Histórias e lições (esquecidas) de novembro

Na noite de 25 de novembro, o Almirante Rosa Coutinho veio ao Alfeite com a missão de desmobilizar os fuzileiros, o que foi decisivo para o desenrolar dos acontecimentos. Nos dias seguintes, o Forte de Almada foi a última unidade militar a render-se.

Em geral as cidades e outras povoações tendem a lembrar e valorizar aquilo que foram acontecimentos importantes que lá se deram. Se esses acontecimentos têm relevância nacional ainda mais. Almada parece ser a exceção, lá se vai falando da Batalha de 23 de Julho que foi decisiva para a derrota do absolutismo em Portugal, mas outros acontecimentos continuam na sombra. O passado nem sempre é conveniente para as narrativas do presente.

Refere-se com frequência, até porque está na origem mítica das comemorações do S. João, que D. Afonso Henriques teria conquistado Almada aos mouros, nessa data. Recentemente até se construiu uma nova narrativa para o nome da cidade à volta desses acontecimentos. Porém, não se fala, por exemplo, no papel que a resistência de Almada teve na derrota do cerco imposto por D. João de Castela a Lisboa em 1384, mas essa resistência foi fundamental para a vitória de D. João I e todo o futuro de Portugal. 

Estamos a chegar ao 25 de novembro, é uma data polémica no significado, mas a que todos reconhecem importância. Vou passar ao lado da polémica para lembrar que em Almada houve dois acontecimentos decisivos para o seu desfecho. Na noite de 25 de novembro, o Almirante Rosa Coutinho veio ao Alfeite com a missão de desmobilizar os fuzileiros, o que foi decisivo para o desenrolar dos acontecimentos. Nos dias seguintes, o Forte de Almada foi a última unidade militar a render-se. Junto à sua entrada havia em permanência uma grande concentração popular e, alguns dos acessos, estavam bloqueados por grandes blocos de cimento trazidos da Lisnave. Sendo o 25 de novembro a data menos consensual da História de Portugal, o esquecimento é espectável. 

Novembro, desta vez o dia 13 de 1974, é uma data mais esquecida, corresponde a factos que hoje parecem difíceis de acreditar. Nessa altura a população escolar crescia rapidamente, o Liceu de Almada, instalado num pré-fabricado na atual Praça da Liberdade, tinha crescido e tinha, agora, uma série de novos pavilhões à sua volta. Não só estava degradado, como, para aquele ano letivo de 1974/75 não havia instalações para todos.

As aulas não começavam e nem o Ministério da Educação, nem a Câmara (que na altura não tinha responsabilidades educativas) encontravam uma solução. E foram os próprios estudantes a dar a resposta, no Liceu havia alunos sem sala de aula, no seminário havia salas de aula e uma dúzia de seminaristas, era a solução. 

Nós hoje achamos que os jovens de 15 anos não são capazes de ir sozinhos para a escola, pois, nessa altura, os jovens de 15 anos (e menos) decidiram democraticamente numa RGA (Reunião Geral de Alunos) ocupar o seminário. E fizeram-no, com apoio da população, numa das maiores manifestações que houve em Almada. Diga-se que na altura ainda não tinha havido ocupações de terras no Alentejo, não seria uma questão de moda. 

Apesar de protegido por forças e veículos militares o seminário lá foi ocupado, para, durante a noite, quando já lá estavam menos pessoas ser reocupado pelas forças do Copcon que partiram os vidros do ginásio (deve ter sido este o único dano causado no processo). Parecia que o processo tinha sido derrotado, mas não, uns dias depois chegou a notícia de que o patriarcado tinha cedido ou alugado as instalações. Aquilo em que o ministério nunca tinha pensado acabou por ser a solução e houve aulas para todos.

No ano seguinte eram inauguradas as instalações no Pragal, a atual Escola Secundária Fernão Mendes Pinto. As velhas (na conservação, mais do que na idade) barracas continuavam a ser necessárias e lá ficou a Anselmo de Andrade, durante mais de uma década. O seminário voltou à sua vida normal. Porém, a solução para aquele ano letivo foi dada pelos próprios estudantes. 

Hoje, vê-se aqui um conflito entre o direito à educação e o direito de propriedade, mas, numa altura em que se espera que os problemas venham resolvidos de cima, em que se parte do princípio que os jovens são imaturos, este momento, por polémico e inacreditável que hoje pareça, mostra que democraticamente e com participação cívica, pode haver solução para os problemas. Um novembro polémico, podemos recordar ou esquecer, eu prefiro sempre recordar.

Nuno Pinheiro

Doutorado em História Moderna e Contemporânea, Investigador associado do CIES/ ISCTE, almadense

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