Era uma vez a Formação Profissional
Alguém disse que a formação profissional é “levar o conhecimento das mãos para a cabeça”, falo da formação profissional prática, saber utilizar as mãos para as tarefas mais diversas, e claro está, manusear as ferramentas necessárias para transformar a matéria prima, estejamos a falar do aço ou da madeira, do cobre ou do alumínio.
Escrever sobre Formação Profissional remete-me para os meus tempos de aprendiz. A formação como iniciação e crescimento como pessoa.
Alguém disse que a formação profissional é “levar o conhecimento das mãos para a cabeça”, falo da formação profissional prática, saber utilizar as mãos para as tarefas mais diversas, e claro está, manusear as ferramentas necessárias para transformar a matéria prima, estejamos a falar do aço ou da madeira, do cobre ou do alumínio.
Na metalomecânica e metalurgia todos estes fatores se entrelaçam, e são de facto importantes. A importância de saber reconhecer cada um destes tipos de material e saber qual utilizar em cada situação é coisa que se vai aprendendo (e perdendo) com o tempo, e com a orientação de quem não tendo nenhum curso superior sabe como se fazem as coisas e vão dizendo “ olhem que a ver também se aprende”. Eram estes profissionais que ensinavam a dar importância ao conhecimento prático e à teoria, e provavam que para construir ou reparar era preciso primeiro planear e depois executar.
Tanta gente que não tendo hábitos de estudo desiste de acreditar que é capaz. Na formação procura-se tudo o que o jovem ou menos jovem sabe, e não se questiona sobre o que não sabe. Este princípio é importante, sobretudo para aqueles que se habituaram à ideia de que não são capazes e não estão à altura de enfrentar o ensino tradicional, refletindo-se no seu abandono escolar.
Longe vão os tempos em que se valorizava o saber fazer e saber reparar, ou mesmo construir aquela pequena peça que dá vida a uma máquina antiga, a um relógio que parecia perdido. Existia um enorme prazer em poder trazer de novo à vida o velho motor para o qual já não se encontravam peças. Mas havia quem as soubesse construir, a válvula que não se encontrava no mercado podia ser executada desde a manufatura do molde em madeira para depois ser fundida em latão ou bronze, maquinada no Torno e na Fresadora, e depois recebia os acabamentos do Serralheiro.
Longe vão os tempos dos Estaleiros e dos artífices operários que sem curso superior manuseavam com destreza as ferramentas necessárias para consertar as máquinas, aumentando a sua vida útil de trabalho. Houve um tempo em que se valorizavam as profissões manuais, e apesar de todo esse trabalho ser mal pago, era desempenhado com brio e mestria.
Nos anos oitenta, o insucesso escolar era uma evidência, nos dias de hoje fala-se menos disso, ou para iludir, ou porque existe mesmo menos insucesso escolar. Se for realmente assim será muito positivo, mas custa-me a acreditar que assim seja.
Perdeu-se o valor atribuído às profissões. Hoje é extremamente difícil encontrar um profissional que resolva situações de reparações que impeçam de trocar o velho por novo, quando o velho ainda nem tem assim tanto tempo de uso. Prevalecem alguns excelentes profissionais, que teimam em não desistir e continuam a fazer autênticos milagres na recuperação de peças magníficas, que se não fossem as suas mãos teriam como fim o lixo. Os tempos que correm tornam mais fácil comprar novo do que reparar o que tem avaria, é mais prático, mas é claramente mais dispendioso e não é seguramente amigo do ambiente.
Ao escrever sobre este assunto, bem sei que o tema Formação Profissional tem várias vertentes e é um assunto bastante desenvolvido, mas tenho sempre tendência em falar sobre a Formação a que dediquei 30 anos, dos mais de 40 da minha vida profissional. No caso concreto no Arsenal do Alfeite, onde chegavam jovens que não conseguiam concluir o 9º Ano de escolaridade, sendo nesta Escola de Formação que encontravam uma nova vida.
É um lamento profundo ter que conviver com opções políticas que destruíram esta mais valia do Arsenal do Alfeite, uma Escola que foi sendo construída ao longo dos anos e apetrechada com os meios necessários para educar os jovens, quer na vertente prática quer na área formativa comum.
Uma boa equipa de formadores e excelentes professores vindos da Emídio Navarro, da Escola da Amora e do Centro de Formação da Cruz de Pau, em ligação com o IEFP, todos motivados para fazer crescer naquela juventude o gosto por aprender; aprender a fazer e a compreender e saber conjugar teoria e prática. Foi um mundo novo para tantos jovens, que ganharam gosto pela profissão e pela continuação dos estudos.
O Arsenal do Alfeite, outrora pujante em termos de Construção e Reparação Naval, considerado e com provas dadas ao longo dos anos, onde se praticou sempre um trabalho de excelência, viu o poder político destruir as suas justas aspirações a ser um Estaleiro Naval moderno com equipamentos à altura das suas funções e qualificações. Ao contrário, viu acontecer a sua extinção enquanto Arsenal do Alfeite, e no seu lugar apareceu a Arsenal do Alfeite S.A.
Desde esse momento, a redução do número de trabalhadores não para de aumentar e cresce a dificuldade em contratar profissionais. Os decisores não tiveram em conta que os profissionais Arsenalistas eram fruto do trabalho de passagem de testemunho de profissionais para profissionais, de geração em geração.
No Arsenal do Alfeite, onde existia uma Escola de Formação agora desmantelada, são senhores engenheiros, doutores e altas patentes militares que tomam estas decisões, porque acham que a solução está em comprar feito ou mandar construir lá fora, não em saber fazer. Se fosse religioso diria “ Deus lhes perdoe porque não sabem o que fazem”
Não podia nem devia ser assim. Se é verdade que errar é humano, não é menos verdade que existe obrigação de dar continuidade ao que é bem feito, e neste caso não foi isso que aconteceu! Não sabem nem querem saber o mal que fazem, e ninguém lhes pede responsabilidades pelos atos que praticam.
Almada tem visto desaparecer Estaleiros, autênticos viveiros de vivências operárias de construtores de Navios, que levaram o nome do nosso país por esse mundo fora, e também de escolas de resistência e de luta por um mundo melhor, com tantos homens e mulheres a darem tanto de si para que os seus filhos pudessem ter direitos e oportunidades que nunca tiveram. São exemplos que importa não esquecer, sobretudo em tempos conturbados como aqueles que vivemos atualmente.
Não deixemos que nos apaguem a Memória!
Almada Online, BE, Crónica, Luis Filipe Pereira, Opinião