Urgências de obstetrícia e ginecologia da Península de Setúbal encerraram todas no fim-de-semana passado

No Hospital Garcia de Orta as urgências destas especialidades encerraram, contrariando o plano de abertura ininterrupto estabelecido pelo Governo. Reabriram esta Segunda-Feira

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O Ministério da Saúde (MS) anunciou no Sábado, dia 13 de Setembro, o encerramento inesperado da urgência de Obstetrícia e Ginecologia do Hospital Garcia de Orta (HGO) devido à falta de médicos para assegurar as escalas, obrigando à deslocação das utentes para hospitais de Lisboa, por inexistência de resposta na Península de Setúbal, sendo este o único hospital da margem sul que estava a assegurar o serviço neste período. As urgências reabriram hoje, 15 de Setembro, às 8h30, após encerramento no Sábado e condicionamento do serviço no Domingo.

Este encerramento inesperado contrariou o plano de funcionamento ininterrupto destas urgências, e a palavra da ministra da Saúde, Ana Paula Martins, em como na Península de Setúbal haveria sempre uma urgência destas especialidades aberta, para que as grávidas não se deslocassem para outros distritos.

De acordo com as escalas publicadas no portal do Serviço Nacional de Saúde (SNS), não se prevê, até ao próximo Domingo, 21 de Setembro, o encerramento do serviço no HGO, que funciona no âmbito do projecto-piloto, que implica um contacto prévio das utentes com a linha SNS 24.

Esta Segunda-Feira estão encerradas, na Península de Setúbal, as urgências destas especialidades no Hospital Nossa Senhora do Rosário, no Barreiro, e no Hospital São Bernardo, em Setúbal.

Inês de Medeiros preocupada

Inês de Medeiros, presidente da Câmara Municipal de Almada (CMA), mostrou-se hoje preocupada com a situação no HGO. A autarca criticou o Governo, por ter abandonado o plano delineado pela anterior direcção executiva do SNS liderada por Fernando Araújo, e defendeu que o Governo deve assumir “que isto não está a correr bem”.

“É óbvio que nós vemos esta situação com cada vez maior preocupação porque, ao contrário do que tem sido forçadamente anunciado, não há nenhum plano que, na realidade, esteja a funcionar”, disse Medeiros.

Inês de Medeiros defendeu que na altura de Fernando Araújo havia um plano que estava a ser pensado, com mais previsibilidade e indicação diária dos serviços que estavam abertos ou fechados, e com abertura de vagas sucessivas de profissionais de saúde, sobretudo para os serviços mais necessitados, como é o caso da obstetrícia e ginecologia.

“Para já, a única coisa que nós vimos foi o pôr em causa tudo o que tinha sido pensado sem a alternativa fiável”, sustentou, adiantando que “neste momento era mesmo necessário assumir que isto não só não está a correr bem, como está a correr pior”.

Inês de Medeiros defendeu ainda que estas questões na área da saúde devem ser pensadas ao nível da Península de Setúbal e da Área Metropolitana de Lisboa (AML) e não apenas caso a caso, município a município.

“É bom não esquecer que o Garcia de Orta aqui em Almada é o maior hospital de todo o sul do país e, portanto, serve não apenas a Almada e Seixal como todos os municípios até para lá de Setúbal”, disse.

Ministra admite que situaçao é “muito preocupante”

Esta manhã, a ministra admitiu que a situação na Península de Setúbal é “muito preocupante”. A urgência de obstetrícia do hospital Garcia de Orta, em Almada, devia ter reaberto às 20h30 de ontem, mas só abriu 12 horas depois.

“Havia, de facto, um plano, aliás ele está no Diário da República porque foi-nos pedido objetivamente que abríssemos sete vagas para uma equipa que viria de fora do SNS. Foram classificadas (…) como vagas carenciadas, que foram retiradas a outros hospitais, e a verdade é que, por razões diversas, que certamente terão explicação” estas vagas não foram todas preenchidas, disse Ana Paula Martins.

A ministra, que falava aos jornalistas após a cerimónia da atribuição da Medalha de Mérito do Ministério da Saúde à Maternidade Alfredo da Costa, sublinhou a dependência das urgências de trabalho médico feito em regime de prestação de serviços e, no caso da Península de Setúbal, explicou: “Temos, naturalmente, uma bolsa de médicos que trabalham já com as nossas equipas, três hospitais, sobretudo em Setúbal e no Garcia de Horta [Almada], e essa bolsa de mais de 20 profissionais não teve disponibilidade para garantir pelo menos uma urgência aberta”.

“Ao contrário do que algumas pessoas estarão a pensar, o Ministério da Saúde não está a atribuir nenhuma responsabilidade aos médicos. Eles não têm vínculo com o Serviço Nacional de Saúde, a verdade é esta, trabalham realmente à tarefa”, afirmou a governante, reconhecendo que pela dependência do trabalho de médicos tarefeiros o SNS ainda vai ter muitas dificuldades nos próximos tempos, sobretudo de recursos humanos, mas assegurou que não vai desistir de reforçar as condições de trabalho dos profissionais.

Questionada sobre as razões de os profissionais terem manifestado indisponibilidade para cumprir o turno no serviço de urgência de obstetrícia no HGO este fim de semana, a ministra disse desconhecer os seus motivos.

A ministra da Saúde está reunida esta Segunda-Feira com os Conselhos de Administração das três Unidades Locais de Saúde da Península de Setúbal. A reunião teve início pelas 17h.

Ordem dos Médicos critica ministério da Saúde e Direcção Executiva

Em declarações à agência Lusa, o bastonário da Ordem dos Médicos (OM), Carlos Cortes, afirmou que esta situação revela “as enormes dificuldades que existem, sobretudo na península de Setúbal”, com uma população de mais de 800 mil habitantes, e “as falhas permanentes” do ministério e da Direção Executiva do SNS (DE-SNS) em resolver a situação.

“Este fim de semana, sem que nada o fizesse prever, e à última hora, os médicos prestadores de serviços que asseguram regularmente que as populações da Península de Setúbal têm o serviço que lhes é devido, manifestaram a sua indisponibilidade”, afirmou em comunicado.

“Tal como vem precisamente no comunicado do Ministério da Saúde, quem tem a responsabilidade de assegurar a resposta permanentemente é o Ministério da Saúde e a Direção Executiva e ambos têm falhado profundamente”, criticou.

Para o bastonário, deveria existir “um plano de reserva, uma redundância, sobretudo nesta área da Península de Setúbal”, onde tem havido “imensas dificuldades” em manter as urgências abertas.

Ressalvou que podem acontecer imprevistos aos profissionais, como uma doença ou um problema, que os impeçam de fazer o seu turno, mas defendeu que sistema tem que estar capacitado para responder à situação. Se não existirem “motivos compreensíveis, justificáveis”, o bastonário considera que a tutela tem de agir e participar o caso à Ordem dos Médicos.

“Se há determinados médicos que não têm a possibilidade de iniciar um turno, tem que haver outros que o possam fazer”, defendeu, lamentando não existir esse “sistema de redundância” como ficou claro neste caso.

FNAM acusa ministra de propaganda eleitoral

A presidente da Federação Nacional dos Médicos (FNAM), Joana Bordalo e Sá “ disse que a promessa de Ana Paula Martins foi “pura propaganda eleitoral” face ao aproximar das eleições autárquicas de 12 de Outubro e garante que o que o Governo fez — ao recrutar alguns médicos ao sector privado com “condições especiais” (as vagas carenciadas) — foi “criar uma desigualdade entre os próprios médicos do quadro”. Ainda assim, apesar desse reforço (que a própria ULS admitiu ser aquém do necessário para dar resposta a 100%), “o quadro de pessoal é insuficiente” para cobrir todas as escalas: estava prevista a contratação de sete novos médicos mas até à data só quatro aceitaram.

Joana Bordalo e Sá recusa-se a culpar os tarefeiros, como fez o Governo, e garante que este problema não é exclusivo do Hospital Garcia da Orta: “Barreiro, Setúbal, Vila Franca de Xira, Leiria e Aveiro têm falta de médicos. Temos a obstetrícia a colapsar”, acusando o Governo de “faltar à verdade” e de não estar a trabalhar para reforçar os quadros, negociando o reforço do salário-base e condições de trabalho flexíveis, adequadas e competitivas com o sector privado.

Livre chama ministra ao Parlamento

O Livre vai chamar ao parlamento a ministra da Saúde, Ana Paula Martins, para prestar esclarecimentos acerca deste fecho inesperado.

“A ministra tem que vir dar explicações, necessariamente chamá-la-emos ao parlamento, mas sem enormes esperanças de que ela seja capaz de resolver qualquer coisa, porque já percebemos que ela é mais da retórica política do que das soluções no terreno”, criticou o porta-voz do Livre Rui Tavares, em declarações à agência Lusa.

Rui Tavares afirmou também que “só se pode reagir com muita exasperação em relação a esta ministra que, tal como Luís Montenegro, apareceu dizendo que isto era tudo fácil de resolver”.

“Vemos que na saúde as coisas estão a ficar piores. Sem perspetiva de melhoras, nomeadamente na Margem Sul [do Tejo, na região de Lisboa], sem perspetiva de finalmente darmos início à construção do Hospital do Seixal, que é a solução a médio e a longo prazo”, defendeu.

De acordo com o dirigente do Livre, têm chegado ao partido relatos de cidadãos do distrito de Setúbal que afirmam que a situação na área da saúde “está a ficar de facto muito grave”.

Sofia Quintas

Directora e jornalista do Almada Online

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