Pessoas que menstruam e o resto é ignorância

Parece que terei de ser eu – homem, cis, bem resolvido, heterossexual – quem terá de vir resolver a questão que inquieta um excêntrico representante dos Almadenses na Assembleia da República.

De entre todas as questões de absoluta gravidade que afectam o nosso distrito de Setúbal – a crise da Habitação, o afogo na Saúde, as emergências na Educação –, há uma que, nos últimos dias, suscitou o estúpido interesse de quem em tempos recentes só tem pensado nos temas da sexualidade: o que é, ou não, ser mulher (enfim, as más-línguas costumam dizer que quem insiste em falar muito deste tema sente falta de alguma coisa…). E parece que terei de ser eu – homem, cis, bem resolvido, heterossexual – quem terá de vir resolver a questão que inquieta um excêntrico representante dos Almadenses na Assembleia da República.

Este estéril debate surgiu porque um eleito do nosso distrito, no seu exercício da deputação, decidiu criticar violentamente a Ministra da Juventude por defender o uso da expressão “pessoas que menstruam” em documentos de saúde. Devo dizer que há, desde logo, uma razão clara para a Ministra Margarida Balseiro Lopes integrar o governo ao invés do seu crítico, o Sr. Bruno Vitorino (cuja única carreira conhecida é como funcionário indiferenciado e aroma-móvel) – a sofisticação intelectual de que a Ministra usufrui e o crítico não.

O debate sobre o uso da expressão “pessoas que menstruam” ao invés de “mulheres” em documentos de saúde – reforço, em documentos de saúde – é muito mais do que uma simples questão linguística; trata-se de uma luta pela inclusão, pela precisão científica, e pelo respeito pela diversidade humana. No entanto, este tema tem injustamente sido alvo de controvérsia e, muitas vezes, de ignorância, especialmente quando não se compreendem – ou não se querem compreender – as razões científicas, médicas e sociais que justificam esta escolha.

Em primeiro lugar, é importante entender que nem todas as mulheres menstruam. A menopausa é um exemplo claro: a partir de certa idade, muitas mulheres deixam de menstruar, o que não as desqualifica e não as torna menos mulheres. Além disso, há mulheres que, devido a condições de saúde como a síndrome do ovário policístico, não têm menstruação regular ou, em alguns casos, não menstruam de todo. Essas mulheres, no meu entendimento, continuam a ser mulheres, independentemente de menstruarem ou não.

Por outro lado, existem pessoas que menstruam, mas que não se identificam como mulheres. Homens transgénero e pessoas não binárias podem experienciar o ciclo menstrual, e é fundamental que a linguagem utilizada na saúde pública e na educação reflita essa realidade. O uso do termo “pessoas que menstruam” permite incluir essas identidades, evitando a exclusão e o apagamento das suas experiências de vida. A vida deve ser amor e inclusão, não ódio e exclusão.

É o Papa Francisco quem nos ensina a importância da compaixão, da inclusão e do amor incondicional por todos, todos, todos, independentemente das suas diferenças. Não nos esqueçamos de como nos lembra constantemente de que a verdadeira fé se manifesta no acolhimento dos marginalizados e na construção de pontes ao invés de muros. A sua mensagem de misericórdia convida-nos a ver o rosto de Cristo em cada pessoa, especialmente naqueles que são mais vulneráveis, e a agir com bondade e justiça, promovendo a dignidade humana e a paz em todas as nossas acções.

A Organização Mundial de Saúde, a Unicef e a DGS promovem o uso de uma linguagem inclusiva e que respeita a diversidade de género. O Estado português, no seu todo, assim o faz. Estes organismos reconhecem que a saúde pública deve ser acessível a todos, sem discriminação. O uso de “pessoas que menstruam” assegura que as políticas de saúde, recursos educativos e campanhas de consciencialização atingem todas as pessoas que delas necessitam, sem perpetuarem a exclusão de pessoas trans e não binárias.

A precisão científica também sustenta esta terminologia. Não é possível definir “mulher” apenas com base na capacidade de menstruar, já que essa definição exclui mulheres que, por razões naturais ou patológicas, não menstruam. A linguagem precisa e inclusiva é essencial para evitar mal-entendidos e garantir que todas as pessoas recebem o cuidado e o respeito que merecem.

Por isso, continuar a insistir em usar “mulheres” como termo genérico para se referir à menstruação é, no mínimo, ignorante, mas também estúpido – representa ignorância das realidades biológicas, das afirmações de géneros a que cada um tem direito e, acima de tudo, dos direitos de cada pessoa humana.

O PSD é, desde Sá Carneiro, o Partido da dignidade da pessoa humana. Sempre trabalhámos pela liberdade individual, pela igualdade de oportunidades e pela coesão social. O nosso compromisso é com a inclusão e com a justiça social. O PSD defende uma sociedade onde todos os cidadãos, independentemente das suas diferenças, têm acesso igualitário aos direitos e às oportunidades, começando pelos cuidados de saúde. Para nós, cada pessoa é valorizada como tal e as políticas públicas reflectem a realidade de cada cidadão, sem qualquer discriminação. Para o Sr. Vitorino não. 

Portanto, o Sr. Vitorino está a mais. Talvez seja hora de se deixar substituir por alguém que possa cumprir o mandato que hoje ocupa com verdadeira dignidade, nomeadamente pela primeira suplente da lista da AD por Setúbal, a minha colega da Caparica e Trafaria, Carina Ramos Ferreira. Demita-se e vá de volta para o Barreiro.

Mas direi mais – Não posso estranhar o silêncio do Sr. Paulo Ribeiro, Secretário de Estado da Protecção Civil e Presidente da Distrital de Setúbal do PSD. Bem sei que, na realidade, o Sr. Vitorino tem sido o Presidente-Sombra da Distrital de Setúbal do PSD. Mas, e agora? De que lado está o Sr. Secretário de Estado? Com a posição do Governo a que pertence ou com o Sr. Vitorino, seu Presidente-Sombra?

Pela minha parte, não tenho dúvidas! É hora de abandonar a idade média e abraçar uma realidade que reflita verdadeiramente a diversidade da experiência humana. É tempo de uma linguagem mais correcta e inclusiva, mas também de dar passos importantes na promoção de uma sociedade mais equitativa e respeitosa.

Assim é a Social Democracia.

David Cristóvão

Eleito do PSD na Assembleia da União de Freguesias de Caparica e Trafaria

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David Cristóvão

Eleito do PSD na Assembleia da União de Freguesias de Caparica e Trafaria