Costa da Caparica | Presidente da Junta pede Inspecção urgente às Finanças
Em causa estão transferências do erário público da tesouraria da junta para uma conta sua. O Almada Online conta-lhe tudo em exclusivo
O presidente da Junta de Freguesia da Costa da Caparica, José Ricardo Martins, fez uma declaração pública na Assembleia da passada Sexta-Feira dia 30 de Junho. Em causa está o que o próprio denomina como “assassinato de caractér” da sua pessoa, devido a transferências efectuadas de uma das contas da Junta, para a sua conta pessoal.
São 58 os movimentos bancários efectuados entre 20 de Dezembro de 2022 e 15 de Maio de 2023, num valor total de 34.960€, efectuados por José Ricardo Martins, eleito pelo PS, com conhecimento e autorização do Vogal Tesoureiro João Quintino, eleito pela mesma força política.
A justificação para estas transferências foi dada pelo próprio José Ricardo Martins, na última reunião da Assembleia da Junta de Freguesia da Costa da Caparica. “Tudo aquilo que hoje vou relatar estou consciente que não há nenhuma matéria de direito criminal e, que eu próprio, enquanto presidente da Junta de Freguesia fiz um mail à IGF [Inspecção Geral de Finanças] detalhando tudo aquilo que passo a relatar e, a pedir uma inspecção com carácter de urgência. Eu ia fazê-lo no final do mandato, mas foi antecipado 1 ano. Com a máxima portuguesa ‘quem não deve não teme’, o assassinato de carácter que tentaram fazer sobre a minha pessoa trata-se de um assunto pessoal e, obviamente não tem cabimento como objecto desta reunião. No entanto eu quero partilhar com os membros dos partidos políticos e com a população aqui presente, para acabar também com algumas dúvidas. Trata-se de um adiantamento de vencimentos a titulares de orgãos de autarquia, que do meu ponto de vista, e do ponto de vista de alguns advogados, não constitui qualquer ilegalidade no sector público e são como sabemos, práctica corrente no sector privado. Por se tratar de adiantamentos, já parcialmente compensados com o não recebimento dos meus vencimentos actuais, são neutros do ponto de vista do erário público e não se traduzem em qualquer prejuízo para a Freguesia. Quanto às razões do dito adiantamento, são, repito, pessoais, ainda que possa dizer que não foram destinados a satisfações ou necessidades próprias e por agora é isto que me oferece dizer.” Ou seja, José Ricardo Martins solicitou uma inspecção às suas próprias acções.
O que para muitos poderá ter sido uma surpresa, foi para outros a assumpção pessoal do que se comentava à boca pequena na Costa da Caparica e nalguns sectores locais do PS. A prová-lo está a denúncia feita pelo restante executivo da Junta de Freguesia à IGF no dia 27 de Junho (3 dias antes da declaração pública de José Ricardo Martins), à qual anexaram prova das movimentações bancárias, os seus valores e datas. Nos documentos, endereçados ao “Sr. Inspector Geral das Finanças”, aos quais o Almada Online teve acesso, pode ler-se o seguinte:
“Vêm os membros do Executivo da Junta de Freguesia da Costa da Caparica, Vogal Secretário Sérgio Manuel Gonçalves de Sousa, Vogal Célia João Costa Figueiredo, designada igualmente como legal substituta do Presidente, e Vogal Maura Rute Silva Guerreiro, bem como a Assistente Técnica com funções de contabilidade na aludida autarquia, Isabel Maria de Almeida Alves, dar a V. Exa. denúncia dos seguintes factos:
Que os Srs. Presidente da Junta, José Ricardo Dias Martins, e Vogal Tesoureiro João Ricardo Lourenço Quintino, únicas pessoas com poderes atribuídos para fazer e autorizar levantamentos/transferências bancárias e demais autorizações em operações de tesouraria, procederam sem que de tal facto o comunicassem aos restantes membros do Executivo, no período compreendido entre 20/12/2022 e 15/05/2023, ao levantamento/transferência de 34.960,00€ (trinta e quatro mil, novecentos e sessenta euros, de uma das contas bancárias da Junta (…), resultantes de um total de um total de 58 operações bancárias, como o demonstra a documentação anexa à presente denúncia.
Tendo tomado conhecimento destes factos, os membros do Executivo denunciantes interpelaram os Srs. Presidente e Vogal Tesoureiro os quais, sem explicação plausível, reconheceram tal facto. Mais foi dito pelos denunciantes aos ora denunciados que estas operações estavam proibidas, devendo cessar de imediato, situação, que não obstante a nossa interpelação na reunião de executivo de 10 de Abril de 2023, só cessou a 15 de Maio, após tomada de conhecimento do seu não acatamento e nova e decisiva interpelação.
Mais foi dito aos denunciados pelos denunciantes que se procedesse à reposição dos valores indevidamente retirados, bem como fosse feita comunicação a essa Inspecção Geral, dos factos ora denunciados, situação que, até à data, desconhecemos se foi feita”
A denúncia encontra-se carimbada pela Inspecção Geral de Finanças com a data de 30 de Junho, o mesmo dia da declaração do Presidente da Junta.
O Almada Online contactou telefonicamente o presidente José Ricardo Martins que nos disse “Assumo tudo. Pedi à IGF uma inspecção com carácter de urgência à Junta de Freguesia. Os outros políticos fogem. Fui eu que pedi, demonstra no mínimo coragem. Não vou deixar de trabalhar, continuo a trabalhar.” À nossa pergunta se iria renunciar ao mandato caso lhe fosse retirada a confiança política pelo PS, o presidente caparicano não hesitou em responder. “Nem pensar nisso! Renúncia ou suspensão são as únicas formas de retirar um Presidente da Junta e, não vem para cá nenhum presidente novo. Se acontecer um processo, se me for retirada a confiança política, em último caso passo a independente. Eu não desisto, só desistem os fracos, mal ou bem estou cá.” e, ainda acrescentou “Achei que podia fazer o que fiz. Estive de baixa, levantei a baixa e fui à Assembleia de Freguesia explicar o que tinha feito. Acho que não fiz nada ilegal. Demonstrei um acto de coragem ao pedir uma inspecção, ninguém se coloca na boca do lobo se se achar inocente. Obviamente aconselhei-me com um advogado, para saber se havia aqui alguma ilegalidade ou não.”. O presidente da Junta tem um problema cardíaco, daí estar de baixa devido a “uma obstrução da aorta”, que diz que piorou “devido ao sistema nervoso, mas não por causa deste assunto. Ando há 5 anos a governar a Costa da Caparica sozinho, eu e o meu tesoureiro. ” desabafou e, ainda não sabe se será “operado brevemente”.
Com insistência do Almada Online sobre os motivos destas transferências entre contas, dado tratar-se de dinheiro dos contribuintes, José Ricardo explicou que “nada foi para uso pessoal, sim pedi adiantamento de ordenados e tenho estado a repor com os ordenados na totalidade. Não é um assunto familiar nem pessoal e, no local próprio responderei às perguntas.”. Por fim, revelou mais um pouco, “Foi um factor humanitário. Se calhar pensei mais com o coração que com a cabeça, mas foi um acto que na altura achei que devia fazer. Se tiver de me desvincular do meu partido, assim o farei. Tenho justificações de tudo, com facturas de médicos e de operações da ajuda humanitária que fiz. Os caparicanos sabem que podem vir falar comigo na rua e pedir ajuda, tem sido assim ao longo do tempo.”
O Almada Online falou também por telefone com o Vogal Tesoureiro João Quintino. Mais monossilábico que José Ricardo, mas também mais nervoso, não deixou por responder nenhuma das nossas questões. “Como já falou com o sr. Presidente antes, foi a ajuda humanitária que me fez dar o ok aos levantamentos”. Quando confrontado com o seu número elevado disse “Não acho que tenham sido assim tantos. Não há nenhuma lei que diga que adiantamentos de salários é algo ilegal”. Ao insistirmos no número por termos um documento em que estão contabilizados, fez-se silêncio. Confrontado por estas transferências serem um comportamento prolongado no tempo foi directo, “Foram por necessidade do sr. presidente. Fui sempre dizendo que não poderiam continuar a acontecer e que se tinha de parar com este assunto”, não parou à primeira interpelação dos restantes vogais, mas sim à segunda ao que comentou “finalmente pararam”. Questionado sobre a que rubrica da actividade da Junta se foi buscar a verba para o adiantamento de salários respondeu ter sido “às horas extraordinárias”. João Quintino esclareceu que o montante que falta repor nas finanças da Junta de Freguesia da Costa da Caparica “é de 20.000€”, ou seja José Ricardo já repôs 14.960€ até ao momento. “Não contactei a concelhia de Almada do PS, mas eu e o presidente tivémos uma reunião com a presidente da Câmara Municipal de Almada, Inês de Medeiros, onde reportámos o que se passava. Foi-nos aconselhado contactar a IGF, que como o sr. Presidente explicou na sua declaração já foi feito”, explicou. Para terminar esclareceu que “caso me seja retirada a confiança política pelo PS, terei de ponderar se renuncio ao cargo ou não”.
Reacções de outras forças políticas
Como soubémos ser este um assunto do qual já se falava há algumas semanas no meio político do concelho de Almada, pedimos declarações aos partidos com mais eleitos e também à presidente da Câmara de Almada Inês de Medeiros.
Inês de Medeiros respondeu-nos por mensagem através da sua assessora pessoal dizendo que, “A Junta de Freguesia e Câmara Municipal são órgãos completamente autónomos, que derivam de eleições autónomas e a Câmara Municipal não tem tutela, nem qualquer poder de fiscalização sobre as Juntas. Nesse sentido só as instâncias próprias do partido têm o poder de decidir sobre a questão da confiança política e não a Câmara. Tendo tido conhecimento da posição do Sr. Presidente da Junta, que comunicou ele próprio à IGF e à Assembleia de Freguesia o sucedido, espero que tudo se esclareça o mais rapidamente possível.”
A concelhia do PSD de Almada respondeu através do seu presidente Paulo Sabino, informando que “Na passada Sexta-Feira, em sessão pública da Assembleia de Freguesia da Costa de Caparica, o Presidente da Junta de Freguesia, José Ricardo Martins (PS), reconheceu ter feito várias transferências de dinheiro da Tesouraria da Junta de Freguesia para a sua conta bancária pessoal, autorizadas pelo seu Tesoureiro, a título de adiantamento de salários. Desconhecemos os montantes destas transferências e o seu enquadramento legal. O PSD Almada exige transparência na gestão do dinheiro dos contribuintes e aguarda o cabal esclarecimento deste enquadramento legal, dos montantes em causa, e as diligências a fazer pelas autoridades competentes, nomeadamente pela Inspecção Geral de Finanças, pelo Tribunal de Contas e pela Direcção-Geral das Autarquias Locais.”
João Carvalho, por parte do secretariado da concelhia do Bloco de Esquerda informou que “O Bloco de Esquerda enviou um requerimento por escrito à Presidente da Mesa da Assembleia de Freguesia da Costa da Caparica, Joana Alves. Nesse requerimento pedimos esclarecimentos sobre a que título foi feito o pedido de adiantamento de vencimentos, o seu valor, quando foi feito e, qual o enquadramento legal que prevê este tipo de adiantamentos no sector público. Solicitámos também o acesso ao parecer jurídico que o Presidente da Junta de Freguesia afirmou ter durante a sessão da Assembleia de Freguesia, que afirma a legalidade da práctica em questão e, pedimos informação sobre o pedido de inspecção feito pelo Presidente da Junta de Freguesia à Inspecção Geral de Finanças. Todas as nossas perguntas se prendem com o escrutínio da gestão dos recursos financeiros públicos”. O Bloco de Esquerda foi a única força política a interpelar o Presidente João Ricardo com perguntas, na reunião da Assembleia em questão.
A CDU, através do eleito João Geraldes, informou que “Não estávamos à espera. Acompanhamos com atenção mas com serenidade. As conclusões que saírem de algum processo que venha a surgir têm de ser geridas e resolvidas por quem de direito. Na CDU não trazemos para a politica estas questões. Lamentamos o sucedido, porque é uma das freguesias do concelho de Almada, mas não teremos nenhum posicionamento de natureza política enquanto não houver nenhuma posição judicial.”
António Pedro Maco, do CDSPP, declarou que “como o CDS não tem representação na Assembleia de Freguesia, não tem muita informação, mas o presidente da Junta, visto que a situação é pública, tem de vir publicamente explicar-se melhor, tenha ou não razão. Ele deve satisfações ao população. Os caparicanos não vão ler as actas das Assembleias de Freguesia. Lamento se se vier a confirmar que foram praticadas irregularidades.”
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