Almada | O Rinoceronte
Uma peça de teatro que pode ser vista na Sala Experimental do Teatro Joaquim Benite, dia 4 de Março às 21h e dia 5 às 16h
Um rinoceronte atravessa a toda velocidade uma rua de uma cidade pacata. Traz consigo a “rinocerite”, uma doença que contagia progressivamente os habitantes do burgo, tornando-os conformistas e uniformizando-lhes o pensamento, até os converter em rinocerontes. Os poucos que resistem ficarão encerrados e prisioneiros no guetto das suas próprias casas.
O ponto de partida para O rinoceronte foi a facilidade da expansão dos fascismos ou ideologias totalitárias na Europa, nos anos de 1930 e os perigos da indiferença, do alheamento ou do mero conformismo perante estes processos, acabando por se revelar um caso sério de análise política e social, através dos momentos de humor causados tanto pelo insólito como pelo absurdo das situações.
Um tema “mais do que actual, actualíssimo mesmo”, disse à Lusa o actor e encenador Ricardo Aibéo, numa alusão aos perigos decorrentes dos fenómenos de massa e ao crescimento das ideologias populistas de extrema-direita. “Embora prefira que seja o público a tirar ilações”, frisou.
A tradução de Luís Lima Barreto, actor da Cornucópia desde a sua fundação, foi o que levou os sete actores (conhecidos como “cornucópios” e “cornucopianos”, sem que alguma vez se tenham designado como tal) a voltarem a juntar-se, depois da companhia ter cessado actividade em Dezembro de 2016.
Por se tratar de um texto extenso e para que fosse viável pôr em cena, O rinoceronte foi pensado como um espectáculo “à laia de brincadeira”, “uma espécie de ensaio” ou um “espectáculo mal terminado”. O texto original – “longo, muito difícil, inverosímil, mas ao mesmo tempo real”, teve de “levar alguns cortes e algumas adaptações”, explicou o encenador.
Eugène Ionesco (1909-1994) nasceu na Roménia mas passou a maior parte da infância em França. No princípio da adolescência voltou à Roménia, onde mais tarde se formou como professor de francês. Regressou a França em 1938 para concluir a sua tese de doutoramento, acabando por ser apanhado pela guerra. Como dramaturgo fez a sua estreia em 1950 com a peça A cantora careca, trabalho que se tornou um exemplo clássico do movimento do Teatro do Absurdo que seguiu. O Teatro do Absurdo, surgido nos anos 50 do século passado, opunha-se a um teatro burguês e literário, tendo grandes influências do dadaísmo e do surrealismo
Em 1960, o próprio dramaturgo relatou como iniciou a escrita de O rinoceronte. Conta Ionesco que o escritor Denis de Rougemont se encontrava em Nuremberga quando ocorreu uma impressionante manifestação nazi em homenagem a Adolf Hitler. Uma multidão imensa esperava pelo führer, que tardava em chegar. Quando a comitiva de Hitler surgiu, houve uma histeria contagiosa tal que até o próprio Rougemont se sentiu atingido, fazendo-o pensar: “Que espécie de demónio me possuiu de tal forma, ao ponto de ficar quase seduzido pela ideia de me entregar, como os outros, ao delírio insano?”.
Ricardo Aibéo (n. 1973) estreou-se como actor em 1996 – o ano em que começou a colaborar com o Teatro da Cornucópia, onde mais tarde viria, já como encenador, a assinar a direcção de vários espectáculos. Participou na edição de 2019 do Festival de Almada com a encenação de A boda, de Bertolt Brecht.
Ficha Técnica:
SUL – Associação Cultural e Artística
Texto: Eugène Ionesco
Encenação: Ricardo Aibéo
Tradução: Luís Lima Barreto
Interpretação: David Almeida, Dinis Gomes, Duarte Guimarães, Graciano Dias, Ricardo Aibéo, Rita Durão, Sofia Marques
Luz e som: Rui Seabra
Duração aprox.: 105m
Idade: M/12