O tamanho das empresas e a sua especialização são essenciais para a competitividade
O tecido empresarial português é composto essencialmente por microempresas e, parecendo que não, isso tem um impacto enorme nos retornos e na produtividade generalizada, que acaba por ser limitada a nível nacional e, particularmente na Península de Setúbal, apesar da forte presença de investimento direto estrangeiro. Além disso, a escolha certa em termos de setores estratégicos também assume um papel crucial. Como é que estes dois aspetos se relacionam com as perspetivas de competitividade?
As empresas privadas enfrentam demasiados entraves em Portugal, o que acaba por comprometer os ganhos de competitividade e justifica um gap crescente de produtividade, sem convergência visível com a Europa e muito menos com os Estados Unidos.
O principal limite que torna o nosso país pouco competitivo é essencialmente um limite de escala no tecido empresarial: existem empresas de dimensão reduzida em excesso. Segundo o INE, em 2023, 96% de todas as sociedades registadas em Portugal eram microempresas1. Por outro lado, 3.3% eram pequenas e apenas 0.7% estavam na lista de médias e grandes empresas. Numa ótica de ciclo de vida, é normal que predominem, pelo menos em número, sociedades menores, visto que é mais fácil começar um projeto e mantê-lo modesto do que reunir as condições necessárias para dar o salto no volume de negócios e no investimento.
Apesar da assimetria de escala não ser tão acentuada, também é visível noutros países, porém o nosso caso torna-se crítico, pois Portugal é uma pequena economia aberta, pelo que a procura interna, já condicionada por outros fatores como a crise da habitação, a evolução lenta do salário médio e a falta de oportunidades em certas áreas, não é suficiente para garantir um crescimento sustentado no longo prazo.
Necessitamos mesmo da procura externa, e para consegui-la é necessário aumentar a escala das operações, reduzindo os custos de produção, aumentando as perspetivas de reputação e valorização, e consequentemente alcançando os meios para competir nos mercados de bens e serviços internacionais.
Sucintamente, negócios bem-sucedidos devem gerar retornos crescentes à escala, que se traduzem em capacidade de internacionalização e ganhos produtivos, o que é demonstrado pela correlação positiva entre a dimensão das empresas e a produtividade do fator trabalho. Esta questão torna-se ainda mais relevante atualmente, num contexto de elevada incerteza acerca do rumo das políticas comerciais por parte das principais economias mundiais.
A margem sul, formalmente conhecida como nomenclatura de unidades territoriais (NUT) da Península de Setúbal e na qual se insere o concelho de Almada, parece ser uma das regiões líderes no que toca às dinâmicas empresariais, temos a Volkswagen Autoeuropa, a Visteon, a Navigator e outras grandes firmas que, tanto por via do investimento direto estrangeiro como do nacional, ajudam a não colocar Portugal ainda mais para trás no que toca à competitividade, certo?
Curiosamente não, ou depende do ponto de vista. Pelo menos no que diz respeito ao tecido empresarial por dimensão, encontramo-nos em primeiro lugar na percentagem de microempresas (97.2% em 2023) e em penúltimo na percentagem de médias e grandes empresas (0.4%), numa estrutura menos competitiva que o agregado nacional e Lisboa, pior que as Regiões Autónomas (RA) e inclusive pior que as principais áreas rurais (Centro e Alentejo), como podemos observar no primeiro gráfico:

Este fenómeno é agravado por uma série de escolhas erradas (ou pouco atempadas) tanto por parte do setor privado como do próprio Estado e das autarquias (nas suas políticas de apoio às empresas) que foram sendo tomadas ao longo do tempo, acerca da especialização dos fatores de produção.
Se uma economia desenvolvida como a portuguesa orienta recursos para se especializar em setores de baixo valor acrescentado2, como a agricultura, a pesca, o comércio, a construção, as atividades administrativas e certas indústrias manufatureiras, a capacidade de internacionalização das empresas fica comprometida, principalmente porque a riqueza agregada que essas atividades trazem tende a enfrentar constrangimentos.
Por outro lado, a especialização em ramos estratégicos de elevado crescimento e intensidade tecnológica ou intelectual, como as atividades de consultoria e científicas, o setor financeiro, as atividades de informação e comunicação e algumas indústrias (como a farmacêutica), cria condições favoráveis a processos mais eficientes e a investir sustentadamente em investigação e desenvolvimento (I&D) para impedir que os ativos fixos fiquem demasiado obsoletos, facilitando a diferenciação num mercado cada vez mais competitivo.
Em termos setoriais, a Península de Setúbal apresenta uma estrutura idêntica ao agregado nacional, com cerca de 13.3%3 dos trabalhadores alocados a atividades de consultoria e científicas, finanças e seguros, e informação e comunicação e com uma presença reduzida do setor primário por ser uma região essencialmente suburbana ou periurbana (ver segundo gráfico abaixo), mas com um enfoque relevante na indústria e na construção (respetivamente, 19.5% e 19.6%). Existe espaço para melhorias, visto que apesar de o comércio, alojamento e restauração consistirem no setor com mais relevância no emprego (35.4%), o turismo nesta região e, particularmente no concelho de Almada, não tem sido otimizado, tal como discutido em artigos anteriores.
É necessário melhorar o investimento existente, nomeadamente as principais indústrias, e conciliá-lo com uma maior aposta na inovação, facilitando o aproveitamento da especialização já existente e abrindo caminho para aumentar a relevância de setores estratégicos no emprego e na produção.

Através de alguns indicadores, podemos retirar pistas acerca do atraso económico relativo da margem sul, quando é uma região que, embora tendo uma componente residencial forte, se situa próxima à capital e poderia beneficiar de efeitos de rede. Através do terceiro gráfico abaixo podemos ver que, apesar dos valores comparáveis para a produtividade do fator capital, a nossa região possui quase metade da produtividade do trabalho e até menos de metade das margens de lucro brutas verificadas na Grande Lisboa, o que traduz uma especialização em ramos muito intensivos em mão-de-obra pouco qualificada, à semelhança da maioria das áreas rurais e contrariamente à capital. No caso específico das margens de lucro, a Península de Setúbal apresenta as médias mais baixas entre todas as regiões portuguesas. A aversão ao risco, ou talvez a escassez de projetos que justifiquem a sua tolerância, é também mais notória do que na Grande Lisboa e do que no agregado nacional, o que se nota pelo menor grau de endividamento.

Já vimos que os principais entraves do país e, particularmente da margem sul quando se fala em competitividade, são essencialmente dois: a prevalência excessiva de micro e pequenas empresas e a aposta insuficiente em setores de alto valor acrescentado. Estes refletem-se posteriormente em outros problemas, como os baixos níveis de produtividade, a escassez de investimento e inovação, ativos cada vez menos eficientes, entraves ao crescimento das margens de lucro e um leque pouco diversificado de soluções de financiamento.
Ao aumentar a escala das empresas e ao incentivar a especialização setorial estratégica, o Estado e as Câmaras Municipais podem ajudar a favorecer um futuro hegemónico para a economia e, consequentemente, para a qualidade de vida da população pelo aumento de eficiência e riqueza, acelerando o crescimento do salário médio.
Para tal, é necessário promover o investimento direto estrangeiro e parcerias público-privadas com grandes incumbentes (como a própria Autoeuropa), com instituições focadas em I&D e em dinamizar as exportações (como a AICEP e o IAPMEI), com incubadoras e universidades (nomeadamente a FCT e o Instituto Universitário Egas Moniz), com grupos como a Associação da Indústria da Península de Setúbal (AISET). Deve-se também atrair o apoio de fundos de capital de risco e da banca portuguesa para facilitar a criação de linhas de crédito à inovação com juros bonificados, mediante alguma contrapartida de longo prazo que mantenha a confiança entre as partes.
Outra solução é ainda incentivar a formação profissional dos jovens em áreas de elevado conhecimento técnico-científico e potencial inovador, alargando a mão-de-obra qualificada.
Apesar dos defeitos, devemos valorizar o que já tem sido feito por parte de alguma iniciativa privada e do poder político nos últimos anos, com impacto na competitividade e na reforma urbanística da região, destacando o Innovation District, um projeto lançado em 2021 pela Câmara Municipal de Almada em parceria com a Universidade Nova, que apesar de enfrentar os conhecidos bloqueios burocráticos que se arrastam com o tempo, pode em alguns anos transformar Almada numa cidade conectada ao mundo, ao talento e ao investimento.
1 Usando o critério do número de trabalhadores a tempo inteiro, as sociedades com menos de 10 empregados são consideradas microempresas; entre 10 e 49 são consideradas pequenas; entre 50 e 249 são consideradas médias e com 250 ou mais são consideradas grandes empresas.
2 Ou seja, aqueles em que a inovação potencial e os ganhos de eficiência tendem a ser limitados pela simplicidade da cadeia de produção, pela fraca intensidade de conhecimento ou pela mão-de-obra pouco qualificada predominante.
3 Excluindo do total as atividades administrativas, educação e outros serviços.
Almada Online, Crónica, Economia, Opinião, Tiago Pereira