seja, impostos mais altos e mais funções do estado, e à direita menos impostos e menos funções do estado. A retórica às vezes não é esta, por vezes diz-se que se vão baixar impostos sem prejudicar funções do estado, só que, com menos dinheiro, enfim, não há milagres.

Sabemos também que não há regra sem exceção, o brutal aumento dos impostos (sobre os rendimentos do trabalho) foi obra de um governo de direita. Porém, para não ser uma exceção completa, esse mesmo governo baixou o imposto sobre os lucros das empresas (IRC), coisa que o atual governo do mesmo partido está novamente a fazer no Orçamento Geral de Estado para 2026.

Isto leva-nos a outra diferença, a quem cobrar os impostos? Tirar aos ricos, para dar aos pobres, ou tirar aos pobres para dar aos ricos? É por isso que impostos como o IRS são progressivos, ou seja, quem recebe mais paga mais? Houve propostas para aplicar uma taxa única, o que ou levaria a uma grande queda nas receitas (e lá se iam os serviços públicos) se a taxa fosse baixa, ou a um aumento da carga fiscal sobre os rendimentos mais baixos, enquanto diminuía nos mais altos.

Em Portugal, os impostos vão de 12,5% para quem tem rendimentos anuais de um pouco mais de 8 000 euros, a 48% para os acima de 83 696 euros. Note-se que o resultado final situa-se bastante abaixo disto. Há deduções, parcelas isentas, e o que se paga também é dividido em escalões, ou seja, paga-se cada parcela pelo escalão respetivo: até 8 000 pelo primeiro, de 8 a 12 mil pelo segundo e assim sucessivamente. As tabelas de retenção na fonte (o que se paga para a conta final em relação à qual se fará um acerto no ano seguinte) encontram-se mais próximas da realidade. 

Outra parte importante dos impostos são os que incidem sobre o consumo. O IVA é o mais conhecido (e o que gera mais receitas), mas há outros, sobre os combustíveis, tabaco, entre outros. O Iva vai de 6 (para alguns produtos essenciais) a 23%, para a maior parte dos produtos não alimentares. Diz-se que são os mais injustos de todos os impostos porque afetam todos por igual, ou até mais os mais pobres, porque acabam por lhes consumir todo o rendimento disponível. Segundo um relatório do Banco de Portugal deste ano, o IVA não só contribui para a desigualdade social, como também contribui mais para isso em Portugal do que noutros países da zona Euro. 

As autarquias vivem sobretudo do IMI (Imposto Municipal sobre Imóveis) que todos os anos se paga pelas propriedades. Mais edifícios e mais construção equivale a um imposto mais elevado, o que explicará, em parte o desordenamento urbano e a vontade de construir casas mais caras. Mais difícil é explicar quando, como acontece em Almada, as câmaras municipais gastam apenas uma parte do que recebem. Se é por não ter problemas a resolver, baixem os impostos, se não é o caso, gastem o dinheiro a resolver esses problemas. Como sabemos habitação, higiene urbana, educação, transportes, não apresentam nenhum problema em Almada (ler com ironia). 

O destino a dar ao dinheiro proveniente dos impostos também é um dos principais pontos que separam a direita da esquerda, segurança e defesa tendem a ser favorecidos por governos de direita, enquanto a esquerda, em princípio, favorecerá a educação, a saúde e os apoios sociais. A cultura tende a ser inexistente para a primeira. Lembremos que atualmente existe uma enorme pressão para o aumento de despesas militares. Se conseguíssemos perceber essa distribuição, conseguíramos avaliar melhor as políticas, mas os dados tendem a ser opacos.

Uma coisa é certa, se hoje nos queixamos da falta de professores, teremos que olhar para a grande redução das despesas na educação que dura há mais de duas décadas. No próximo ano, o orçamento para a educação volta a baixar. Se vemos urgências a fechar e um Serviço Nacional de Saúde (SNS) em crise, teremos que saber que a grande parte dos gastos em saúde não se destina ao SNS, mas sim a pagar serviços a privados. Repararam em quantas vezes o Garcia de Orta teve as urgências de obstetrícia fechadas?  

Temos, por exemplo, dados sobre a desigualdade social que mostram uma diminuição dessas desigualdades entre 2015 e 2019, com um percurso misto desde então. Porém não conseguimos perceber como essas tendências se relacionam com os impostos, nem como os impostos contribuem para elas. Sabemos apenas, mas é um dado geral, que sem a distribuição de prestações sociais, haveria mais pobres, e estes seriam ainda mais pobres. 

Algo que devemos exigir aos governos e também à comunicação social, é melhor informação. Nem os três parágrafos habituais da página do governo (em que ainda não está o orçamento de 2026), nem as centenas de páginas do próprio orçamento nos ajudam. Não serve de muito saber que há descida de impostos, importa saber quais e de que forma.

Em linhas gerais sabemos que irão baixar bastante os impostos sobre os lucros e, em pequena escala, sobre o trabalho, mas isto é muito vago. Haverá custos nas funções sociais do estado, mas esses nunca são referido. É importante saber o que se dedica a cada sector, de onde vem e para onde vai o dinheiro, mas as contas são opacas. O populismo vive, também, da falta de conhecimento. 

Nada é perfeito e Portugal ainda não conseguiu reduzir significativamente a pobreza ou as desigualdades sociais. Podemos sempre achar, com razão, que o dinheiro dos nossos impostos podia ser melhor gasto, mas é graças a esse dinheiro que em indicadores como a saúde, a longevidade, a educação, Portugal passou da cauda da Europa durante o Estado Novo, para um lugar entre os mais desenvolvidos em Democracia.

Nuno Pinheiro

Doutorado em História Moderna e Contemporânea, Investigador associado do CIES/ ISCTE, almadense

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