Para quando o Porto de Abrigo na Trafaria
O mês de Janeiro ficou marcado por uma colisão no Tejo entre um barco de pesca e uma embarcação de transporte de passageiros. Uma tragédia que levou ao desaparecimento de dois jovens pescadores. São vidas interrompidas abruptamente e dramas familiares para sempre. Foi com sentido pesar que acompanhei este triste acontecimento que me levou a escrever sobre os pescadores da Trafaria. É o meu elogio a estes homens que enfrentam todos os dias um mar que lhes pode dar o sustento, mas também lhes pode tirar a vida.
Trafaria – “Onde o Rio Tejo acaba e começa o Oceano Atlântico”.
É sobre a vida da faina diária dos pescadores que me apraz escrever este texto. É uma pequena homenagem aos homens da pesca e do mar, que não se esgotam na Trafaria mas que são uma parte dos pescadores do Concelho de Almada, quer estejamos a falar da Trafaria, Cova do Vapor, Costa de Caparica ou até de cerca de uma centena de pescadores amadores que ainda resistem na Mutela/Margueira, na Cova da Piedade.
Por vezes o estado do mar impede que os pescadores possam utilizar as embarcações, tempo difícil esse, do qual nunca se sabe a duração, o que agrava a vida dos que vivem exclusivamente da pesca, e estamos a falar de algumas centenas. Sem pesca não há ganho!
Os homens do mar devem merecer o respeito de todos, principalmente das entidades responsáveis, quer estejamos a falar do Poder Central da APL (Administração do Porto de Lisboa) ou da Câmara Municipal de Almada (CMA). Se isso acontecesse seriam melhores as condições de trabalho dos trabalhadores do mar, leia-se trabalhadores e trabalhadoras porque também as mulheres participam nesta dura actividade.
O Porto de Abrigo na Trafaria está prometido há muitos anos, existem estudos aprofundados sobre esta situação que teima em não sair do papel, com graves prejuízos para quem se debate com dificuldades todos os dias. O Porto de Abrigo é uma reivindicação antiga que tem vindo a ser sistematicamente adiada. É preciso passar das palavras aos actos.
O estudo efectuado pela DOCA PESCA Portos e Lotas demonstra bem a importância do tema, onde pode ler-se:
“O Portinho de Pesca da Trafaria é o maior núcleo de pesca da União de Freguesias da Caparica e Trafaria. Dispõe apenas de infraestruturas portuárias e equipamentos terrestres que apoiam com serviços mínimos e precários, a pesca profissional, enquanto atividade económica relevante, à escala local”.
“Neste âmbito, tendo em conta a importância local e as condições atuais do Portinho de Pesca da Trafaria, torna-se evidente a necessidade e a importância de desenvolver infraestruturas adequadas para apoiar a atividade pesqueira local. A área de implantação do portinho de pesca será essencial para atender às necessidades da pesca profissional na região, oferecendo instalações modernas e eficientes tanto no mar quanto em terra. Assim, o projeto em análise tem como objetivo requalificar/reabilitar e reorganizar o Portinho de Pesca de modo a ordenar a pesca e melhorar a lota em termos funcionais, para os trabalhadores e os utilizadores, e em termos de segurança. O projeto prevê ainda criar áreas de lazer urbano para a comunidade local. O Portinho de Pesca da Trafaria não atenderá apenas às necessidades imediatas da comunidade pesqueira, mas também contribuirá para o desenvolvimento sustentável da região, promovendo uma atividade pesqueira próspera e proporcionando serviços e espaços de qualidade para os pescadores e a população local”.
Em 2006 a APL comprometeu-se a colocar 60 blocos de cimento (Poitas de betão) com boias para amarração em água. Esta simples obra que custaria poucos milhares de euros, contribuiria para a segurança quer dos pescadores quer das embarcações, mas nem mesmo esta promessa de tão pouco custo foi concretizada. Os pescadores merecem respeito, mas quem decide esquece rapidamente as suas obrigações porque é disso que se trata. Para muitos basta ter o peixe no prato, o que foi preciso fazer até isso acontecer passa ao lado!
A rampa de acesso das embarcações, que precisava ser prolongada, está em péssimo estado e a necessitar de manutenção. Um outro assunto da máxima importância diz respeito ao alargamento da área de apoio em terra e à construção de sanitários. A concretização destas justas reivindicações dos pescadores da Trafaria apenas dependem da vontade política das entidades responsáveis , nomeadamente da CMA. Lamentavelmente os anos vão passando e estas aspirações que nem são de grande envergadura vão ficando esquecidas. Que classificação para tal postura? Que grande falta de respeito pelos pescadores e as suas famílias.
A pesca não é uma actividade fácil e nela nada está garantido. É fundamental que a consciência ambiental acompanhe os tempos complicados em termos de poluição marinha, uma ameaça para tantas espécies. É muito importante que a prática da pesca garanta a preservação dos peixes e o equilíbrio dos ecossistemas, evitando o uso de métodos de captura destrutivos.
A pesca é uma profissão muito antiga, praticada em muitos casos por famílias inteiras, onde os conhecimentos são adquiridos de pais para filhos que apesar das condições difíceis com que se defrontam – ventos e correntes fortes, longas horas de trabalho que exigem grande esforço físico – os pescadores voltam sempre, e todos se orgulham da sua profissão.
Quando a pescaria é fraca e os preços são baixos os pescadores confrontam-se com dificuldades económicas. A situação não está fácil para esta atividade que atrai cada vez menos jovens. A falta de mão de obra é uma evidência e o recurso à mão de obra imigrante é uma realidade, pois só assim em muitos locais o sector consegue sobreviver.
O peixe para os consumidores fica cada vez mais caro, mas os pescadores ganham cada vez menos.
Aqui deixo o meu elogio a estes homens que enfrentam todos os dias um mar que lhes pode dar o sustento mas também lhes pode tirar a vida.
Relembrar Raúl Brandão (Os Pescadores)
“Basta pegar num velho búzio para se perceber distintamente a grande voz do mar.
Criou-se com ele e guardou-a para sempre
Eu também nunca mais a esqueci. “
(Raúl Brandão)
Almada Online, BE, Crónica, Luís Filipe Pereira, Opinião