Trafaria | Polémica na Comissão Eventual sobre o 2º Torrão

Reunião de 9 de maio da Comissão Eventual criou polémica entre o seu presidente António Salgueiro do PSD e António Pedro Maco do CDS-PP. O Almada Online entrevistou António Pedro Maco e Miguel Salvado

A polémica na Comissão Eventual sobre o Desmantelamento e Realojamento do bairro do 2º Torrão, criada em sede da Assembleia Municipal de Almada (AMA), aconteceu Terça-feira dia 9 de Maio, numa das suas reuniões. O CDS-PP, partido que propôs a criação desta Comissão, já emitiu um comunicado de imprensa sobre o assunto. O Almada Online falou com o deputado municipal António Pedro Maco do CDS-PP e também com Miguel Salvado, ex-vereador da Câmara Municipal de Almada (CMA) e vereador executivo dos SMAS de Almada em 2019, ano em que foi produzido o primeiro relatório sobre a vala e os seus problemas estruturais, na origem de todo o processo de demolição e realojamento do bairro do 2º Torrão.

A polémica surgiu quando o deputado António Pedro Maco no final da reunião da comissão eventual de dia 9 “solicitou junto do presidente da mesma, António Salgueiro [deputado municipal do PSD], o ponto da situação acerca das entidades ainda por contactar para que possam reunir com a comissão.”, pode ler-se no comunicado enviado às redacções pela concelhia de Almada do CDS-PP.

“Dada a restante informação por parte do presidente da comissão, o mesmo, inesperadamente, informa os presentes que não vai efectuar nenhum contacto a fim de convocar o ex-vereador Miguel Salvado, à altura dos factos vereador executivo dos SMAS de Almada, para dar o seu contributo e esclarecimento para os episódios ocorridos na vala, objecto da comissão eventual. “, prossegue o mesmo comunicado.

Considerando a posição do presidente da comissão, “o CDS-Partido Popular, estranhou a forma inusitada e unilateral por parte de António Salgueiro, uma vez que, aquando da proposta efectuada por António Pedro Maco, no início e preparação dos trabalhos da comissão eventual para se incluir nas entidades a ouvir o ex-vereador dos SMAS, não houve nenhum impedimento por qualquer força política, nem pelo presidente da comissão que nada manifestou em contrário. “

O CDS-PP estranha “o facto de agora o presidente da comissão decidir de forma arbitrária que o ex-vereador não deve ser ouvido na comissão, relembrando o CDS-Partido Popular que o ex-vereador Miguel Salvado, foi um dos responsáveis na intervenção da vala do 2º Torrão em 2019, não se entendendo quais as razões deste obstáculo criado pelo presidente da comissão.”

“O Deputado Municipal do CDS-Partido Popular, exige assim, que o presidente da Comissão eventual sobre o 2º Torrão, António Salgueiro, apresente publicamente quais as razões de querer impedir o ex-vereador Miguel Salvado de prestar declarações de forma livre e voluntária junto da comissão eventual de acompanhamento, isto para que não haja quaisquer suspeições.”, pode ler-se ainda no comunicado desta força política.

O CDS-PP salienta no comunicado que “importa relembrar ainda que, com a excepção das restantes forças partidárias, só PSD e PS querem impedir que o ex-vereador do SMAS, Miguel Salvado, possa esclarecer a comissão eventual dos factos sobre a vala do 2º Torrão.”

O comunicado termina com a afirmação de que “o CDS-Partido Popular, se irá opor e denunciar qualquer tentativa de bloqueamento, branqueamento, enviesamento ou sonegação de informação junto da comissão eventual, que possa contribuir para o devido esclarecimento e apuramento dos factos respeitantes ao processo de desmantelamento e realojamento do bairro do 2º Torrão pela Câmara Municipal de Almada.”

©Sofia Quintas / Almada Online / Pormenor da parte da da vala de escoamento de águas pluviais que se encontra a céu aberto e naturalizada, antes da entrada no túnel que atravessa o bairro do 2º Torrão.

Entrevista a António Pedro Maco

O Almada Online falou com o deputado municipal António Pedro Maco, que para além do que diz o comunicado da força política que representa, acrescentou que “A atitude do presidente da Comissão [António Salgueiro, deputado municipal do PSD] é totalmente prepotente e arrogante e, vai contra qualquer princípio e valores institucionais do que deve ser um presidente de uma comissão”.

“Não há grande esclarecimento no Regimento acerca disso [ser necessário votação ou consenso para ouvir alguém em sede de comissão], o regimento diz que deve ser por consenso nas comissões, mas os presidentes têm a liberdade, ou sempre tiveram, de pedir para ouvirem quem entendessem, consultando a comissão. Ninguém se opôs à minha proposta inicial de ouvir Miguel Salvado, nem mesmo António Salgueiro. Agora de repente é que vem com essa, para surpresa de todos. Sem nada explicar, vem dizer que porque ele não quer o ex-vereador Miguel Salvado não será ouvido.”, continua António Pedro Maco.

“Para o PSD e PS quando lhes dá jeito, o presidente [da comissão] não pode tomar as decisões que entender sem consenso, cumpre-se o Regimento. Quando não lhes dá jeito, aí já o presidente é que manda sem ouvir ninguém, como é o presente caso. Jogam com as regras consoante necessitam. Neste caso está a correr-lhes mal e querem transformar isto numa comissão fantoche.”, conclui o deputado do CDS-PP.

” A sra. Presidente quando esteve na comissão, disse que há mais relatórios de monitorização e acompanhamento da vala entre os de 2020 e 2022. Afirma que acompanhou a vala, nesses anos entre os dois relatórios que possuímos e, baseada nos relatórios que alegadamente diz existirem para além destes dois, não houve necessidade de intervenção. Ela desleixou-se entre os relatórios de 2020 e 2022. Vai ter de provar o que diz com os alegados relatórios. Se os relatórios existem, que os mostre. Se não existem, vai ter de assumir as suas responsabilidades. Como os relatórios existem apenas alegadamente, PS e PSD querem terminar já o quanto antes com a comissão. Queremos os relatórios que diz existirem entre o de 2020 e o de 2022. “, diz ainda António Pedro Maco.

“Quando fizeram o relatório de Março de 2022, aí já a vala estava em perigo extremo. Logo, tentando antecipar uma tragédia, ela correu à pressa a mandar as casas abaixo e retirar as pessoas, quando o devia ter feito desde o alerta do relatório de 2019/2020 e não fez. O processo poderia ter sido muito menos traumático para as pessoas. Foi negligente e desleixada, correu mal. Agora anda a tentar desculpar-se, mas estamos cá para lhe reavivar a memória”, acrescenta o deputado. “É importante o Miguel Salvado dar a sua versão dos factos, uma vez que Sra. Presidente diz que tudo correu bem entre 2019 e 2022. Quero ouvir a versão do ex vereador, que presumo seja bem diferente. É isso que PS e PSD querem evitar!”, conclui António Pedro Maco.

Por causa do “diz-que-disse, e devido a uma hora dizerem uma coisa, e outra hora depois dizerem uma completamente contrária ao que se disse, o CDS sugeriu, para já, que as comissões sejam gravadas em audio.” Esta proposta será discutida na próxima Conferência de Representantes.

©Sofia Quintas / Almada Online / Crianças brincam no entulho e escombros das demolições no bairro do 2º Torrão. Esta situação perigosa existe desde Outubro de 2022.

Entrevista a Miguel Salvado

O Almada Online fez também uma entrevista por telefone a Miguel Salvado, ex-vereador da CMA pelo PSD e vereador executivo dos SMAS de Almada em 2019, ano em que foi produzido o primeiro relatório sobre o túnel da vala e os seus problemas estruturais, na origem de todo o processo de demolição e realojamento no bairro do 2º Torrão.

Este relatório inicial surgiu na sequência da necessidade uma limpeza integral do túnel da vala, que atravessa o bairro do 2º Torrão, efectuada pelos SMAS de Almada em Novembro de 2019. Na altura “este túnel que representa os últimos 183 metros da Vala A., (…) uma estrutura em betão armado de 2,00 m x 2,00 (…) é uma estrutura fundamental ao escoamento das águas pluviais provenientes da Costa da Caparica, e por se ter constatado que estava comprometido a passagem do efluente em consequência do arrastamento de pedras e areias por acção do mar, tendo sido necessário proceder de imediato à remoção das pedras que bloqueavam a saída, aproveitou-se também para proceder à limpeza integral e inspecção”, pode ler-se no relatório dos SMAS datado de 9 de Novembro de 2019.

Miguel Salvado contou-nos que “o túnel estava cheio de areia e de entulho, quase totalmente obstruído, só tinha 20 a 25 centímetros livres para passar a água. Os SMAS contrataram uma empresa para limpar o túnel da vala. Foram retirados na altura várias toneladas de pedras, areias, entulho e outros detritos, como pneus por exemplo. Durante a limpeza os SMAS aperceberam-se de problemas na estrutura de betão armado da cobertura do túnel da vala. Fiz o túnel todo por dentro a 5 de Novembro de 2019 com os SMAS e a Proteção Civil e, accionei os serviços para se fazer uma inspecção e respectivo relatório. Este relatório depois passa para a Protecção Civil e para a Habitação da CMA. Sai do âmbito dos SMAS. Sou o único vereador que esteve dentro da vala.”

“Os SMAS nesse relatório falam apenas da estrutura porque é do que sabem, não cabe aos SMAS dizer que as pessoas têm de sair. Se a estrutura está mal as pessoas em cima da estrutura logicamente têm sair. “, prossegue Miguel Salvado. As conclusões do relatório diziam que “(…) por estar em causa a segurança, a saúde pública e até ambiental, julgamos importante a reabilitação de toda a laje de cobertura, retirando todas as ligações clandestinas que a feriram e se possível retirar as casas precárias que foram construídas por cima desta infraestrutura.”

“O relatório foi também enviado para a APL [Administração do Porto de Lisboa], para a APA [Agência Portuguesa do Ambiente] e, para a Autoridade Nacional da Protecção Civil. As duas primeiras por ser este assunto da vala também da sua responsabilidade na altura e, a última pelo perigo que a infraestrutura apresentava.”, acrescenta Miguel Salvado.

Entretanto houve alterações a nível do Regime Jurídico dos Terrenos do Domínio Público Hídrico, passando a vala e as suas margens a ser administradas pela autarquia de Almada. Para complicar ainda mais a vala do 2º Torrão encontra-se em território classificado como REN (Reserva Ecológica Nacional), cujos terrenos pertencem a proprietários privados, que os adquiriram à antiga Fábrica da Pólvora da Trafaria, antes de estarem classificados como REN.

À pergunta se considera que as ligações clandestinas que o relatório menciona, que mais não são que o escoamento das casas de banho das construções feitas em cima da vala, são as responsáveis pela degradação da estrutura da cobertura da vala, Miguel Salvado é peremptório. “Também. Essas ligações rompem a estrutura de betão armado com ferro existente na laje que cobre o túnel da vala. O ferro é calculado para suster aquela estrutura específica e não para ser rompido. Alguns moradores também substituíram partes da laje da vala por cofragem, para construirem as casas.”

Mas estas ligações não são o único factor que contibuiu para a degradação da estrutura de cobertura do túnel da vala. “A vala é do tempo do Estado Novo, muito antes do 25 Abril. Pertencia à Junta Autónoma de Obras Hidráulicas e Agrícolas, depois a gestão da sua limpeza a nível de desobstrução passou para os SMAS, ainda durante o Estado Novo. Não há registos nos serviços sobre o ano em que foi construída exactamente.”, explica o ex-vereador. Antigamente existia um sistema “em que uma pessoa, que tinha essa profissão, quando a maré enchia abria a comporta existente no túnel para esse fim, a água entrava pela vala dentro e com a força do mar ia até à Costa da Caparica. Ficando a vala totalmente cheia, fechava a comporta nessa altura, depois esperava que a maré descesse e descarregava a vala para o rio e, a força da água levava o lixo para o rio, desimpedindo a vala. Essa comporta está soldada para não se soltar e cheia de ferrugem. Se cair fecha a vala tornando impossíveis as descargas. Com o passar do tempo, instalaram-se sistemas de bombagem na Estação Elevatória do Torrão e esta profissão desapareceu. O sistema agora é feito de forma mecânica e funciona à mesma. O túnel vinha de terra e continuava mar adentro terminando numa boca de lobo já dentro do rio, que foi sendo destruída com o tempo. O fim da vala passou a ser no fim do bairro junto às pedras, quando antes era mais à frente, o que causa pressão no tunel perto do bairro, devido às marés e descargas, o que antes não acontecia.”, estes são também factores que contribuíram para degradação da estrutura, apontados por Miguel Salvado.

“Então deu-se a derrocada em Maio de 2022 desta parte final do túnel, que acaba junto às rochas entre o bairro e o rio. Foi o que fez com que se tivesse de retirar as pessoas à pressa. Foi o pânico que ruisse por ali fora, bairro dentro. Mas três anos antes já se sabia que a vala tinha problemas graves. Poderia ter-se feito algo entretanto. Conhecimento da presidente sobre o problema sempre houve, até foi presidente dos SMAS. Sabia-se que havia ali um problema estrutural, social e habitacional. Quando ainda fazia parte do executivo da CMA, perguntava-lhe quando a encontrava informalmente ou em reuniões do Conselho de Administração dos SMAS com a presença da Vereadora Teodolinda Silveira (que tinha também o pelouro da habitação no mandato anterior ) e do Director Delegado dos SMAS, como estava o processo da vala, ao que me respondia sempre que os serviços competentes estavam a acompanhar o assunto. O processo de demolição começou tarde, deveria ter sido feito com mais calma, com mais planeamento e, sobretudo com maior atenção a quem lá morava e ainda mora”, diz ainda o ex-autarca. “A seguir terá de haver uma intervenção na vala e, e na minha opinião o melhor era renaturalizá-la. Ou seja, colocando a vala a céu aberto como está antes do túnel, a pressão deixaria de existir.”, explica Miguel Salvado.

“Soube do que se passou ontem [dia 9 de Maio] na comissão pelo comunicado do CDS-PP publicado nas redes sociais. Vou enviar um mail à comissão a dizer que estou completamente disponível para ir lá falar, ninguém fala por mim excepto eu. Não entendo porque alguém do meu partido me quer impedir de ir falar à comissão. Se não for ouvido na comissão terei de recorrer aos orgãos da autarquia, numa reunião em que vá em substituição do vereador do meu partido, por exemplo, para clarificar o papel dos SMAS na altura, que foi a limpeza da vala, que depois despoletou todo o resto. Formalmente ninguém nunca falou comigo durante todo este processo do 2º Torrão, nem houve nenhum contacto formal para ir responder em sede de comissão. Estou completamente disponível para prestar todas as informações que julguem necessárias.”, conclui Miguel Salvado.

O Almada Online enviou várias perguntas, pediu documentos, relatórios e pareceres ao longo do tempo, sobre todo o processo de demolição e realojamento no bairro do 2º Torrão, à CMA. Nunca, até hoje, obteve uma resposta ou documento por parte da autarquia sobre este assunto.

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Sofia Quintas

Directora e jornalista do Almada Online