Amarelo
O cão que, na Costa da Caparica, esperava pelos surfistas na paragem de autocarro
No início dos anos 80, na Costa, existia um cão rafeiro, grande e amarelo, apelidado de Amarelo por uns e Yellow por outros. Este cão tinha uma particularidade: um fascínio por pranchas de surf e pelos surfistas.
Há inúmeros relatos sobre a sua espera, no centro da vila, perto do Largo do Chafariz (Praça da Liberdade), pelas camionetas que chegavam de Lisboa com esses seres espetaculares que traziam uma tábua debaixo do braço: os surfistas. O Amarelo ficava ali sentado, como quem espera um amigo com quem combinou ir apanhar umas ondas.
No largo, onde nessa época existia o antigo posto de turismo – local de encontro de muitos e sítio icónico cuja demolição ainda hoje intriga os habitantes da Costa – desembarcavam os autocarros cheios de gente que “dava à Costa”. O Amarelo só se levantava quando via um surfista com prancha. Era uma espécie de reconhecimento do objecto amado. Depois, lá ia ele a segui-lo até à praia, onde ficava regalado o dia inteiro. All day long…
O Amarelo não tinha um “dono” oficial, mas foi adoptado pelos surfistas e pelo Eugénio, seu protector-mor – um miúdo que morava para os lados da Agro Ferreira e que também se aventurava nas ondas de vez em quando (uma vez até rachou uma prancha que o Camané Rolim lhe emprestara e que tinha vindo dos EUA, uma raridade na altura).


O Amarelo tinha a mania de correr atrás das motas e dos carros que passavam no paredão, ladrando-lhes às rodas. Também ladrava aos Cabos do Mar, aos vendedores de gelados e até aos pescadores … Tinha um seguidor que o imitava, mas mal: o Ignoro, um cão preto, muito bem mandado, que, quando aparecia um gato por perto e desatava a ladrar, bastava um dos surfistas do grupo dizer “ignora”, e ele ignorava! (Daí o nome.)
Uma vez, em frente à praia do Dragão, o Ignoro foi ladrar às rodas de um camião de refrigerantes e a coisa correu menos bem. Há quem o tenha visto, depois da pancada, a cambalear em direcção ao seu destino final — o pontão e, depois, o mar. Nunca mais voltou.
Quanto ao Amarelo, não sei como terminou. Ainda tentei encontrar o Eugénio para conseguir fechar esta história. Fui ali, à vivenda do muro alto, na Agro Ferreira… mas não tive sorte.
O Amarelo e o Ignoro ficaram na memória dos surfistas da Costa. Dois cães livres, cúmplices de uma época em que o mar era território de descoberta e o verão parecia não ter fim.
Almada Online, Costa da Caparica, Crónica, Opinião, Sandra Barros Simões

 
							 
							