Um ato coerente em defesa da cultura de Almada

A maioria PS decidiu integrar a Mostra de Teatro de Almada, sem a anuência, sequer consulta, daqueles que são os seus verdadeiros mentores e fautores, e integrar o apoio financeiro, autónomo, que tradicionalmente o Município atribuía aos participantes na Mostra de Teatro de Almada, no montante do apoio concedido ao abrigo do regulamento de apoio à criação teatral.

Para que não reste qualquer equívoco logo de entrada, a CDU é a força política portuguesa, e em Almada por maioria de razão, que mais, e com mais coerência, defende, apoia e patrocina o investimento público no desenvolvimento de projetos de criação cultural e artística, considerando esta área de atividade humana um pilar essencial e imprescindível do desenvolvimento integral do ser humano. 

Que sobre esta disponibilidade, esta vontade e esta determinação, não restem dúvidas algumas! 

A CDU está na linha da frente na exigência da dotação de (pelo menos) 1% do Orçamento de Estado para investimento na produção, criação, divulgação e usufruto de bens culturais em Portugal. Nenhuma outra força política assume este compromisso com os criadores culturais do nosso País. 

Está também na linha da frente na exigência da gratuitidade de acesso aos bens culturais públicos, designadamente museus e outros bens públicos, por parte de todos os cidadãos. Também nenhuma outra força política assume este objetivo de forma tão objetiva e coerente.

Ao nível local, é também a CDU que está na linha da frente na conceção, criação e concretização das necessárias condições para o estímulo, apoio objetivo e reconhecimento da atividade cultural e criativa, mobilizando, onde e sempre que é poder, significativos recursos das autarquias locais – que é bom lembrar, possuem competências específicas neste domínio fixadas por lei –, para apoio, dinamização e desenvolvimento de múltiplos projetos culturais, numa base de enorme diversidade e opções estéticas, que constitui, afinal, o cerne de toda a atividade criativa cultural.

Foi com a CDU no poder que o então Grupo de Teatro de Campolide se deslocou do Teatro da Trindade em Lisboa, para a Academia Almadense, em Almada, aqui se fixando e nunca mais daqui saindo, sendo hoje uma das Companhias de Teatro mais prestigiadas e consideradas – no plano nacional e no plano internacional – no panorama do teatro português. 

Foi com a CDU no poder que nasceu o projeto do Teatro Extremo, uma companhia de teatro e artes performativas especialmente vocacionada para um público mais jovem (crianças e adolescentes), mas com produções de elevadíssima qualidade também para adultos, também ela hoje reconhecida – no plano nacional e no plano internacional, uma vez mais – como uma das principais representantes daquilo que de melhor se realiza em Portugal em matéria de produção teatral.

Foi com a CDU no poder que foi criada a Companhia de Dança de Almada, com uma fortíssima aposta na produção, mas igualmente na formação de novos valores da dança, e que é hoje justamente considerada – de novo no plano nacional e no plano internacional –, uma das companhias de dança mais representativas e mais importantes de todo o país.

Foi pela mão destas instituições culturais de verdadeira dimensão nacional com sede em Almada que, com o inequívoco e inquebrantável apoio, a todos os níveis, dos órgãos autárquicos de Almada presididos pela CDU, nasceu o então Festival Internacional de Teatro de Almada (hoje apenas Festival de Teatro de Almada), o Festival Sementes – Mostra de Artes Performativas para o Pequeno Público e a Quinzena da Dança, que inclui todos os anos uma Mostra Coreográfica Internacional.

Falei de coisas muito, muito grandes. E muito, muito importantes. Mas importa falar também de outros projetos e outros grupos de teatro, igualmente grandes e importantes, que nasceram, e viveram, e vivem, em Almada. 

Uma publicação da Câmara Municipal de Almada, editada em novembro de 2016 e intitulada “A Cidade do Teatro”, dá-nos conta da constituição, da vida e de trabalho de promoção, divulgação e usufruto cultural em Almada, num brevíssimo espaço de tempo de 40 anos, de 47 (sim, quarenta e sete!) estruturas profissionais, semiprofissionais e de amadores na área do teatro! 

Sublinho, ainda, os inúmeros grupos de teatro de amadores formados no seio das coletividades e clubes do Concelho de Almada, nascidos no Movimento Associativo Popular que os alimentou e deu espaço, que nas quatro partidas do Concelho não apenas possibilitaram o acesso e usufruto a essa arte milenar de representar a vida – que é o teatro –, às comunidades locais, como permitiram que essas mesmas comunidades participassem ativamente e diretamente na produção e encenação de espetáculos de teatro e outras artes performativas, promovendo ativamente o seu desenvolvimento cultural e social. Alguns destes grupos de amadores ainda resistem, pese embora as enormes dificuldades que têm vindo a ser impostas à atividade do Movimento Associativo Popular em Almada.

Tal diversidade, tal multiplicidade de opções artísticas e estéticas, tal dimensão de estruturas em atividade num concelho que possui, hoje, pouco mais de 170 mil habitantes, e geograficamente situado a um estuário de distância da “grande” Capital do país, é obra seguramente inigualável em todo o país, e só pode encontrar explicação na profunda disponibilidade do Poder Local Democrático, conduzido pela CDU, para incondicionalmente apoiar, estimular e acarinhar a atividade de todos estes criadores artísticos.

Um apoio, um estímulo e um carinho que transformaram Almada, não nas minhas palavras, mas nas palavras dos mais exigentes críticos do país, na Cidade Capital do Teatro. Um qualificativo que foi e é um imenso orgulho para as gentes de Almada, mas que infelizmente a maioria PS parece apostada, desde há sete anos, em derrotar!

Não conheço nenhuma publicação em que seja sistematizada a criação e a vida de estruturas culturais noutras áreas das artes performativas em Almada; mas serão, seguramente, também algumas dezenas, particularmente na área da dança.

É esta a História de Almada que importa conhecer, reconhecer e, sobretudo, respeitar. É esta História profunda do concelho de Almada, dos seus munícipes e da sua vida que importa que todos os responsáveis, todos os eleitos, todos os decisores, estudem, percebam e conheçam.

Eliminados eventuais equívocos que um voto num órgão autárquico pudesse produzir, vamos então ao ato de coerência em defesa da cultura em Almada.

Em janeiro de 2024, após largos meses de hesitações e dúvidas, a atual maioria PS na Câmara Municipal de Almada fez aprovar um regulamento que designou de “apoio à criação teatral e performativa de Almada”.

Um documento que transportou para o nível de instrumento regulamentar, aquela que vinha sendo uma prática reiterada de restrição e de manifesta diminuição dos apoios públicos municipais à criação teatral e performativa (como, aliás, à atividade cultural em geral), uma prática prosseguida desde 2017 pela atual maioria na Câmara Municipal.

A aprovação deste regulamento representou o culminar de um processo de asfixia gradual dos apoios municipais a esta atividade, iniciado logo em finais de 2017 quando o PS assumiu a presidência da Câmara Municipal.

Será bom não esquecermos que a primeira medida tomada neste domínio pela presidente da Câmara Municipal eleita em 2017 foi, sem mais, sem qualquer estudo de suporte, sem qualquer justificação plausível e atendível – apenas porque sim, e por manifesta opção política e ideológica –, reduzir em 15% todos os apoios municipais às estruturas do movimento associativo popular almadense, incluindo, naturalmente, as culturais. É bom que não nos esqueçamos que esta foi a primeira decisão tomada pela atual presidente da Câmara Municipal de Almada!

A partir daí, iniciou-se um caminho de asfixia, desconsideração, desrespeito permanente e crescente, pela atividade de um vasto conjunto de entidades e instituições, que vinham desenvolvendo o seu trabalho criativo no Concelho de Almada há mais de 40 anos. Este regulamento de que aqui se fala não é peça única, mas é, quem sabe, a mais esclarecedora relativamente a este processo de gradual asfixia.

Este regulamento foi desenhado, concebido e colocado em prática com o único objetivo de reduzir (se possível drasticamente) os apoios públicos municipais à atividade artística e criativa no Concelho de Almada. 

Essa realidade transparece de forma muito nítida, por exemplo, quando verificamos que o regulamento foi concebido de modo a permitir que qualquer grupo ou instituição de qualquer ponto do País, possa apresentar uma candidatura a este programa municipal, em claro prejuízo daquilo que é a obrigação primeira do Município de Almada, que é o apoio às estruturas e organizações existentes e com atividade predominante no Concelho de Almada. 

Não se rejeita, ninguém no seu perfeito juízo rejeita, o contacto e intercâmbio culturais a todos os níveis. As grandes iniciativas anuais que atrás refiro são, aliás, testemunhos eloquentíssimos de como o Município de Almada sempre estimulou o contacto com outras realidades e o intercâmbio de experiências.

A Câmara Municipal pode sempre adquirir e trazer até Almada os espetáculos que entender com origem nas mais variadas partidas de Portugal e até do mundo. Nada a opor. 

Mas aqui, do que se trata é de apoiar a atividade criativa, não é de apoiar a produção no concreto (é, aliás, delirantemente interessante ler o relatório final do júri, que avaliou os contributos em sede de discussão pública deste regulamento, percebendo que é esse mesmo júri quem apela, sistematicamente, para o facto de nos encontrarmos perante um regulamento de apoio à criação e não de apoio à atividade/produção. Este argumento do júri é, aliás, hipocritamente utilizado para rejeitar liminarmente a proposta, que diversos grupos de teatro apresentaram no âmbito da discussão pública e a CDU secundou na discussão havida na Câmara Municipal e na Assembleia Municipal, no sentido de que o regulamento consagrasse como requisito essencial, que as estruturas que apresentassem candidaturas possuam “atividade predominante” no Concelho de Almada). 

A verdade é que a Câmara Municipal de Almada não governa o país; a Câmara Municipal de Almada governa o Município de Almada! E nesse quadro, os regulamentos que aprova e faz aplicar não podem deixar de privilegiar os munícipes de Almada e ser colocados ao seu serviço. Isso não se verifica, de forma manifesta, neste regulamento.

Esta intenção de redução dos apoios públicos à atividade criativa no Concelho de Almada, transparece de forma igualmente muito nítida, quando verificamos que é incluído pelo menos um critério em que se privilegia os grupos e instituições que têm maior dimensão e maior capacidade, estabelecendo, por exemplo, uma pontuação de 10 pontos no caso da candidatura conseguir angariar 40% ou mais do orçamento previsto na candidatura (para além do apoio municipal) noutras fontes de financiamento. Ora reduzindo por esta via o número de candidaturas que estão em condições de obter a máxima pontuação neste parâmetro de avaliação, reduz-se o montante final dos apoios concedidos. Basta simples contas de aritmética para se perceber esta realidade.

Uma terceira realidade que demonstra esta ânsia em reduzir apoios públicos é a decisão, unilateral, e que reputo de ilegítima, de “municipalização” da Mostra de Teatro de Almada, uma iniciativa que ao longo de mais de duas décadas foi organizada e concretizada pelos próprios grupos de teatro, naturalmente com o apoio logístico e financeiro da autarquia local (que é precisamente para isso que a autarquia existe!).

A maioria PS decidiu integrar a Mostra de Teatro de Almada, sem a anuência, sequer consulta, daqueles que são os seus verdadeiros mentores e fautores, e integrar o apoio financeiro, autónomo, que tradicionalmente o Município atribuía aos participantes na Mostra de Teatro de Almada, no montante do apoio concedido ao abrigo do regulamento de apoio à criação teatral. Uma decisão ardilosa que representa, de facto e no concreto, a redução dos apoios públicos municipais à atividade de criação e divulgação das artes performativas no Concelho.

Não podem compreender-se, pelo menos com facilidade, que razões objetivas fundamentam estas opções. Falta de recursos financeiros não será, seguramente (a saúde financeira do Município de Almada é conhecida e reconhecida). Falta de matéria-prima para trabalhar, muito menos, a História do movimento cultural, e da atividade de produção e criação teatral em Almada, aí estaria para desmentir cabalmente essa possibilidade. Um tão súbito quanto inexplicável desinteresse das centenas, senão milhares, de atores, encenadores, coreógrafos, figurinistas, e outros técnicos das artes cénicas, que dão o seu trabalho e seu esforço às estruturas culturais que, não obstante, resistem e insistem no desenvolvimento da sua atividade, na continuidade da atividade cultural que vinham desenvolvendo há mais de quatro décadas, também me parece difícil de aceitar como explicação plausível.

A CDU esteve, naturalmente e uma vez mais, na linha da frente da defesa dos interesses das instituições e organizações culturais do Concelho de Almada, defendendo um apoio concreto à atividade de criação artística, assente no respeito integral pela diversidade de propostas e projetos, e fundada em critérios de justiça relativa e de equidade, que este regulamento manifestamente não assegura. 

Em coerência, a CDU rejeitou – como rejeitaram a generalidade das instituições e grupos de teatro do Concelho de Almada – as normas restritivas constantes deste regulamento, que traduzem um retrocesso muito significativo no que respeita à qualidade da intervenção municipal neste domínio.

Em coerência, também, os Vereadores eleitos pela CDU rejeitaram, no passado dia 2 de setembro, a primeira proposta submetida a deliberação da Câmara Municipal ao abrigo deste regulamento, precisamente porque essa proposta traduz, integralmente, as enormes preocupações expressas no momento da discussão e votação do regulamento, confirmando as razões que a CDU então apontou. Um ato coerente, por isso, em defesa da cultura em Almada!

João Geraldes

Membro da Assembleia Municipal de Almada, eleito na lista da Coligação Democrática Unitária

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