Educação: Transferência de competências soma problemas aos já existentes
Para além dos problemas e dificuldades levados pelos pais à Assembleia Municipal, coexistem no domínio da educação outros problemas, em alguns casos de enorme gravidade, que resultam, de forma direta e objetiva, do atabalhoado processo de transferência de competências da administração central para as autarquias locais.
Na última sessão da Assembleia Municipal de Almada, o Presidente da União Concelhia de Associações de Pais de Almada (UCAPA), elencou um vasto conjunto de problemas e dificuldades, identificadas pelas Associações de Pais no arranque do ano letivo em Almada, problemas e dificuldades que suscitam natural preocupação.
Conhecemos os problemas com que se confrontam os pais, os alunos, os professores e outros trabalhadores das escolas, toda a comunidade educativa afinal, e eles são muitos.
E infelizmente sabemos bem que o diálogo aberto, franco e construtivo com as associações de pais (ou com outras associações de profissionais ligadas à educação) não é propriamente o ponto forte das preocupações do PS na Câmara Municipal de Almada, não é nunca o procedimento colocado como prioridade, quando se trata de organizar a atividade letiva que abrange algumas dezenas de milhares de jovens alunos do nosso Concelho, nem quando se exigiria a realização de um balanço objetivo e pragmático, sempre necessário, sobre a forma como decorreu o ano letivo anterior. Não há diálogo, simplesmente. Ou quando há, é sempre fruto de muita pressão e muito forçado.
As questões colocadas pelos pais na sessão da Assembleia Municipal não obtiveram resposta no local próprio. É público, no entanto, que se realizou depois uma reunião entre a Câmara Municipal e a UCAPA.
Quando questionada, novamente em sede da Assembleia Municipal, sobre as conclusões dessa reunião – conclusões que são obviamente do interesse da Assembleia Municipal e, mais do que isso, do interesse público em geral –, a única informação obtida pelo órgão que fiscaliza a atividade da Câmara Municipal, foi a de que todas as respostas às questões suscitadas pelos pais tinham sido dadas na referida reunião.
E mais não foi possível saber, sonegando-se assim informação de interesse municipal aos eleitos. Nem espanta demasiado esta fuga. É o procedimento a que a maioria PS nos habituou desde que assumiu a presidência da Câmara Municipal de Almada em 2017. Na área da educação, como em geral na atividade do município, o secretismo e a opacidade de processos e procedimentos, é a imagem de marca desta maioria do PS.
Para além dos problemas e dificuldades levados pelos pais à Assembleia Municipal, coexistem no domínio da educação outros problemas, em alguns casos de enorme gravidade, que resultam, de forma direta e objetiva, do atabalhoado processo de transferência de competências da administração central para as autarquias locais.
Razão têm aqueles que, como a CDU, vêm afirmando, desde o início deste processo concreto de transferência de competências, imposto pelo Governo do PS em 2018 com a aprovação e entrada em vigor da Lei nº 50/2018, que, sublinho com ênfase, este processo concreto de transferência de competências para os Municípios, constitui, na verdade, apenas uma transferência de responsabilidades e encargos, que funciona sobretudo como capa para uma clara desresponsabilização do poder central, numa área de primeira importância do ponto de vista social, que deveria assumir um caráter de prioridade absoluta no desenvolvimento das políticas públicas a nível nacional, mas que, não obstante essa realidade inquestionável, tem sido ao longo dos anos, e continua a sê-lo atualmente, vítima da ausência do necessário e exigível investimento público, única via que garante as respostas adequadas às necessidades dos cidadãos.
Quando o Governo do PS decidiu impor aos Municípios o quadro de transferência de competências no domínio da educação, garantiu também que iria transferir os meios financeiros necessários ao pagamento integral das competências transferidas, assegurando que as competências transferidas não iriam onerar os orçamentos municipais.
Em Almada, como aliás no país, sabemos hoje muito bem que não é essa a realidade objetiva. E aí estão, para o confirmar, as denúncias trazidas a público pela generalidade dos municípios, através da Associação Nacional de Municípios Portugueses, sobre os milhões de euros que esta transferência está a custar aos orçamentos municipais (vd. Jornal de Notícias, na sua edição de 9 de outubro de 2024).
Os meios financeiros transferidos pelo Governo são claramente insuficientes para suportar integralmente o custo das competências assumidas pelos Municípios, e pelo Município de Almada em particular, como comprovam, também, as sucessivas deliberações que a Câmara Municipal de Almada vem tomando no sentido de financiar uma parte significativa das competências transferidas.
A verdade é que a avaliação da execução desta transferência de competências em Almada (ainda que a Câmara Municipal, em claro desrespeito pela lei, nunca tenha apresentado qualquer relatório de monitorização do processo de transferência…), revela, sem margem para grandes dúvidas, que o exercício das competências transferidas se traduz, claramente, num acréscimo de responsabilidades financeiras e administrativas por parte do município, e a partir do seu orçamento próprio.
Tudo isto ocorre num quadro de subfinanciamento crónico por parte do Estado, que a prazo é mesmo suscetível de colocar em causa o direito constitucional de acesso à Escola Pública gratuita e de qualidade para todos os portugueses. De facto, decisões sobre a organização da educação e do ensino em função das opções e da disponibilidade de recursos existente em cada município, colocam naturalmente em sério risco o caráter universal desse direito constitucional à educação.
O Decreto-Lei nº 21/2019, que operacionaliza a transferência de competências prevista na Lei nº 50/2018, em vez de descentralizar, recentraliza, transferindo para os Municípios competências que eram, até à entrada em vigor desta legislação, exercidas pelos órgãos de gestão das escolas e dos agrupamentos de escolas.
A experiência demonstra já que esta opção é um erro, contribuindo para acentuar assimetrias entre escolas de diferentes municípios, e dando cobertura à desresponsabilização do Estado pelo financiamento da Escola Pública, o que põe em causa a igualdade de oportunidades e compromete o direito a uma educação de qualidade para todos.
Neste quadro, seria avisado que a Câmara Municipal de Almada (como todos os municípios portugueses que foram forçados a receber estas competências…) procedesse à identificação e análise rigorosa e objetiva dos constrangimentos colocados por este processo de transferência de responsabilidades e encargos para o Município, no âmbito do acompanhamento e monitorização deste processo a que está obrigada nos termos da lei, e desenvolvesse as ações tidas por necessárias visando o integral esclarecimento da comunidade educativa e da população em geral, relativamente aos recursos públicos municipais que a transferência de competências para as autarquias está a consumir.
Seria avisado, igualmente, que face ao quadro negro que inquestionavelmente se desenha relativamente a esta transferência de encargos e responsabilidades, a Câmara Municipal de Almada (como os outros municípios portugueses), exigisse a suspensão do processo de transferência de competências nesta área fundamental da vida nacional, e a retoma das negociações com os Municípios, com base no pressuposto que a questão central neste processo é a universalidade do direito à educação, a universalidade no acesso à educação e à Escola Pública, e a universalidade nas condições que garantam e propiciem o sucesso educativo, objetivos incompatíveis com a desresponsabilização do Estado por esta competência.
E seria ainda avisado que a Câmara Municipal de Almada exigisse que o Ministério da Educação fornecesse, com caráter de urgência, o ponto de situação atualizado e detalhado sobre a estratégia de gestão da rede educativa, o financiamento e calendário a implementar no âmbito da construção, requalificação e modernização de edifícios escolares, incluindo cronograma de financiamento, para além, naturalmente, exigisse que o Governo salde as dívidas acumuladas desde 2022, e reforce as verbas previstas para os anos de 2024 e seguintes.
Almada Online, CDU, Crónica, João Geraldes, Opinião