Tribunal de Almada absolve piloto de acusação de homicídios
Caso remonta a 2017, quando um Cessna 152 fez uma aterragem de emergência na praia de S. João, causando duas vítimas mortais
A aterragem de emergência do avião ligeiro de instrução Cessna 152, após falha do motor, que levava a bordo o piloto instrutor e um aluno, no dia 2 de Agosto de 2017, provocou a morte de uma menina de 8 anos e de um homem de 56, que se encontravam na praia de São João da Caparica. O piloto instrutor, único arguido no processo, estava acusado de dois crimes de homicídio por negligência e um de condução perigosa por ar.
A avioneta saiu de Cascais rumo a Sul, mas o motor deixou de funcionar quando estava a sobrevoar o Tejo, a 300 metros de altitude.
A acusação defendia que Carlos Conde d’Almeida perdeu 50 segundos a tentar ligar o motor e só quando estava a 150 metros de altitude, comunicou a emergência, indicando que ia aterrar na praia da Cova do Vapor, um areal sem banhistas antes da praia de São João da Caparica. Acabou por aterrar à frente, na praia lotada. Sofia Baptista António, de 8 anos, e José Lima, de 56, foram atingidos pela aeronave e faleceram.
Em tribunal, Carlos Conde d’Almeida alegou que “a decisão de aterrar foi imediata, assim que o motor parou de funcionar” e que a informação da aterragem na praia da Cova do Vapor era uma referência, não uma localização exacta. “Eu disse Cova do Vapor e peço desculpa por isso. Não conheço o nome daquelas praias. Quis aterrar 10 ou 15 metros à frente de onde a avioneta aterrou, onde não via banhistas, mas um golpe de vento na cauda empurrou a avioneta para baixo durante a aproximação”, explicou o arguido.
O Ministério Público pedia a condenação de Carlos Conde d’Almeida por considerar que o piloto trocou os perigos para os dois tripulantes da aeronave, instrutor e aluno, de uma aterragem noutro local, ou de uma amaragem, pela “morte segura de outros”, numa praia com centenas de pessoas. De acordo com as alegações do MP, o piloto deveria ter escolhido o local da aterragem de emergência logo que se verificou a avaria, mas só o teria feito demasiado tarde, por ter perdido tempo em sucessivas tentativas para reactivar o motor da aeronave.
Na Terça-feira passada, 14 de Maio, esta tese foi contrariada pela juíza do tribunal de Almada que argumentou que a amaragem é uma manobra que “nem sequer é simulada” em Portugal. O tribunal considerou ainda que o arguido sabia que procedimentos do manual devia seguir. A juíza alegou também a falta de alternativas do piloto que, segundo disse, tinha como “única solução” aterrar nas praias de São João, uma vez que “não era viável o regresso da aeronave ao aeródromo de Cascais” e que “não era practicável a amaragem”, face à falha do motor.
O colectivo do tribunal considerou não ter ficado provado em audiência de julgamento que o único arguido no processo não tivesse cumprido os procedimentos de emergência a que estava obrigado, apesar da morte de duas pessoas inocentes. “O tribunal fez de ‘advogado do diabo’, ao confrontar vários pilotos examinadores e instrutores sobre o que poderia ter sido feito de diferente, mas nada se provou nesse sentido”, disse a juíza Céline Borges após leitura da sentença.
O Tribunal de Almada considerou que o arguido aterrou da forma mais segura para si e para o outro ocupante da aeronave e que se deparou com uma situação que lhe deu “muito pouca margem de controlar a aeronave assim que o motor falhou. A margem de actuação aí era diminuta, face à falha sucedida”. Resultou ainda como provado que a amaragem não era praticável, devido às características da aeronave.
O tribunal considerou também que o arguido, logo que foi detectada a falha de motor, percebeu que não conseguiria regressar ao aeródromo de Cascais ou aterrar na praia da Cova do Vapor, onde estariam menos pessoas, e visto que a amaragem não era opção, foi forçado a fazer a aterragem de emergência no areal de São João da Caparica.
Após a absolvição de Carlos Conde d’Almeida, Bárbara Marinho Pinto, que representa a família da menina que faleceu depois de atingida pela aeronave, disse que esperava outra decisão do tribunal, mas ainda não sabe se vai interpor recurso. “Evidentemente que não era esta a nossa expectativa. O julgamento é público, poderão ouvir as minhas alegações e perceber qual é a minha discordância face a esta decisão”, disse. “Há inúmeros aspectos que eu penso que foram incorrectamente julgados. O arguido admitiu que esteve durante 50 segundos a tentar reactivar o motor, é público, a prova está gravada, mas o tribunal não deu isso como provado. E isso surpreende-me. Tenho que ler a decisão, analisá-la e ponderar o que fazer, porque, para os meus clientes, como devem compreender, o desgaste é muito”, acrescentou
Opinião contrária manifestou o advogado do piloto instrutor, Luís Pires de Lima, que considerou ter sido feita justiça. “Fez-se justiça. Verificou-se que o arguido cumpriu com os procedimentos, fez o que podia. Uma coisa é certa: o avião no ar tinha que descer. O piloto tentou evitar ao máximo este desfecho, que é de lamentar, mas, como se disse no acórdão, podia ser pior se não fosse uma descida controlada, que o foi”, disse.
O julgamente que teve início em Novevembro de 2023, está assim encerrado, caso não existam futuros recursos por parte da acusação.
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