Almada é finalmente como Londres (ou o drama da habitação estudantil)

Lembro-me quando o governo do agora demissionário António Costa nos prometeu 12 mil camas em residências universitárias entre 2019 e 2022 – hoje, sabemos que nenhuma foi entregue. Enquanto isso, nos últimos cinco anos foram contruídos mais 300 hotéis.

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Em 2007, fui um dos milhares de portugueses que se tornaram emigrantes. Saí do país para escapar à obsessiva valorização do sistema educacional português na memorização de conteúdos, mas sobretudo por querer uma vida melhor.

Estive emigrado durante dez anos, cinco dos quais em Londres. No tempo em que lá estive lembro-me especialmente de quando tive de encontrar uma casa para morar. Fi-lo a um ritmo alucinante pois não havia tempo a perder: a procura era muita e a oferta era escassa. Depois de três dias à procura, decidi-me por um quarto de 13 m2, numa residência estudantil, pela módica quantia de £800 por mês (1.040€ por mês ao câmbio da época). 

Lembro-me do esforço feito todos os meses para pagar este quarto. Mesmo assim, fui daqueles que teve a sorte de poder contar com os seus pais. Sei bem que sem esse apoio teria sido forçado a desistir do meu sonho, até porque os custos mensais não se limitavam, naturalmente, à habitação. Havia as propinas, os materiais escolares, a alimentação, os transportes, o lazer. É, por isso, sem surpresa que muitos ex-estudantes do ensino superior no Reino Unido continuam a pagar as suas despesas ainda do tempo em que estavam na universidade. 

Estava longe de imaginar que, anos mais tarde, esta iria ser a realidade do meu país. Em Portugal, a habitação estudantil é hoje uma barreira intransponível para quem deseja estudar no ensino superior: há estudantes a desistir dos seus estudos pelo simples facto de não conseguirem custear um teto para morar.

Esta é também uma realidade existente em Almada; continuamos a ser o sétimo concelho com as rendas mais altas do país, e só para o alojamento estudantil, os valores no nosso município voltaram a subir este ano para uma média mensal de 370€. Temos uma percentagem de habitação pública miserável, mais de 8 mil pessoas a aguardar uma casa para morar, e 9 mil casas desabitadas – um dilema tragicómico dos nossos tempos. 

Lembro-me quando o governo do agora demissionário António Costa nos prometeu 12 mil camas em residências universitárias entre 2019 e 2022 – hoje, sabemos que nenhuma foi entregue. Enquanto isso, nos últimos cinco anos foram contruídos mais 300 hotéis.

Dir-me-á o leitor, que já está em curso a construção de fogos de habitação em Almada. É certo que vemos isto como algo que irá ajudar a mitigar a situação emergencial que vivemos no nosso município. Mas o problema é que, como vemos do outro lado do rio – onde a solução encontrada foi inaugurar residências estudantis com quartos de 12 m2 entre 700€ e 1.100€ mensais –, não basta construir mais casas: é necessário que estas sejam acessíveis a todos.

É hora de dizer basta a mais soluções liberais. Não podemos mais continuar a apostar nas mesmas soluções que nos deixaram à mercê da mão-invisível e da lógica do “salve-se quem puder”.

Almada precisa de um executivo camarário que tenha a coragem de fazer frente à especulação imobiliária, e não de um que seja parceiro e promotor deste fenómeno. Precisa de um governo local que enfrente a pressão turística, e não de um que apresente uma versão colorida de Almada a nómadas digitais ou residentes não-habituais e que subalternize quem aqui vive, trabalha e estuda. Precisa de uma Câmara Municipal que garanta que a cidade de Almada se mantém fiel à história das suas gentes, e não de uma que sistematicamente anuncia megaprojetos que só beneficiam os grandes interesses financeiros.

O Bloco de Esquerda cá estará na luta por uma habitação acessível, e para acabar com esta que é (mais) uma das grandes crises da minha geração – seja em Londres ou em Almada.

Karim Quintino

Deputado Municipal em Almada pelo Bloco de Esquerda

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