Grandes projetos, nenhuns resultados
São projetos que saem da alçada das autoridades municipais, sendo geridos por empresas autónomas, sem qualquer controle democrático; são centrados nas faixas altas do mercado, quer seja na habitação, nos serviços e comércio, ou no entretenimento; apresentam-se como grandes projetos de reabilitação urbana, mas acabam por privatizar o espaço ribeirinho.
A frente ribeirinha da cidade de Almada em vez de ser um local aprazível que valorize a cidade, é um aglomerado de ruínas industriais para as quais existem projetos com décadas, mas sem nenhum resultado.
Quando os estaleiros da Lisnave na Margueira, estavam para fechar, na viragem do século XXI, começaram a aparecer projetos para o local. Primeiro a famosa e efémera “Manhattan de Cacilhas”, depois a “Cidade da Água” que parece sobreviver nos sonhos autárquicos e de uma entidade responsável pelo espaço, chamada “Baía Tejo”. Ao fim de 25 anos nada aconteceu, talvez seja altura de repensar o assunto.
Outro espaço ribeirinho eternamente adiado é o Ginjal, para este chegou-se a prometer obras em 2018, é o que se vê.
A partir dos anos 80, com a desindustrialização de espaços ribeirinhos, inicia-se uma grande vaga de projetos de requalificação. O modelo são as Docklands de Londres que, iniciando-se nos anos 80, ainda continua em construção. Este terá sido um dos projetos urbanos mais contestados dos últimos tempos, mas tem algumas características que acabariam por ser comuns. São projetos que saem da alçada das autoridades municipais, sendo geridos por empresas autónomas, sem qualquer controle democrático; são centrados nas faixas altas do mercado, quer seja na habitação, nos serviços e comércio, ou no entretenimento; apresentam-se como grandes projetos de reabilitação urbana, mas acabam por privatizar o espaço ribeirinho.
Creio que todos pensaram na Expo 98, em que há mais um fator a ter em conta. Uma injeção de muito dinheiro público. Investimentos públicos, lucros privados.
Vinte e cinco anos de espera pela concretização dos projetos da Lisnave deviam por alguém a pensar que, provavelmente não são concretizáveis. Nem é difícil entender porquê, apontou-se ao, forçosamente limitado, mercado de luxo e ao mesmo tempo a uma concentração populacional incompatível com preços altos. O mercado, meus senhores e minhas senhoras, o mercado. Também se apostou em trazer para ali empresas, mas, novamente se pensou mais nas grandes multinacionais que na pequena empresa e estas não irão trocar o centro de Lisboa por nada (talvez por Madrid, como muitas fizeram). Os “grandes investidores” fizeram, ao contrário dos autarcas, estas contas e nada vai acontecer, ninguém vai avançar com os dois mil milhões que dizem ser necessários para o projeto. Note-se que o estado, ao contrário de colocar ali dinheiro, como fez na Expo, ainda espera sacar algum.
Se em vez de esperar por um “totalisnave” com os olhos a brilhar com os milhões que vão aparecer de IMI, IMT e outro I(mpostos) se pensasse no que aquele espaço pode acrescentar ao concelho. Há passos essenciais para isso. O primeiro é regressar à gestão municipal, o segundo é remeter os projetos existentes para o arquivo, arrumando a ideia de fazer tudo de uma vez. É um espaço enorme e de enorme potencial numa cidade com muito deficiente ligação ao rio.
Coisas como marinas já estão semi-construídas e não custaria muito pô-las operacionais. Com elas podiam vir muitas atividades ligadas ao rio e à atividade náutica. É um espaço de excelência para a restauração e hotelaria, incluindo algumas propostas pouco comuns em Portugal, como barcos hotel. Para recintos desportivos e de espetáculos até estão lá as bases. É só pensar naquele espaço como uma forma de enriquecer a cidade, em vez de o ser de encher os cofres da câmara, da tal Baia Tejo e de uns especuladores, que pelos vistos nem o querem.
O Ginjal tem o mesmo imobilismo e degradação de décadas, mas uma situação diferente, já está nas mãos dos especuladores, tem projetos e inícios de obra prometidos. Os resultados são os mesmos, as causas semelhantes. A estratégia é a do enriquecimento dos especuladores, e não a de melhorar a cidade. Ambas são o sinal da falta de estratégia camarária (do atual e anteriores executivos).
Para ambos a solução está no repensar não só naqueles espaços, mas no repensar a cidade, isso talvez seja mais difícil do que manter algumas quimeras, mas décadas de quimeras já deviam ter deixado perceber que o caminho não é esse.
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