A grande porca

Os Almadenses não pedem muito – ruas limpas e um ambiente saudável. Almada precisa de limpeza, não só para visitas de convidados importantes, mas para todos os que aqui vivem – sobretudo quando se aumentaram brutalmente as taxas de resíduos.

É verdadeiramente impressionante como, nos últimos anos, a presidência da D.ª Inês de Medeiros e seu séquito transformou Almada num autêntico chiqueiro. A visão presidencial parece ser inovadora e quiçá fundada numa exposição que patrocinou em 2022, no antigo edifício da EDP – transformar as nossas ruas em exposições permanentes de lixo, tornando o concelho numa verdadeira nova espécie de atração turística, concorrendo com as cidades menos desenvolvidas do mundo pelo título de, segundo uns, “a grande porca” ou, segundo outros, “a capital da imundície”. É esta a falta de noção do nosso baronato.

Não é preciso dar uma grande volta pelo nosso concelho para se perceber que a recolha de lixo deve ser um conceito alienígena para este executivo municipal e para o baronato que o sustenta. O que se vê é claro – contentores sujos, malcheirosos e a transbordar, sacos que os circundam como satélites e porcaria espalhada pelas ruas. Talvez venhamos a descobrir que a doutrina presidencial dita que assim se atribui um toque rústico à comunidade, saudoso de outros tempos, ou, quem sabe, que este é o caminho para a promoção do turismo ecológico, mostrando que é possível aos humanos viverem em simbiose com a porcaria.

A desculpa habitual da falta de recursos pretende fazer-nos passar por parvos e é uma piada tão estúpida quanto o prémio da “capital da imundície” que alguns parecem querer disputar. É tão inadmissível quanto mentirosa, porquanto outros municípios conseguem manter as suas ruas limpas com semelhantes ou menores recursos. Quanto dinheiro está hoje parado nos cofres presidenciais?

Os verdadeiros problemas da falta de higiene urbana e da inexistente recolha de lixo são a falta de vontade política e a incompetência. Não estamos a falar de ciência espacial ou de física quântica, mas sim de organizar recursos, planear percursos e assumir responsabilidades.

Talvez se os órgãos municipais não estivessem colonizados por aparelhistas partidários fosse possível aos serviços fazerem aquilo que melhor sabem fazer – assenta aqui como uma luva a caricatura de Bordallo Pinheiro a propósito da “grande porca” da política, uma icónica personificação da corrupção e da incompetência na política, que neste caso assume uma dimensão prática e bastante malcheirosa.

Mas a doutrina presidencial vai mais longe no seu conceito do “turismo da porcaria”. É que sabemos agora, admitido pela D.ª Inês de Medeiros, que a própria presidente ordenou que fosse limpo um conjunto de ruas que seria alvo de uma visita dos deputados municipais. Esses deputados pretendiam, justamente, averiguar várias questões, entre as quais a falta de higiene do bairro que iriam visitar – no fundo, cumprir as funções da deputação.

É notável que quando há visitas importantes, como a dos deputados, haja ruas que são milagrosamente limpas – afinal há recursos! É, pois, como se vivêssemos num parque de diversões distópico, em que apenas se limpam certas áreas para impressionar convidados, enquanto os residentes têm de suportar o cheiro nauseabundo e a vista deplorável todos os dias. Como se entende que os serviços só sejam mobilizados para esconder a porcaria “debaixo do tapete” quando há visitas de convidados? Que desrespeito pelos Almadenses!

Os Almadenses não pedem muito – ruas limpas e um ambiente saudável. A doutrina presidencial tem de ir além dos sorrisos para as câmaras fotográficas e tem de resolver os reais problemas das pessoas. Para isso será preciso um executivo que ame verdadeiramente a nossa terra e por ela trabalhe, promovendo uma séria recolha de lixo, a limpeza das ruas, e a fiscalização eficaz das más práticas. Para isso será necessário valorizar os trabalhadores, as suas condições de trabalho e as suas carreiras.

Precisamos de soluções diferentes. É tempo de responsabilizar a D.ª Inês de Medeiros e seu séquito e exigir ações concretas. A paciência dos Almadenses esgotou-se. Vivemos hoje num verdadeiro “Apocalipse Now” urbano, onde a cidade afunda na porcaria quando o baronato finge nada ver. Almada precisa de limpeza, não só para visitas de convidados importantes, mas para todos os que aqui vivem – sobretudo quando se aumentaram brutalmente as taxas de resíduos.

Precisamos de mudanças profundas. É hora de a D.ª Inês de Medeiros deixar de parte as suas inspirações parisienses, sob pena de transformar Almada no cenário de uma nova versão d’Os Miseráveis de Victor Hugo – com pessoas amontoadas em insalubridade, esgotos a céu aberto, lixeiras nas ruas, e milhares de cidadãos a viver precariamente em barracas.

Precisamos também de lideranças alternativas firmes, que se alevantem contra a negligência presidencial, porque chegou o momento de dizer basta. A classe política deve, em representação dos cidadãos, erguer-se contra a máquina de incompetência e exigir que o executivo assuma o seu papel e trabalhe.

É hora de limpar a casa, começando pelo gabinete presidencial, tal como Hércules limpou os estábulos de Áugias – os tais estábulos do filho de Poseidon que albergavam milhares de cabeças de gado e que nunca tinham sido limpos e que Hércules limpou num só dia desviando os rios Alfeu e Peneu. Estará a D.ª Inês à espera que alguém desvie o Tejo?

David Cristóvão

Eleito do PSD na Assembleia da União de Freguesias de Caparica e Trafaria

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