Ainda Aqui Estou – Óscar de Melhor Filme Internacional

Na madrugada de dia 3 de Março de 2025, assistíamos à distinção de um filme em língua portuguesa com o Óscar de Melhor Filme Internacional. A festa do maior carnaval do mundo, no Rio de Janeiro, suspendeu-se por instantes para o Brasil inteiro festejar esta noite histórica para o cinema brasileiro. 

O filme de Walter Salles estava nomeado em três categorias dos Óscares: Melhor Filme, Melhor Filme Internacional e Melhor Actriz.

“Toda esta jornada foi sobre refazer a memória de uma família ao mesmo tempo que refazíamos a memória de um país durante 21 anos de ditadura militar”, disse o realizador, ao receber a estatueta da Academia. Salles dedicou o prémio a “três mulheres extraordinárias”: Eunice Paiva, a protagonista da história, e as atrizes Fernanda Torres e Fernanda Montenegro. 

O presidente Lula da Silva deu os parabéns ao cineasta referindo que o filme resgatou um capítulo essencial da história do Brasil: “Acho que você já fez outras coisas muito importantes. Mas, desta vez, você conseguiu lavar a alma do povo brasileiro, do cinema brasileiro e recuperar de uma forma muito, mas muito importante, a história do Rubens Paiva”. Acrescentou o presidente Lula: “Vocês, realizador, toda a equipa, fizeram com que todos nós sentíssemos orgulho do nosso cinema e da nossa cultura, e compreendêssemos a importância da preservação da memória e da história do nosso país.”, pois o filme baseia-se em fatos reais.

Todavia, o Óscar para a Melhor Actriz que se esperava ser conquistado pelo excelente desempenho de Fernanda Torres – que tem vindo a somar prémios, nomeadamente o Globo de Ouro em Cannes – acabou por ir parar às mãos de Mikey Madison, protagonista de Anora.

Por outro lado Ainda Estou Aqui com 1 800 000 de espectadores é o filme mais visto no Brasil, destronando Central do Brasil, do mesmo realizador, que reuniu 1 600 000 espectadores.

A concorrência com o filme Emilia Pérez, falado em castelhano mas do realizador francês Jacques Audiard, protagonizado pela atriz Karla Sofia Gáscon, já premiada em Cannes – filme que acabou por conquistar o Óscar para Melhor Atriz Secundária, por Zoe Saldaña – levou a uma disputa exacerbada, com uma campanha muito intensa nas redes sociais, com destaque para os fãs de Fernanda Torres, o que poderá ter sido negativo para o filme brasileiro, levando a Academia a optar por uma terceira obra cinematográfica.

Curiosamente programadores, professores e críticos no Brasil – Wellington Almeida, Miguel Forlin – e em Portugal – Vasco Câmara – desvalorizaram este filme com o argumento – para além de o considerarem mediano, burocrático e académico, caso de Forlin – de que Walter Salles será um realizador milionário, porventura o terceiro mais rico do mundo. Parece-nos um argumento ridículo, pois o que está em causa é a validade artística do filme, assim como a sua simbologia em defesa da memória e da democracia. Outra critica destes especialistas incide sobre a família e o seu ambiente social no filme não representar o Brasil real – família socialmente abastada, com empregada – como se isso não fosse retratado até à exaustão em telenovelas. 

Claro que não acompanhamos, de todo, qualquer destes pontos de visto, pois certamente estes especialistas não conhecem assim tão bem o país real ou esquecem que em regimes ditatoriais os presos políticos oriundos das classes populares eram, por norma, tratados de forma bem mais severa pela polícia política do que os oposicionistas de classes sociais privilegiadas. O que, de resto, não salvou o antigo deputado federal Rubens Paiva….

Um filme sobre o nosso passado…ou nosso presente

Ainda aqui estou, dirigido por Walter Salles, é uma adaptação do livro autobiográfico de Marcelo Rubens Paiva sobre o próprio pai, Rubens Paiva, deputado federal que foi preso e morto durante a ditadura militar, em 1971, no Rio de Janeiro.

Este filme, de um dos mais destacados realizadores brasileiros, evoca a brutalidade da lógica repressiva que caracteriza as ditaduras que levou à perseguição, detenção sumária, execuções, mortes “acidentais”, tortura, numa lógica totalitária. É no início dos anos 70, no Rio de Janeiro, que o quotidiano de uma família da classe média-alta é bruscamente interrompido quando o pai, o arquitecto Rubens Paiva – que antes do golpe militar fora deputado trabalhista e passará por um breve período de exílio logo após o golpe – é levado de casa para uma prisão militar onde vem a ser um dos muitos desaparecidos, enquanto a casa fica ocupada por uns capangas a soldo da ditadura.

Em tempos de recrudescimento de neo-fascismos maquilhados de “democracias” musculadas, que floresceram e singraram à sombra da benevolência dos regimes demo-liberais, regimes autoritários cada vez mais banalizados por esse mundo fora, este filme é da maior importância pois é um libelo contra as ditaduras totalitárias, em que a repressão, a prisão arbitrária por crimes de pensamento, a tortura e o assassinato camuflado dos cidadãos que “não podem deixar de não fazer nada” face à bota da ditadura militar, que marcou o Brasil durante 21 anos (1964 a 1985).

Por outro lado, o desempenho de Fernanda Torres na brilhante interpretação de Eunice Paiva “heroína silenciosa e intrépida combatente, que luta para resgatar a memória do marido preso pela polícia política nos anos da ditadura militar no Brasil”, que lhe valeu um Globo de Ouro – o primeiro para uma atriz brasileira – e a nomeação para um Óscar, assim como para a International Cinephile Society, como melhor atriz do ano a par de mais cinco atrizes, todas de língua inglesa, tem sido comparado com o desempenho da mãe Fernanda Montenegro, que concorreu há 26 anos na mesma categoria com Central do Brasil, também de Walter Salles. À época, o cineasta estava na lista de Melhor Filme Estrangeiro (categoria que, agora, chama-se Melhor Filme Internacional) que acabou por lhe escapar – perdeu para Gwyneth Paltrow, por Shakespeare Apaixonado – tal como agora aconteceu com a filha.

Uma palavra para um trabalho rigoroso, “ao milímetro” com a caracterização, o guarda-roupa, os adereços – discos da época (1970), os carros, etc, tudo o que torna o filme completamente verosímil e nos transporta efectivamente para 1971. 

A rematar citamos Walter Salles o realizador deste excelente filme:

“As pessoas entenderam que essa história primeiro não era só sobre o nosso passado, ela era sobre o nosso presente. Um presente que se torna perigosamente próximo em outros lugares do mundo.”

O filme estará em exibição no Auditório Fernando Lopes-Graça, no Forum Romeu Correia, a 12 de Março pelas 21h.

Ainda Estou Aqui, é um filme a não perder!

Eduardo R. Raposo

Investigador integrado CHAM-Centro de Humanidades - FCSH/UNL, Doutorado em História da Cultura e das Mentalidades Contemporâneas, Historiador, Jornalista, Dirigente associativo

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