É muito pouco famoso o “estado do município” em outubro de 2023

Por responsabilidade do PS, em especial da Presidente da Câmara Municipal, perdeu-se uma excelente oportunidade para um debate construtivo e clarificador, que poderia traduzir-se em ganhos reais para a gestão dos interesses dos Almadenses. 

A Assembleia Municipal de Almada reuniu extraordinariamente, no passado dia 20 de outubro, num formato original em Almada, para discutir o “estado do município”. 

Teria sido uma excelente oportunidade para esclarecer, não apenas os eleitos na Assembleia Municipal, mas sobretudo as populações do Concelho, sobre as mais importantes opções e linhas de rumo imprimidas à governação municipal, não fosse o facto da Presidente da Câmara Municipal, e os Vereadores que ela destacou para responder às questões colocadas pelas diversas bancadas políticas, ter optado por lateralizar a conversa, e não responder, em absoluto, a nenhuma crítica ou sugestão que tivesse sido colocada na discussão por qualquer força política, com exceção, diria natural, do seu próprio partido, o PS. 

Por responsabilidade do PS, em especial da Presidente da Câmara Municipal, perdeu-se uma excelente oportunidade para um debate construtivo e clarificador, que poderia traduzir-se em ganhos reais para a gestão dos interesses dos Almadenses. 

É lamentável que assim tenha sido, e a postura de soberba que esta atitude do PS e da Presidente da Câmara Municipal, traduz ela própria quase tudo sobre o mau – ia escrever péssimo, talvez fosse até mais adequado – “estado do município” de Almada em outubro de 2023. 

Mas é necessário acrescentar mais qualquer coisa.

De facto, Almada, quase 50 anos depois da Revolução de 25 de Abril de 1974, atravessa o período mais difícil da sua existência. 

Se nos primeiros 43 anos após a Revolução dos Cravos, com empenho, luta e dedicação das populações e da generalidade dos autarcas locais, Almada se viu dotada das infraestruturas básicas de água e saneamento, que o fascismo sempre lhe negou e, criou as infraestruturas rodoviárias e ferroviárias, os equipamentos desportivos, sociais, culturais e recreativos, de saúde e de educação, que transformaram o nosso concelho num dos mais atrativos da Área Metropolitana de Lisboa, nos últimos seis anos viu-se atacada por uma forte paralisia provocada por uma gestão PS (sempre apoiada pelo PSD), anárquica, casuística, abúlica, subserviente ao poder central, propagandística e insensível às dificuldades e aos dramas dos mais desfavorecidos, os jovens, os trabalhadores e o povo do nosso concelho.

Uma das áreas em que mais é sentida a paralisação que refiro, é a área da habitação. Bandeira desfraldada aos quatro ventos e içada bem alto pelo PS em maioria desde 2017. 

Este problema iria ser resolvido e ultrapassado quase com um simples estalar de dedos, em poucos anos, ou mesmo poucos meses – basta ler o programa eleitoral do PS de 2017 e as sucessivas entrevistas dadas pela presidente eleita por aquele partido logo a seguir à tomada de posse, para se perceber que assim pensavam os novos titulares do poder em Almada –, transformou-se, afinal, ao fim de seis anos de governação PS, num imenso quebra-cabeças, que o mesmo PS se revela totalmente incapaz equacionar, e muito mais incapaz de resolver, uma área em que, não obstante as gritantes carências que se registam e que nos interpelam todos os dias, e os enormes recursos financeiros disponibilizados por fundos comunitários, que nunca antes aconteceram, a concretização da Câmara Municipal de Almada, ao arrepio das promessas vãs que a cada ano são inscritas nas opções do plano e nos orçamentos, é absolutamente nula.

A verdade que nos confronta neste momento, perante um quadro gravíssimo que afeta potencialmente, em Almada, várias dezenas de milhares de famílias, é assistirmos a uma Câmara Municipal gerida pelo PS, que há seis anos vem prometendo construir habitação a rodos, mas que não conseguiu neste período – mais de 2.200 dias depois de tomar posse pela primeira vez –, construir um fogo sequer.

Podemos, por isso, dizer sem receio de errar, que nesta área da habitação – como noutras áreas –, assistimos em novembro de 2023, a um verdadeiro pesadelo na gestão de um processo onde se exige mais humanismo e mais solidariedade. 

O PS na gestão do Município comprometeu-se a investir, no quadro da Estratégia Local de Habitação, aprovada em 2019 e revista em 2021, cerca de 170,6 milhões de euros até 2026. Um investimento que, a ser cumprido, beneficiaria 2.276 agregados familiares.

Sendo este o compromisso assumido pelo executivo municipal nas candidaturas ao Programa de Recuperação e Resiliência (PRR), a verdade é que quando lemos o Plano Plurianual de Investimentos (PPI), constatamos que, para os anos de 2022 e 2023, se prevê investir 38,8 milhões de euros em habitação, valor que fica muito abaixo daquilo que seria exigido para que aquela ambiciosa meta, relembro, de mais de 170 milhões de euros de investimento até 2026, pudesse ser cumprida. 

Mais grave ainda, quando olhamos a concretização efetiva do investimento nas rúbricas referentes à habitação, que os relatórios e contas de gerência dos últimos cinco anos claramente revelam, não podemos deixar de concluir que, mantendo-se o ritmo como é expectável que aconteça, o investimento total realizado em 2026 ficará, seguramente, muitíssimo longe dessa meta. 

Mas a verdade é que a maioria PS na Câmara Municipal de Almada não é ajudada, nesta tarefa hercúlea de procurar resolver os problemas da habitação, pela maioria PS na Assembleia da República e no Governo da República.

Na mesma linha de ação que o PS revela em Almada, assim se comporta o PS no Governo do País. 

Perante a extraordinária dimensão que os problemas da habitação assumem, em Almada e no país, não encontramos vontade política, nem no Governo nem na Câmara Municipal, para concretizar medidas eficazes no sentido de travar e reverter a dinâmica especulativa que está instalada, recentrando no Estado a responsabilidade constitucional e os meios indispensáveis para um amplo e eficaz programa nacional de habitação de promoção pública.

Não encontramos vontade política, nem no Governo nem na Câmara Municipal, para prosseguir um caminho que assuma, como objetivo central, enfrentar os interesses dos fundos imobiliários e a usura do capital financeiro, em particular da banca, que, para além de especular com os valores das habitações, acumula lucros imensos à sombra do aumento das taxas de juro e das dificuldades de centenas de milhares de famílias.

Não encontramos vontade política, nem no Governo nem na Câmara Municipal, para adotar medidas que, para além das respostas mais imediatas e inadiáveis, garantam uma resposta pública eficaz e indispensável à regulação do sector.

Medidas que não encontramos, por maioria de razão, no chamado pacote “mais habitação”, recentemente lançado pelo Governo. Este, como anteriores programas semelhantes, não assegura nem o forte investimento público, nem a regulação de um sector que está hoje capturado pelos grandes interesses que dominam o mercado. 

Não basta criar ilusões em torno dos milhões do PRR. Não é sério praticar a desresponsabilização do Estado através de acordos de colaboração com os municípios, procurando remeter para estes a solução de um problema que exige uma resposta coerente e eficaz em todo o território nacional.

Sem prejuízo do papel que o poder local, e em particular os municípios, são chamados a assumir, a dimensão do problema da Habitação é inseparável da assunção pelo Estado das responsabilidades que lhe cabem, designadamente na promoção de oferta pública por via de um robusto investimento que se mantém ausente ano após ano.

Foi com este cenário de fundo que a CDU propôs que a Assembleia Municipal de Almada deliberasse exigir ao Governo a adoção de medidas que permitam enfrentar o aumento insuportável das prestações com aquisição de habitação própria, impondo a redução do valor das prestações, assegurando que os bancos suportam com os seus lucros o aumento das taxas de juro, a par da implementação de uma moratória que isente de pagamento a parcela de capital, exigir ainda ao Governo uma intervenção visando a descida do valor das rendas, assegurando desde logo a fixação de um limite ao aumento das rendas de casa (incluindo para os novos contratos que venham a ser celebrados no próximo ano), fixando-o em 0,43% em vez dos cerca de 7% que decorrerão da aplicação automática dos critérios em vigor, bem como o alargamento da duração mínima e a estabilidade dos contratos, e exigir, também ao Governo, que desencadeie as ações necessárias à concretização da resposta ao levantamento de carências habitacionais inscritas na Estratégia Local de Habitação do município, mobilizando os recursos financeiros correspondentes.

O PS absteve-se na votação destas propostas apresentadas pela CDU. 

Acreditemos, a esperança é sempre a última coisa a morrer na lógica popular, que o facto do PS não ter expressado oposição às propostas da CDU, possa corresponder à adoção de uma atitude mais ativa em defesa dos interesses e dos direitos dos Almadenses, tanto ao nível da operacionalização e concretização das suas responsabilidades próprias e diretas ao nível da gestão do Município de Almada, como na reivindicação de soluções concretas e eficazes ao Governo da República em matéria de promoção das condições para tornar real o direito constitucional a uma habitação condigna e adequada para todos os portugueses e todas as portuguesas, esse direito consagrado desde 1976 no artigo 65º da Constituição da República Portuguesa. 

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João Geraldes

Membro da Assembleia Municipal de Almada, eleito na lista da Coligação Democrática Unitária